O globo, n. 31294, 12/04/2019. País, p. 6
Depois das rusgas, o aceno a lideranças evangélicas
Gustavo Schmitt
Juliana Castro
12/04/2019
Bolsonaro participou de evento com pastores no Rio, em meio a cobranças para que coloque em prática a agenda conservadora defendida durante a campanha. Setor também esperava ocupar mais espaço no governo
Reaproximação. Bolsonaro ao lado do pastor Silas Malafaia: parlamentares da bancada evangélica se ressentem de falta de interlocução com o presidente
Em um gesto de reaproximação com lideranças evangélicas, o presidente Jair Bolsonaro participou ontem de um evento com pastores no Rio de Janeiro. A participação de Bolsonaro acontece em meio a cobranças veladas de líderes religiosos para que o presidente coloque em prática a agenda conservadora defendida durante a campanha e que ficou em segundo plano devido a reforma da Previdência. Os evangélicos também esperavam ocupar mais espaço na administração federal.
Parlamentares da bancada evangélica se ressentem de falta de interlocução com o presidente e de dificuldades de serem recebidos até por ministros.
Embora o último levantamento do Datafolha mostre que 42% dos evangélicos considerem o governo ótimo ou bom —contra 27% dos católicos —nos cem primeiros dias o governo já teria sentido a cobrança da fatura dos evangélicos. O segmento embarcou, em sua maioria, na campanha de Bolsonaro.
Ontem, em seu discurso aos pastores, Bolsonaro agradeceu ao apoio que recebeu dos evangélicos durante a eleição. Em sua fala antes do presidente, o pastor Silas Malafaia disse que os evangélicos não votaram em Bolsonaro por conta apenas de sua “agenda moral”, mas por questões como segurança, corrupção e desemprego. Malafaia defendeu ainda a reforma da Previdência.
O encontro também contou com a participação do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC); o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli; o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e o ex-senador Magno Malta (PR-ES).
Malta foi fiel escudeiro de Bolsonaro na campanha, mas foi preterido para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que acabou ficando com Damares Alves. Bolsonaro fez uma deferência ao ex-senador.
—Está presente aqui um amigo que não via desde as eleições, quase chorei, confesso. Espero encontrar brevemente com ele e que nunca mais nos afastemos, meu prezado Magno Malta —afirmou o presidente, que saiu sem dar entrevistas.
Logo após ser eleito, Bolsonaro pediu à Frente Parlamenta Evangélica (FPE) a indicação de três nomes. Uma das pastas cobiçadas era o Ministério da Cidadania, que cuida da área social, incluindo o Bolsa Família. No entanto, nenhum nome foi contemplado.
—Depois que tivemos o dissabor de indicar três nomes e ele não escolher nenhum ficamos ressabiados. Ele tem que conversar um pouco mais. Não custa ele agradar a frente —afirma uma liderança, que pediu para não ser identificada.
Fatos Olavo de Carvalho
A influência do ideólogo de direita Olavo de Carvalho também é outro ponto que incomoda. Defensores de pautas como ideologia de gênero e “Escola Sem Partido”, os evangélicos têm grande interesse pelo Ministério da Educação (MEC). No entanto, ideólogo é quem tem emplacado diversas nomeações, mesmo após o ministro Vélez Rodrigues, um “olavete”, ter caído. O novo titular da pasta Abraham Weintraub também é considerado um simpatizante das ideias de Olavo.
Para o deputado Sóstenes Cavalcanti (DEM-RJ), a nomeação mais adequada seria do atual presidente da Capes, Anderson Ribeiro Correia, que foi reitor e professor do Instituto de Tecnologia da Aeronáutica.
—O novo ministro é muito preparado e inteligente. Mas acredito que seria mais adequado o currículo de alguém que já teve a experiência de ser reitor de universidade — disse Sóstenes, que negou interesse no chamado “toma lá da cá”.
Malafaia é um dos que se opõe à influência de Olavo no governo Bolsonaro:
—Somos contra esculhambar as pessoas. Nós nos posicionamos em caso de discordância, mas somos contra xingamentos, principalmente chefes de poderes. O país precisa avançar e aprovar a reforma da previdência —afirmou Malafaia ao GLOBO. Ele já chegou a trocar farpas com o ideólogo pelas redes sociais.
Um fator de desgaste na relação com os evangélicos foi o recuo de Bolsonaro na promessa de transferir a embaixada brasileira para Jerusalém. Na viagem a Israel, o presidente anunciou apenas a instalação de um escritório de negócios naquela cidade.
Outro episódio que causou mal estar foi a viagem do presidente aos Estados Unidos. Bolsonaro se encontrou com lideranças daquele país, sem convidar membros da Frente Parlamentar Evangélica. Muitos deputados se sentiram desprestigiados.
Para o líder da frente, deputado Silas Câmara (PRB-AM), ainda não está claro o critério utilizado pelo governo para o relacionamento com os parlamentares.
“Está presente aqui um amigo que não via desde as eleições, quase chorei, confesso. Espero que nunca mais nos afastemos, meu prezado Magno Malta”
Presidente Jair Bolsonaro
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Governo e especialistas divergem sobre cumprimento de metas
Bernardo Mello
12/04/2019
Analistas apontam medidas ainda em andamento e ‘declarações de intenções’
Em cerimônia no Palácio do Planalto, ontem, para celebrar os cem dias da presidência de Jair Bolsonaro, o governo federal considerou cumpridas as 35 metas estipuladas para o início do mandato. Especialistas ouvidos pelo GLOBO apontam que parte dessas metas, embora iniciadas, dependem de articulação política e de tempo para que sejam concluídas.
Uma das metas prioritárias era a ampliação da transferência de renda para as 14 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa Família. O governo anunciou que criará um 13º pagamento para as famílias, que ainda será oficializado através de medida provisória. Segundo o ministro da Cidadania, Osmar Terra, o 13º representará aumento de 8,5% na renda das famílias atendidas pelo programa. O reajuste anual do benefício, por outro lado, foi congelado.
—É um marketing excelente. Mas trocou seis por meia dúzia ao deixar o reajuste e criar o 13º do Bolsa-Família — avaliou o cientista político David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UNB) e diretor do ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza).
Segundo balanço feito pelo portal G1, o governo federal cumpriu integralmente 18 das 35 metas estipuladas para os cem primeiros dias de governo. Outros 17 itens estão em andamento.
— Existem ações que precisavam estar delimitadas e apresentadas. São coisas que vão se prolongar — argumentou o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
Para o economista Antônio Jorge Martins, professor da FGV-SP, as metas apresentadas pelo governo federal fazem parte de uma tentativa de transmitir credibilidade e responsabilidade fiscal. Na avaliação de Martins, um exemplo desta linha são os cortes de cargos comissionados—meta que ainda está em andamento. O governo prometeu extinguir 21 mil postos até junho.
Um dos itens estabelecidos pelo governo como prioritários foi a “inserção econômica internacional”, através de pactos comerciais com outros países. Martins citou o acordo para comércio de peças automotivas com o México como uma medida que pode trazer impacto futuro.
— Havia a necessidade de reverter um quadro econômico que vinha bastante fragilizado. Foram feitos direcionamentos —afirmou Martins.
O cientista político Fernando Schüler, do Insper, ponderou que parte das metas eram “declarações de intenções”. Outras, como a criação de políticas nacionais de alfabetização e de turismo, só foram contempladas ontem, com os atos assinados por Bolsonaro na cerimônia dos cem dias. Schüler destacou a ausência, entre os compromissos, de temas associados a Bolsonaro, como privatizações de estatais e a reforma da Previdência.
— As metas foram uma tentativa de atender certa demanda por objetividade, mas o fato é que o governo deverá ir apresentando seus projetos com mais lentidão —disse Schüler.