Correio braziliense, n. 20357,  14/02/2019. Mundo, p. 12

 

Papa diz não a maduro

14/02/2019

 

 

América do sul » Em resposta ao presidente da Venezuela, que pediu a intercessão da Santa Sé na crise política, Francisco recusa o convite e lembra os compromissos descumpridos pelo regime chavista de Caracas em tentativas anteriores de mediação

Em mais uma demonstração do crescente isolamento diplomático de Nicolás Maduro, o papa Francisco foi duro ao negar o pedido do presidente da Venezuela para que fizesse a mediação da crise política no país. Por meio de uma carta, cujo teor foi revelado ontem pela imprensa italiana, o pontífice recordou que, no passado, o chavista quebrou todos os compromissos estabelecidos. Uma foto com o cabeçalho da correspondência foi publicada pelo jornal Il Corriere della Sera. Na imagem é possível ler, em espanhol, que a mensagem é dirigida a “Sua Excelência o Sr. Nicolás Maduro” — sem o título de presidente.

“Infelizmente, todas as tentativas (de mediação) foram interrompidas, porque o que foi decidido nas reuniões não foi seguido por gestos concretos para alcançar os acordos”, lamenta no texto o papa argentino, conforme o resumo apresentado pelo Corriere.

No início do mês, Maduro informou ter enviado a Francisco uma carta pedindo mediação entre o governo chavista e a oposição. Em resposta, no voo de volta da viagem que fez a Abu Dabi, o pontífice disse aos jornalistas que estava disposto a atender o pedido, mas ponderou ser “necessária a vontade de ambas as partes”.

Nos últimos dias, o presidente venezuelano tem sido alvo de críticas, dentro e fora do país, principalmente por se negar a convocar novas eleições presidenciais e por bloquear a entrada da ajuda humanitária patrocinada pelos Estados Unidos. O envio de suprimentos é articulado pelo líder opositor Juan Guaidó, chefe da Assembleia Nacional, que se autoproclamou presidente interino em 23 de janeiro. Ele conta com o reconhecimento de 50 países.

“Carta particular”

A menssagem do papa a Maduro — que, segundo o jornal italiano, foi enviada em 7 de fevereiro — não foi confirmada nem negada pelo porta-voz interino do Vaticano, Alessandro Gisotti. Ele apenas assegurou que se trata de uma “carta particular”. No texto, Francisco lembra que a Santa Sé esteve envolvida, sem sucesso, em tentativas anteriores de intercessão na crise venezuelana. Em tom elegante, ele adverte o presidente de que, embora tenha sempre apoiado o diálogo, é preciso que se tenha como objetivo, “acima tudo, o bem comum”.

De acordo com o jornal italiano, que teve acesso à íntegra da correspondência, o pontífice enfatiza que hoje, mais do que nunca, é necessário preencher todas as condições “para um diálogo frutífero e eficaz”. A essas premissas iniciais seriam acrescentadas outras medidas, ”como resultado da evolução da situação”. Entre essas condições, destaca o jornal, estão as manifestadas pela Assembleia Nacional, que exigiu de Maduro a convocação de novas eleições presidenciais.

O autor do artigo, Massimo Franco, jornalista próximo a Francisco, afirma que a carta não trata do reconhecimento ou não de Guaidó como presidente interino da Venezuela, assunto sobre o qual o papa mantém uma posição “prudente”. “Além da cautela diplomática, a opinião de Francisco e de seus conselheiros sobre Maduro é negativa”, resume Franco.

O jornalista recorda que o grande temor do primeiro papa latino-americano é de que a crise degenere em “derramamento de sangue”, como destacou na carta. Ele não exclui “estender a mão” ao líder chavista, mas avisa que “não vai se deixar ser usado pelo regime”.

Em outro desdobramento da crise, o presidente dos EUA, Donald Trump, recebeu na Casa Branca o mandatário colombiano, Iván Duque, outro ferrenho opositor de Maduro, e lamentou a “triste” situação na Venezuela. O governo americano foi o primeiro a reconhecer Guaidó como presidente interino, poucas horas antes de Brasil e Argentina seguirem o gesto.

Trump assegurou que ainda não decidiu se vai enviar tropas à região, mas reiterou que “avalia todas as opções e admite ter “um plano B, C, D, E e F” — sem acrescentar detalhes. “Vocês logo verão”, respondeu, quando perguntando sobre o uso da força. A crise venezuelana dominou a agenda de Duque aos EUA. Durante o encontro, os dois presidentes discutiram “os esforços para restaurar a democracia” no país, sacudido nas últimas semanas pela queda de braço entre Maduro e Guaidó.

Frase

“Infelizmente, todas as tentativas (de mediação) foram interrompidas, porque o que foi decidido nas reuniões não foi seguido por gestos concretos para alcançar os acordos”

Papa Francisco

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Debate na OEA

14/02/2019

 

 

O Conselho Permanente da Organização de Estados Americanos (OEA) se reúne amanhã, em caráter extraordinário, para analisar a situação na Venezuela. O encontro, convocado a pedido de nove países, inclusive o Brasil, será realizado em Washington e tem como ordem do dia “dar seguimento” à resolução aprovada em 10 de janeiro passado, pela qual o organismo regional não reconheceu a autoridade do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que iniciava naquele dia o segundo mandato. Dos 34 membros ativos da OEA, 19 votaram a favor do texto, seis contra e oito se abstiveram.

Na reunião do conselho, amanhã, novas eleições devem ser debatidas, mas o tema predominante deve ser a ajuda humanitária ao país. Além do Brasil, solicitaram o encontro Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Paraguai, Peru e Estados Unidos, segundo a presidência do conselho, atualmente ocupada pelo representante de El Salvador, Carlos Calles Castillo.

“Os representantes dos governos, do setor privado e da sociedade civil participarão da conferência e avaliarão como podem apoiar melhor o governo interino venezuelano na prestação de assistência logística e material aos venezuelanos que sofrem de escassez de alimentos e medicamentos básicos há muito tempo”, disse em comunicado a missão diplomática de Juan Guaidó, autoproclamado presidente da Venezuela em 23 de janeiro.

Ainda esta semana, o líder da oposição, reconhecido por meia centena de países como presidente interino, pedirá apoio à OEA para organizar novas eleições no país. “A observação da OEA é uma garantia. Tem um peso muito grande pelo prestígio moral da organização. Tem, além disso, a capacidade técnica para nos ajudar a montar um processo transparente”, declarou Gustavo Tarre, representante de Guaidó.

Segundo Tarre, a realização de novas eleições requer uma “absoluta” garantia de imparcialidade, o que demanda tempo. “Queremos que tudo marche o mais rápido possível, mas em um mês é impossível. Agora não temos nenhum mecanismo eleitoral que funcione porque tudo esteve absolutamente disponível para a fraude. Na Venezuela, os eleitores votam mas não elegem, e vamos mudar isso”, afirmou.