O globo, n. 31295, 13/04/2019. Economia, p. 23

 

Intervenção na Petrobras

Bruno Rosa

Ramona Ordoñez

13/04/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Ações despencam com suspensão de reajuste

A determinação do governo para que a Petrobras revisse um reajuste de 5,7% no preço do diesel foi considerada uma intervenção na política de preços da companhia e, segundo especialistas, colocou em xeque a autonomia da empresa e das demais estatais — e o discurso liberal do governo do presidente Jair Bolsonaro. Após divulgar a alta do diesel por volta das 13h de quinta-feira, a Petrobras suspendeu o reajuste a indana noite de anteontem, apedido de Bolsonaro. O impacto foi imediato: as ações da estatal caíram 8,76% ontem, e a companhia viu seu valor de mercado encolher R$ 32 bilhões em um único dia. O tombo nas ações foi o maior desde 1º de junho de 2018, quando o então presidente da estatal, Pedro Parente, renunciou em meio à crise gerada pela greve dos caminhoneiros insatisfeitos como preço do diesel. O temor de um novo movimento da categoria, um ano após a greve que parou o país, motivou a decisão do governo. Além de afetar as contas da estatal, a intervenção pode dificultar os planos da Petrobras de vender ativos e abrir o mercado de refino no país. Ontem, Bolsonaro revelou ter ligado para o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, para pedir a suspensão do reajuste, preocupado com o impacto nos custos dos caminhoneiros. Ele se disse surpreso com o reajuste, apesar de a Petrobras ter anunciado no dia 26 de março uma mudança na política de preços, com alterações no diesel em períodos não inferiores a 15 dias, seguindo as oscilações do mercado internacional de petróleo. Na ocasião, o anúncio de que os reajustes ocorreriam em prazos maiores já teria sido uma tentativa de acalmar os caminhoneiros.

Guedes não consultado

Em Washington, onde participa de uma série de reuniões com investidores e organismos multilaterais, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu não ter sido consultado pelo presidente a respeito do cancelamento do reajuste. Ele tentou evitar o assunto, mas diante da insistência dos jornalistas, afirmou que a conclusão de que ele não foi informado “é uma inferência razoável, aparentemente”. Nos quatro primeiros meses deste ano, o preço do diesel nas refinarias da Petrobras acumula alta de 18,4%. Sem o reajuste anunciado anteontem, a estatal terá um prejuízo da ordem de R$ 13,5 milhões por dia (ou R$ 400 milhões mensais), segundo estimativa da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), devido à defasagem entre o que compra lá fora e revende no mercado interno. O barril de petróleo do tipo Brent no mercado internacional já subiu quase 33% este ano e, segundo especialistas, segurar esse repasse pode acabar levando a um reajuste muito maior no diesel no futuro, já que a perspectiva é de que o petróleo continue em alta. Para Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), a ação do governo foi um equívoco.

— Foi tudo atabalhoado. O governo tem três meses e já está se ajoelhando para os caminhoneiros. Isso pode dar margem para (o lobby de) outros setores. Aparentemente, o governo está refém da categoria. Espero que esse episódio tenha sido algo isolado — afirmou Pires, lembrando que a ex-presidente Dilma Rousseff provocou grandes prejuízos à estatal ao impedir reajustes dos preços da gasolina e do botijão de gás para controlara inflação.

Para Helder Queiroz, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o recuo da Petrobras contraria o discurso de sua atual gestão de que tem liberdade para conduzir os preços dos combustíveis sem interferência política. —Apolítica de até 15 dias para o reajuste do diesel não resistiu ao primeiro estresse do preço do barril do petróleo. E acendeu um sinal amarelo. A estatal deveria testar outro tipo de periodicidade, como 30 dias, dado o tamanho do Brasil —avaliou Queiroz.—Esse governo está recheado de contradições. O presidente disseque pediu para a Petrobras um preço justo, mas justo é um valor que leve em conta os custos.

'Canetada não resolve'

Em meio à crise gerada pela interferência de Bolsonaro, CastelloBran coindicou que não cogita renunciar. Em viagem aos EUA, o executivo confirmou em nota ter recebido um telefonema de Bolsonaro “alertando sobre os riscos do aumento do preço do diesel”. Ainda assim, afirmou que a Petrobras é “uma empresa completamente autônoma para a tomada de decisões” e tem posição em instrumentos financeiros contra prejuízos. Em resposta a questionamento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de capitais, a Petrobras informou que adiou o reajuste apedido da União diante“das ameaças de início de uma nova paralisação (dos caminhoneiros)”.

Edmar Luiz Fagundes de Almeida, professor do Instituto de Economia da UFRJ, destaca que, desde que os preços dos combustíveis foram liberados, no início dos anos 2000, ainda não foram encontradas nem uma solução de merca dopara aumentara concorrência no setor, nem uma política pública que não prejudique o consumidor nema Petrobras.

Para Leandro Miranda, da área de petróleo e gás do Tozzini Freire Advogados, a intervenção de Bolsonaro é péssimo sinal para investidores que estão olhando planos de privatizações,co moada Eletrobr as, e de venda de ativos da própria Petrobras, como refinarias: — Fazer uma intervenção com uma canetada na Petrobras pelo acionista controlador não resolve o problema

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Bolsonaro diz que ligou para estatal, mas nega ‘canetaço’

Jussara Soares

Gustavo Maia

Manoel Ventura

13/04/2019

 

 

Presidente diz que não entende de economia e quer ‘números da empresa’

Ao confirmar que ligou para o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, para suspender o aumento dos preços do diesel, o presidente Jair Bolsonaro disse que ficou preocupado com a situação dos caminhoneiros. Por isso, explicou, decidiu convocar para a próxima terça-feira uma reunião para tratar dos aspectos técnicos da atual política dos combustíveis. Devem participar do encontro os ministros da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e o presidente da Petrobras. Apesar de ter interferido na empresa, o presidente disse que não será intervencionista. Bolsonaro também declarou que não entende de economia, mas que quem entendia do assunto “afundou o Brasil”: — O Brasil não pode continuar com essa política de preços altos de combustíveis. Mas não pelo canetaço e não pela imposição do chefe do Executivo, em hipótese alguma isso vai existir. O que aconteceu? Eu liguei para o presidente, sim. Eu me surpreendi com o reajuste. Eu não vou ser intervencionista. Não vou praticar a política que fizeram no passado, mas eu quero os números da Petrobras — afirmou ele, acrescentando que estava preocupado com os caminhoneiros: — São pessoas que têm que ser tratadas com o devido carinho e consideração. No final do dia, o porta-voz do Palácio do Planalto, Otávio do Rêgo Barros, afirmou que “o governo não é refém de ninguém”, ao ser questionado se o Planalto não receia ficar submetido a ameaças de greve de caminhoneiros: — O governo não é refém de ninguém. (...) No entanto, em face do impacto sobre a população do ajuste anunciado, ele (Bolsonaro) recomendou aguardar a implantação e convidou ministros ligados à área e uma equipe técnica da Petrobras para comparecerem ao Palácio.

Reajuste em até 30 dias

O porta-voz também destacou que o governo tem adotado ações para mitigar os prejuízos dos caminhoneiros e citou como exemplo a possibilidade de estender a periodicidade de aumento dos preços do diesel de 15 para 30 dias.

O Ministério de Minas e Energia também veio a público tentar reduzir os danos da intervenção. A pasta divulgou nota na qual afirma que o recuo da Petrobras ocorreu “em função do interesse público envolvido” e afirmou que a estatal tem autonomia para definir sua política de preços, “conforme o artigo 34 de seu Estatuto Social”. Já o vice-presidente Hamilton Mourão disse em entrevista à rádio CBN que a decisão de Bolsonaro foi uma opção pelo “bom senso”, diante de pressões por uma nova greve de caminhoneiros. Bolsonaro, por sua vez, também afirmou que é preciso cobrar os governadores sobre o assunto, uma vez que o ICMS que incide no preços dos combustíveis “é altíssimo”, segundo ele.