Correio braziliense, n. 20394 , 23/03/2019. Política, p.2

Fogo amigo atinge PEC da Previdência

Alessandra Azevedo

Gabriela Vinhal

 

 

A falta de engajamento do Executivo na articulação política e a interferência dos filhos do presidente Jair Bolsonaro nas pautas do governo têm irritado aliados, resultado em brigas entre os Poderes e dificultado ainda mais o avanço da agenda econômica. Soma-se ao clima instável a prisão do ex-presidente Michel Temer, um dos maiores caciques do MDB, partido de grande influência no Congresso.

Para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Bolsonaro precisa ter “mais tempo para cuidar da Previdência” e menos para rede social. O ministro da Economia, Paulo Guedes, resumiu o momento político em poucas palavras: “Não posso falar agora, parece que o pau está comendo”, disse ontem, ao chegar à cerimônia de posse de Solange Paiva Vieira na Superintendência de Seguros Privados (Susep).

As brigas acontecem em todas as esferas, mas o que mais tem potencial de estrago, no momento, é a indisposição entre o Executivo e o Legislativo. Mais especificamente, entre Maia e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, que tem pressionado o presidente da Câmara a pautar o pacote anticrime num momento em que o foco é a reforma, exigência que desencadeou uma série de desentendimentos. A gota d’água foi o apoio do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, à crítica de Moro.

Ao lembrar que Moro é um “funcionário do presidente”, como disse Maia, na quinta-feira, o deputado direciona a Bolsonaro uma crítica de boa parte dos parlamentares. “Há uma certa chateação dos congressistas, focalizada por Maia, de que ele não assume a negociação da reforma com o Congresso”, avaliou o gerente de análise e política da consultoria Prospectiva, Thiago Vidal.

Depois de ter sido atacado, Maia anunciou que passará a ter uma atitude pragmática: não vai abrir mão da pauta, que defende desde muito antes de Bolsonaro entrar em cena, mas também não vai assumir mais um papel que não é dele. A articulação da base aliada para aprová-la passará a ser responsabilidade do governo. “A postura é de pressionar o Executivo e deixar claro que ele é uma peça importante no jogo. O governo tem de entender que é preciso dialogar com o Congresso”, pontuou o analista político Creomar de Souza.

Quem sai perdendo com a briga é Bolsonaro, na avaliação do especialista. Ao contrário do governo, Maia transita com facilidade tanto entre os partidos de centro quanto com as siglas de oposição. É uma figura imprescindível para avançar nos projetos de interesse do presidente, avaliou Souza. “Se ficar fora da base, o governo tem de achar um outro tipo de interlocutor. Mas será um desafio grande, pois o Congresso está renovado”, explicou.

O analista lembrou que o governo não tem investido em articuladores e mantém o discurso contra a “velha política”, duas atitudes que podem prejudicar a tramitação dos projetos.

Divórcio

A líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), fez questão de dizer que o governo “não está no ponto de divórcio”. O Planalto precisa “reatar” a relação com Maia e, para isso, é importante o governo “conversar” e “dialogar” para “eliminar os ruídos”, disse. Mais cedo, no Twitter, ela havia ressaltado que, “na prática, sem Maia, a coisa não vai, e o Brasil empaca. Simples assim”.

O deputado Domingos Neto (PSD-CE) se mostrou indignado com os ataques a Maia em um momento crucial para o avanço da pauta econômica. “Não é uma estratégia inteligente de parte da militância do presidente da República, Jair Bolsonaro, hostilizar o presidente Rodrigo Maia. Todos percebem que o Rodrigo é o maior articulador da reforma, e a turma do propositor dela ataca seu maior defensor... Inacreditável”, comentou, na rede social.

Quanto à articulação, Joice voltou a afirmar que vai ouvir todos os presidentes dos partidos e os líderes de bancada para alinhar o discurso e avançar nas negociações. Ela, inclusive, disse que o governo já levantou “bandeira branca” e não descarta manter o diálogo nem com o PT. “Não vamos dispensar votos, inclusive os da oposição. A nova Previdência é capaz, mesmo com brigas e posicionamentos ideológicos diferentes, de unir a oposição e os aliados”, defendeu.

Assim como ela, o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO), acredita que Maia vai voltar a dialogar com o governo — sobretudo porque ele é um dos “entusiastas” da reforma da Previdência. Entretanto, o parlamentar não isenta a responsabilidade do Executivo de buscar a reconciliação por meio do diálogo. “Esse é um papel que tem de ser feito pelo presidente Bolsonaro”, disse.