Correio braziliense, n. 20394 , 23/03/2019. Mundo, p.13

Brasil rompe tradição e se opõe à Palestina

Rodrigo Craveiro
 
 
 

Desde a criação do Estado de Israel — que teve a participação do gaúcho Oswaldo Aranha como presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas —, o Brasil sustentava a tradição de apoiar a causa palestina no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Ontem, o Itamaraty rompeu com o paradigma e marcou posição na nova política externa pró-Israel. Pela primeira vez, o Brasil votou contra o Item 7, conjunto de quatro resoluções que “apela a Israel, o poder ocupante, a imediatamente pôr fim à ocupação do Território Palestino Ocupado”.


O texto expressa “grave preocupação com as violações contínuas da lei humanitária internacional e com a violação sistemática dos direitos humanos do povo palestino por Israel”. Apesar da oposição brasileira, o Item 7 foi aprovado. O texto se baseava em investigação sobre a repressão a civis na fronteira com a Faixa de Gaza, em 2018, e acusava Israel de crimes de guerra. Em outra resolução, que condenava a expansão de assentamentos judeus em território palestino, o Brasil se absteve.

“Apoiar o tratamento discriminatório contra Israel na ONU era  uma tradição da política externa brasileira dos últimos tempos. Estamos rompendo com essa tradição espúria e injusta, assim como estamos rompendo com a tradição do antiamericanismo, do terceiromundismo e tantas outras”, afirmou no Twitter o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) — presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara — celebrou a guinada do Itamaraty. “Parabéns ao Brasil, que, após muito tempo, votou a favor de Israel, que enfrentou na comissão de direitos humanos da ONU (sic) uma tentativa de punição por ter reagido a ataques terroristas”, escreveu nas redes sociais.

Em entrevista ao Correio, Ibrahim Mohamed Khalil Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil, classificou a postura brasileira de “lamentável”. “Isso incentiva a violência e a ocupação. Isso incentiva os israelenses a seguirem assassinando e roubando território do povo palestino, demolindo casas e violando o direito internacional. É lamentável que o Brasil opte por essa atitude. Não podemos admitir que um país amigo admire as atitudes de Israel, porque não é nada normal”, sublinhou.“Confiamos no bom senso das lideranças políticas para enxergarem isso. Desde 1947, o Brasil é parte do conflito e da solução dele.” De acordo com Alzeben, o líder palestino, Mahmud Abbas, enviou convite ao presidente Jair Bolsonaro para que visite a Palestina, durante viagem a Israel, em exatamente uma semana. A reportagem enviou perguntas ao embaixador de Israel, Yossi Shelley, mas não obteve as respostas.

Trumpismo
O diplomata Paulo Roberto de Almeida, diretor exonerado do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (Ipri) e ministro de primeira classe do Itamaraty, explicou ao Correio que o Ministério das Relações Exteriores enfrenta duas revoluções: uma cultural — com quebra hierárquica e dispensa de  embaixadores — e outra política. “Esta última é contrária a toda história pregressa do Brasil desde o início dos trabalhos da ONU e das questões no Oriente Médio. A diplomacia brasileira tem seguido fielmente, de forma sabuja e adesista, todas as posturas do presidente Trump em relação a diferentes questões.” Almeida admite que “todos os brasileiros sensatos e responsáveis” se preocupam “com o aventureirismo trumpista, fundamentalista, ideológico e de fundo religioso da atual administração do Itamaraty”.

Para Elaini Cristina Gonzaga da Silva, professora de relações internacionais da PUC-SP,  o voto do Brasil na ONU demonstra a “ideologização crescente da política externa, mais alinhada a grupos preferidos do que preocupada com pessoas”. “A decisão do governo só pode ser analisada como negativa à defesa do interesse do povo brasileiro no mundo, ao sujeitar que também nós sejamos sujeitos à lógica do poder, sem consideração com relação à legitimidade dos atos”, explicou. 

Ela crê que o afastamento dos palestinos pode ser ligado à “criação mental dos integrantes do governo Bolsonaro e seus mentores de que existe um choque de civilizações” com os muçulmanos. “O alinhamento com Israel não tem função estratégica na inserção política e econômica brasileira no mundo e só pode ser compreendida pela necessidade do presidente de satisfazer sua base de apoio interna, a qual defende que aquela região seja controlada por um Estado judaico em função de suas crenças religiosas”, disse Elaini.

Eu acho...

“Essa posição do Brasil é lamentável e praticamente a favor da ocupação, daqueles que matam diariamente palesinos em Gaza e na Cisjordânia. Ela vai contra o direito internacional.”

Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil


“Haverá repercussões não apenas na credibilidade de nossa política externa e nas relações com os países árabes. Estamos perdendo a credibilidade que a diplomacia brasileira conquistou ao longo de décadas”

Paulo Roberto de Almeida, 
diplomata, diretor exonerado do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (Ipri) e ministro de primeira classe do Itamaraty