Título: O rigor das duas ministras
Autor: Luiz , Edson
Fonte: Correio Braziliense, 28/08/2012, Política, p. 2

As duas únicas representantes do sexo feminino no Supremo Tribunal Federal (STF) votaram ontem pela primeira vez no caso do mensalão. Concisas, mas incisivas, as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber rechaçaram a tese de que os recursos que circularam no esquema eram para o pagamento de caixa dois de campanha. Elas condenaram os réus incluídos no item três da denúncia — o único analisado até agora pela Corte — e sinalizaram que devem considerar culpados os outros réus que também receberam dinheiro por meio do empresário Marcos Valério.

A ministra Rosa Weber, que tomou posse no Supremo há apenas oito meses, foi a primeira a votar depois do revisor e do relator. A magistrada, ex-integrante do Tribunal Superior do Trabalho (TST), afirmou que não há necessidade de comprovação do chamado "ato de ofício" para caracterizar o crime de corrupção passiva. "Se ficar comprovado o ato de ofício, aumenta-se a pena. Mas basta que o agente público que recebe vantagem tenha o poder de praticar atos de ofício para que se possa consumar o crime", explicou a ministra.

Para derrubar a alegação de caixa dois, Rosa garantiu que "não importa o destino dado ao dinheiro, se foi gasto em despesas pessoais ou dívidas de campanha. Em qualquer hipótese, não deixa de ser vantagem indevida, como diz o tipo penal". A ministra teve apenas uma divergência com relação ao relator: das duas acusações de peculato que pesavam contra João Paulo Cunha, Rosa absolveu o deputado federal em uma delas. Segundo a Procuradoria Geral da República, o ex-presidente da Câmara dos Deputados teria contratado uma empresa especializada em assessoria de imprensa para usar os serviços em proveito próprio. Rosa Weber entendeu que o trabalho foi efetivamente prestado e que a assessoria atendia aos interesses da Casa, não apenas do parlamentar.

A ministra, entretanto, condenou João Paulo Cunha por peculato devido às supostas irregularidades no contrato da Câmara com a empresa SMP&B, de Marcos Valério. Rosa Weber considerou o parlamentar culpado pelo crime de corrupção passiva, por conta do recebimento de R$ 50 mil. Ela entendeu que esses recursos eram uma propina para João Paulo Cunha beneficiar a agência na licitação.

Além de sepultar a tese de caixa dois, a ministra Rosa Weber reafirmou alguns dos principais argumentos usados pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Em sua sustentação oral no Supremo, Gurgel justificou a dificuldade de produzir provas materiais dos crimes do mensalão com o argumento de que os delitos aconteciam "entre quatro paredes do palácio presidencial". Rosa disse que "pagamento de propina não se faz sob holofotes", e acrescentou: "Quem vivencia o ilícito procura sempre a sombra e o silêncio. Ninguém vai receber dinheiro para se corromper sem se resguardar".

Propina A ministra Cármen Lúcia falou por 25 minutos e abriu o voto analisando os indícios que a levaram a condenar João Paulo Cunha por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Ela afirmou que o fato de o parlamentar ter pedido à mulher para sacar a suposta propina demonstra que o réu não acreditava que pudesse ser flagrado. "Isso mostra a certeza de impunidade, manda-se lá um parente e nada vai ser descoberto", afirmou a ministra.

Para Cármen Lúcia, as provas são incontestáveis. "Não há indícios, mas comprovação da ocorrência do crime de corrupção passiva pelo réu João Paulo Cunha. Houve recebimento, não apenas oferta e solicitação, de R$ 50 mil. Sabia-se que era vantagem indevida." Cármen Lúcia também considerou culpados o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, o empresário Marcos Valério e dois de seus ex-sócios.

"Em qualquer hipótese, não deixa de ser vantagem indevida" Rosa Weber, ministra do STF

As próximas vagas no STF A aposentadoria do ministro Cezar Peluso abre, na próxima semana, uma vaga para a terceira nomeação da presidente Dilma Rousseff no Supremo Tribunal Federal (STF). Em um ano e oito meses de mandato, ela escolheu dois integrantes da Corte: Luiz Fux, em fevereiro de 2011, e Rosa Weber, em dezembro passado. Um dos nomes cotados é o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Em novembro, o presidente do STF, Ayres Britto, também completará 70 anos e deixará a Corte compulsoriamente. Abre-se, assim, mais uma vaga, a quarta nomeação a cargo de Dilma. Com a aposentadoria de Ayres Britto, o relator do mensalão, Joaquim Barbosa, assumirá a presidência do STF. Se o julgamento se estender, ele poderá, já na condição de presidente, proclamar o resultado.