Valor econômico, v. 19, n. 4595, 22/09/2018. Empresas, p. B6

 

Cade dá sinal verde à compra da Transfederal

Fábio Pupo

22/09/2018

 

 

Alexandre Cordeiro, superintendente-geral do Cade: decisão contrariou parecer técnico do órgão antitruste

A Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou sem restrições a compra da brasileira Transfederal Transporte de Valores pelo grupo espanhol Prosegur. A decisão contrariou um parecer técnico do próprio órgão antitruste, que havia recomendado a impugnação da operação. O caso ainda pode ser contestado pelos conselheiros da autarquia.

De propriedade do presidente do Senado Federal, Eunício Oliveira (MDB-CE), a Transfederal presta serviços de transporte de valores para clientes como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco Central.

Pesquisa feita pelo Valor na Junta Comercial do Distrito Federal mostra que praticamente todas as ações da Transfederal são da companhia Remmo Participações, que por sua vez está na lista de bens declarados por Eunício à Justiça Eleitoral neste ano. Segundo o informado pelo senador, os 99,99% da Remmo detidos por ele valem R$ 19,7 milhões.

O despacho que autorizou a compra foi assinado no dia 17 pelo superintendente-geral do Cade, Alexandre Cordeiro. Há cerca de um ano no cargo, essa foi a primeira vez que ele, como superintendente, tomou uma decisão em atos de concentração em direção contrária ao recomendado por sua equipe.

Fontes da área antitruste consultadas pelo Valor dizem que uma decisão do superintendente-geral com teor contrário ao dos pareceres da própria área é rara e membros antigos do Cade dizem não se lembrar de nenhum caso em que essa divergência tenha ocorrido. Em caso de divergências, uma alternativa seria o superintendente deixar o caso para ser resolvido no tribunal após impugnar a operação.

Por outro lado, Cordeiro já chegou a votar de forma contrária aos pareceres da área técnica quando ainda era conselheiro do órgão. Nessas ocasiões, ele expressou discordâncias por considerar que certas conclusões seriam demasiadamente intervencionistas nos mercados analisados e não contribuiriam para o ambiente de negócios e o desenvolvimento econômico.

O parecer técnico 15/2018, dos coordenadores da superintendência, havia recomendado a impugnação da compra da Transfederal após uma análise de 116 páginas. De acordo com o documento, haveria sobreposições horizontais nas atividades de transporte e custódia de valores em Goiás, Minas Gerais, Tocantins e Distrito Federal.

Os técnicos não viram problemas concorrenciais nos dois primeiros casos, mas sim nos dois últimos - que geram "parcela relevante do faturamento" e onde estão boa parte dos ativos da Transfederal. "Dessa forma, não é possível aprovar a operação conforme notificada", afirmaram.

No caso de Tocantins, por exemplo, os técnicos avaliaram que o número de concorrentes seria reduzido de quatro para três, sendo que dois deles (Prosegur e Protege) seriam detentores de mais de 90% do mercado.

Eles entenderam que a Prosegur teria em Tocantins, após a operação, participação expressiva e poder de atendimento "consideravelmente superior" por acabar sendo a única "com capacidade de atender de forma efetiva clientes em todo o Estado, considerando a posição do seu conjunto de bases operacionais". Isso aumentaria o poder de barganha das empresas nas negociações com clientes, segundo o texto. "Considerando o cenário de baixa rivalidade pré-operação, a concentração gerada pela operação é preocupante", diz o documento.

Os técnicos dizem que essa superioridade acabaria dando vantagem à empresa formada mesmo diante da constatação de que os clientes no Estado (praticamente todos do setor financeiro) também têm poder de barganha.

Sobre o Distrito Federal, os técnicos avaliaram que as empresas pouco variaram em termos de participação ao longo dos anos e que essa estabilidade aponta para ausência de rivalidade, com "predominância da Transfederal" no mercado. De acordo com o documento, a empresa tem relevante participação em licitações públicas ao ficar com a maior parte dos pagamentos realizados por Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Central e Banco de Brasília. A outra única empresa contratada nesses casos é justamente a Prosegur, segundo o texto. Em todo o mercado explorado no DF, as empresas teriam em conjunto até 70% de participação.

Em seu despacho, Cordeiro juntou os mercados de Goiás e Distrito Federal e os analisou de forma única - como solicitaram as empresas nos autos, justificando a "integração geográfica e econômica entre as unidades". Ele considerou que as bases no DF atenderiam a clientes de GO e também de Minas Gerais. "Retirar o DF de GO, para fins de definição de mercado relevante, seria como retirar um grande município de um Estado no momento de se realizar a análise, o que não me parece adequado", afirmou Cordeiro no texto.

Para tomar essa decisão, Cordeiro se baseou em uma nota técnica do Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Cade - outro braço do órgão antitruste, independente da Superintendência. Assinado por Guilherme Mendes Resende, economista-chefe do Cade, o documento chega a dizer que os mercados examinados têm características que favorecem a coordenação entre empresas e que esse problema poderia ser aumentado após a operação. Mas, por outro lado, a nota de Resende conclui que, caso considerado o cenário somado de DF e GO para a definição de mercado relevante, "a probabilidade de coordenação é minimizada e a rivalidade, reestabelecida".

No caso do Tocantins, onde também foram apontados problemas concorrenciais, o documento de Resende afirma que as receitas geradas representariam pouco em termos percentuais. "O faturamento do mercado de TO representa 4% do faturamento total. Portanto, contornos de proporcionalidade são importantes para uma decisão final sobre a presente operação."

Além da nota técnica do DEE, Cordeiro disse que se baseou em jurisprudência no Cade, já que houve aval a casos com elevada concentração. "Uma eventual aprovação com altos níveis de concentração não seria algo inédito neste Conselho", diz ele, ao citar uma lista de cinco operações que foram liberadas com ou sem restrições.

Para tomar a decisão, Cordeiro também considerou que há "rivalidade nos mercados, possibilidade de verticalização, ausência de barreiras à entrada e o poder de barganha dos grandes clientes". Segundo ele, o caso da Transfederal é mais favorável que os casos da jurisprudência mencionada por ele, "possibilitando a aprovação sem necessidade de imposição de restrições".

Procurado, o Cade afirmou que a análise de atos de concentração passa por diferentes etapas dentro da autarquia e que "é natural haver divergências de entendimento durante o processo". "Esclarecemos, no entanto, que todos os atos processuais praticados pela Superintendência-Geral são técnicos, tendo por base apenas o mérito do caso e os ditames legais", afirmou o órgão antitruste por meio da assessoria de imprensa.

Ao decidir favoravelmente à operação, diz a autarquia, a Superintendência levou em consideração pontos "que evidenciam a ausência de preocupação concorrencial com o negócio". A autarquia afirmou que a deliberação "está de acordo com parecer do Departamento de Estudos Econômicos - unidade do Cade responsável, entre outras atribuições, por elaborar estudos para subsidiar a análise de atos de concentração - e com ampla jurisprudência do Cade".

O órgão regulador relembra que, de qualquer forma, a decisão ainda pode ser "avocada" (trazida) por algum conselheiro ao tribunal em 15 dias após a publicação no Diário Oficial da União. Nesse caso, o processo passa a ser julgado pelo colegiado do órgão antitruste. "A decisão proferida pela Superintendência-Geral não é necessariamente a decisão final da operação", resume o Cade.

Procurados pelo Valor, a Transfederal e o senador não se pronunciaram. Em nota, a Prosegur informou que "está seguindo os trâmites do órgão regulador antitruste com relação a uma possível aquisição da empresa Transfederal."