Valor econômico, v. 19, n. 4595, 22/09/2018. Brasil, p. A2

 

Agência e BNDES discutem fundo para cobrir inadimplência nas exportações

Francisco Góes 

22/09/2018

 

 

O governo articula uma nova estrutura de garantia para cobrir eventuais inadimplências de países nas exportações de bens e equipamentos brasileiros financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e bancos comerciais.

A Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), ligada ao Ministério do Planejamento, e o BNDES estão em discussões avançadas para criar um fundo financeiro que, inicialmente, poderá ter capital de cerca de R$ 500 milhões, para cobrir as chamadas "primeiras perdas" em contratos de exportação de bens e equipamentos. A ideia é que esse fundo cubra as parcelas de contratos de exportação que eventualmente deixem de ser pagas pelos importadores junto aos bancos que financiaram a venda, apurou o Valor.

A vantagem desse fundo financeiro é garantir um "colchão de liquidez" imediato para cobrir eventuais não pagamentos em contratos de exportação. Assegura-se, assim, maior "previsibilidade" sobre esses pagamentos aos agentes financeiros. O fundo de "primeiras perdas" está sendo estruturado para atuar de forma complementar ao Fundo de Garantia à Exportação (FGE), que cobre riscos comerciais e políticos (o chamado risco soberano) em operações de comércio exterior. A ideia, com o novo fundo, é que o governo não tenha que "correr" para fazer suplementações orçamentárias quando ocorre inadimplência maior em exportações, como foram os casos de não pagamentos por parte de Moçambique e Venezuela ao BNDES e outros bancos este ano.

A necessidade de suplementação ocorre porque o FGE é um fundo orçamentário que, embora historicamente seja superavitário, depende de dotação do Orçamento da União para fazer frente a eventuais coberturas de perdas pelos agentes financeiros. Criado em 1997, o FGE arrecadou cerca de US$ 1,3 bilhão em prêmios. Relatório financeiro do FGE de agosto mostra que se ele fosse um fundo financeiro independente teria, no total, cerca de R$ 35 bilhões, considerando aportes que foram feitos para sua criação e os prêmios recebidos. As contas a pagar, em agosto, eram de R$ 1,38 bilhão.

A questão, porém, é que o FGE é um fundo contábil, que depende de recursos orçamentários. Como historicamente o FGE tem despesas baixas, quando ocorrem inadimplências mais altas de importadores, como foi o caso este ano em contratos envolvendo Moçambique, Venezuela e, mais recentemente, Cuba o governo brasileiro precisa fazer pedidos de crédito suplementar para o fundo no Orçamento da União. Com a suplementação, o FGE ressarce os agentes financeiros, BNDES e bancos privados, e depois busca o ressarcimento junto ao país importador. "O crédito vira uma dívida de país", disse uma fonte.

Na nova estrutura de seguro, o fundo de "primeiras perdas" permitirá fazer a cobertura do sinistro aos bancos, dando tempo para que o governo faça a inclusão, no Orçamento da União, dos valores adicionais necessários ao FGE dentro do ciclo orçamentário regular, sem necessidade de o governo ter que "correr" para fazer a suplementação do fundo, como ocorreu em 2018. O novo fundo valerá para novas operações.

Segundo fontes ouvidas pelo Valor, a discussão sobre o fundo financeiro de "primeiras perdas" está bem avançada pois existe um "alinhamento" sobre o tema entre ABGF, Ministério do Planejamento e BNDES. Ainda existem, porém, discussões sobre o tema com o Ministério da Fazenda. É "factível", segundo fontes, que o fundo de "primeiras perdas" seja estruturado ainda neste governo. O aporte inicial do fundo poderá ser viabilizado a partir de uma reorganização de capitais na qual a ABGF vem trabalhando. Há outros fundos na agência que não estão mais operativos e cujos recursos poderiam ajudar a formar o capital do novo fundo juntamente com o caixa da ABGF. É aí que se chega aos R$ 500 milhões de aporte inicial, que seria suficiente para cobrir operações de exportações de micro, pequenas e médias empresas e de venda de máquinas e equipamentos. Mas não atenderia operações de longo prazo. Para tornar o fundo mais robusto, seria preciso haver aportes do BNDES e do Tesouro no fundo.