O globo, n. 31294, 12/04/2019. País, p. 4

 

Governo lança pacote dos cem dias

Jussara Soares

Gustavo Maia

Marcello Corrêa

Marco Grillo

12/04/2019

 

 

Decretos e projetos de lei

Bolsonaro propõe autonomia do Banco Central e mais 17 medidas

Ao apresentar as ações do governo nos cem primeiros dias de trabalho, o presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem um pacote de 18 medidas administrativas, a principal delas a proposta que confere autonomia à atuação do Banco Central (BC).

Coma agenda no Congresso voltada para a aprovação da reforma da Previdência, apenas quatro iniciativas precisarão do aval dos parlamentares, entre elas justamente a que trata do órgão responsável pela política monetária no país. Outras 14 medidas serão regulamentadas por decreto presidencial.

O texto assinado ontem por Bolso na rore produza proposta defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, durante a campanha eleitoral, estabelecendo mandato fixo de quatro anos para o presidente do BC, não coincidentescomodo presidente da República. Há possibilidade de renovação do mandato por mais quatro anos.

A proposta contempla discussão que se estende há anos no país. A independência formal frente às decisões do Executivo recebe elogios de especialistas pelo potencial de protegera instituição contra eventuais tentativas de interferência política.

O anúncio do envio da proposta ao Congresso, no momento em que os aliados estão voltados para a análise

da reforma da Previdência, pegou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de surpresa. Em viagem aos Estados Unidos, Maia disse que ele próprio já havia negociado um texto com o ex-presidente do BC Ilan Goldfajn e com o atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto.

— Já tenho um texto combinado. Ajustamos naquilo que o atual presidente entendia que precisava. Quando eu tiver isso organizado, eu voto. Aí, hoje, o governo vai e encaminha um projeto —reclamou Maia.

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, negou ontem a existência de ruídos na articulação do texto com o Parlamento, dizendo que havia combinado com o próprio Maia a apresentação do projeto do Planalto, que passaria a tramitar anexado ao texto já defendido pelo deputado.

Pacote heterogêneo

Além da agenda econômica, o pacote de medidas dos cem dias é formado por questões conhecidas do discurso eleitoral de Bolsonaro. Entre elas, o maior controle sobre o que chama de “indústria de multas” ambientais e o fechamento dos conselhos sociais, criados em administrações do PT. Ontem, o governo indicou que quer extinguir 650 de 700 colegiados existentes.

Em um decreto editado pelo Ministério do Meio Ambiente, o governo também cria o Núcleo de Conciliação Ambiental, instância que promete estabelecer a conciliação como meta na administração pública para encerrar processos administrativos referentes a infrações na área.

O pacote do Planalto contempla ainda bandeiras do bolsonarismo na área da Educação como o chamado home schooling, modelo educacional em que os pais podem optar por educar os filhos em casa, sem a obrigação de ir à escola. O governo anunciou ainda a extinção de cargos regulares não ocupados na administração e a criação de um comitê interministerial de combate à corrupção.

Dentro do pacote heterogêneo, foram incluídas medidas específicas de certas áreas, como a mudanças nos critérios da Bolsa Atleta (menos esportistas de ponta receberão os valores maiores, reajustados), a reunião de todos os sites do governo num único portal e até mesmo o veto ao uso de “vossa excelência” nas cerimônias oficiais de governo, a ser substituído por “senhor” ou “senhora”.

Responsável pela articulação política do Planalto com o Congresso, o ministro da Casa Civil reconheceu erros do governo, mas disse que o balanço é positivo.

— Então esse é um processo que a gente precisa ter humildade de saber que nem tudo que a gente acha que está certo, está certo. Tem que ter humildade também de saber que a gente erra, e a gente erra, e para corrigir. (...) Nós estamos aprendendo. E tem que ter um pouquinho de paciência com a gente.

As medidas anunciadas

O presidente Jair Bolsonaro assinou na manhã desta quinta-feira, na cerimônia dos cem dias de governo, 18 atos, entre decretos, resoluções e projetos de lei. Veja a lista completa:

Autonomia do Banco Central

Foi uma das promessas de campanha de Bolsonaro na economia. Entre outros pontos, o projeto de lei a ser enviado ao Congresso vai prever um mandato de quatro anos para o presidente do BC, não coincidentes com o mandato do presidente da República. Será também revogado o status de ministro par ao presidente do BC

Política nacional antidrogas

Um decreto vai dar as diretrizes da política sobre drogas. Os pontos centrais: contra a legalização; tratamento focado em abstinência, em contraposição à redução de danos; prevenção nas escolas; revisão do entendimento sobre como se configura tráfico, não importando apenas a quantidade de droga, mas a circunstância da apreensão

Revogaço

Revogação de 250 textos em vigor, de diferentes áreas do governo

Política de Alfabetização

Decreto estabelece meta de erradicar analfabetismo

Comitê de combate à corrupção

Sob coordenação da CGU, inclui Justiça, Economia, AGU e BC

Tratamento

Autoridades serão tratadas por “senhor” e “senhora” em vez do “vossa excelência” nos atos públicos

Revogação de Colegiados

A ideia é extinguir a maioria dos cerca de 700 conselhos ligados a órgãos do governo federal, muitos criados pela Política Nacional de Participação Social (PNPS) no governo Dilma. Os integrantes desses conselhos não têm salário do governo, que paga, porém, as viagens para as reuniões. A intenção é "racionalizar" a administração

Multas ambientais

Também por decreto, o governo pretende fazer mudanças no programa de conversão de multas ambientais em serviços de recuperação, preservação e melhorias no meio ambiente. O ministro Ricardo Salles defende que proprietários de terra e empresas privadas multados também possam fazer a prestação desses serviços

Extinção de cargos

Cortes já anunciados, em vários setores da administração federal

Bancos públicos

Exige aprovação do Banco Central de novos dirigentes de bancos públicos

Termo de Integridade pública

Ato assinado entre os ministério da Agricultura, Saúde e CGU

Inclusão

Novos critérios para carros acessíveis nas frotas de táxis e de locadoras de veículos

Cessão Onerosa

É a revisão do contrato entre o governo e a Pétrobras para exploração de áreas do pré-sal. Em 2010, quando da capitalização da empresa, a Petrobras pagou R$ 75 bilhões à União. O acordo previa renegociação quando áreas do pré-sal fossem declaradas comerciais. Agora, o governo vai pagar à Petrobras R$ 33 bilhões

Ensino domiciliar

O governo enviará ao Congresso um projeto de lei que regulamenta os critérios para que os pais possam adotar o modelo de homeschooling .A proposta desobrigará os pais adeptos do modelo a manterem os filhos na escola

Turismo

Decreto visa a promover 21 áreas que integram o patrimônio mundial cultural e natural do Brasil

Bolsa Atleta

Projeto de lei reajusta o benefício e diminui o número de beneficiados das bolas mais altas

Doação de bens

Permite doação de bens da iniciativa privada para a União

Portal Único

Reúne num único portal os mais de 1.300 sites do governo

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Para analistas, mudança pode ajudar na queda dos juros

Rennan Setti

Marcello Corrêa

12/04/2019

 

 

Autonomia do Banco Central será benéfica se proteger a instituição da influência política, dizem economistas

A formalização em lei da autonomia do Banco Central tende a reduzir a taxa de juros do país e aumentar a capacidade de planejamento dos investidores, segundo especialistas. A avaliação é de que a proteção da política monetária da da influência política pode gerar o benefício da previsibilidade na economia.

— Com a autonomia, você elimina ou reduz muito a probabilidade de mudanças

abruptas na política monetária. Isso diminuia sensação de risco dos investidores, o que tende a reduzir também o chamado juro estrutural — disse José Julio Senna, do Ibre/FGV e ex-diretor do BC.

A literatura acadêmica dá suporte a essa leitura. Estudo publicado em 1991 pelos economistas Larry Summers (ex-secretário do Tesouro dos EUA) e Alberto Alesina, de Harvard, demonstrou que países com bancos centrais mais independentes tendem a ter menor inflação sem prejuízo à geração de empregos e ao crescimento.

Segundo estimou Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BNDES e do BC, os juros reais (descontada a inflação) podem cair no longo prazo da ordem de 4% para abaixo de 2% com a autonomia. Ele afirmou que, hoje, o BC já tem autonomia de fato, uma vez que suas decisões são consideradas estritamente técnicas por observadores e não sofrem interferência política. Mas a autonomia formal transmitiria maior segurança, porém, durante processos eleitorais, disse Senna. O professor do Ibre/FGV também defendeu que a proposta também trate de temas como a independência financeira do BC.

— Com Dilma, o Executivo forçou redução na marra dos juros — lembrou Freitas. — Hoje, o BC conquistou credibilidade com o controle da inflação. Portanto, credibilidade é mais importante que autonomia. Mas a autonomia ajuda.

A discussão sobre autonomia do Banco Central é antiga e já é tratada em outros dois textos em tramitação no Congresso. Umdeles, de autoriado presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tramita há 16 anos.

Segundo Carlos Langoni, que presidiuo BC entre 1980e 1983, a proposta encaminhada pelo governo é o resultado de um processo de amadurecimento. Ele conta que na sua gestão, a autarquia precisou se fortalecer diante de pressões políticas de bancos estaduais:

— Sempre defendi a importância de ter um Banco Central com força e independência, porque precisava lidar com a pressão dos bancos estaduais. Isso exigia que o BC tivesse uma força muito grande para resistir às pressões políticas.

Segundo Langoni, o encaminhamento da questão ocorre em bom momento, com a inflação abaixo da meta e os juros na mínima histórica.

O projeto também surge em momento em que a autonomia de BCs tem sido posta à prova pelo mundo. O presidente dos EUA, Donald Trump, vem sendo criticado por pressionar o Federal Reserve (Fed) a diminuir o ritmo de elevação dos juros. Na Índia, o presidente do BC, Urjit Patel, renunciou inesperadamente em dezembro após pressão do primeiro ministro Narendra Modi, que queria reduções nos juros.