Valor econômico, v. 19, n. 4519, 07/06/2018. Brasil, p. A6

 

Diretor-geral da ANP nega interferência do governo

Cláudia Schüffner

07/06/2018

 

 

O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Oddone, afirmou que "não houve instrução, não houve ordem, nem interferência do governo" na decisão da autarquia de promover uma Tomada Pública de Contribuições (TPC) sobre a periodicidade dos reajustes dos combustíveis. "Houve sim anuência do governo, e eu quero aqui dizer que nós não iríamos causar transtorno no processo. Se o governo achasse inadequado e inoportuno nós não teríamos feito", afirmou Oddone ao Valor.

Segundo Oddone, a diretoria da ANP "estava vendo com muita preocupação" o que estava acontecendo durante a paralisação dos caminhoneiros e achou que tinha "algum papel a desempenhar nesse processo". Houve então uma discussão interna entre o sábado e domingo, e o procurador da agência reguladora sugeriu a TPC, um modelo que nunca tinha sido usado. Oddone contou que informou no domingo o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, sobre as discussões.

"Ele achou a ideia boa e nós a implementamos. Em seguida eu tinha reunião diretoria da ANP às 14h, nós aprovamos naquele momento e depois expliquei para o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia. Esse processo de discussão é um processo com a sociedade, de debate", disse.

Oddone fez questão de frisar que a intenção da agência não é interferir no percentual de reajuste dos preços de combustíveis depois que for definida uma periodicidade dos repasses para os consumidores finais, e nem criar uma fórmula como a que precifica o gás importado da Bolívia. "Elevações, reduções bruscas, suaves, permanentes, contínuas ou esporádicas serão definidas pelo mercado, pelo agente. O que estamos discutindo é a periodicidade do repasse dessas variações ao consumidor", afirma. "Não vamos interferir em preços. Isso é inquestionável, indubitável. Não está na mesa e não estará".

Segundo ele, também não será considerado sequer a possibilidade de um colchão para amortecer a volatilidade, já que se fosse esse o caso a ANP não estaria discutindo a periodicidade dos reajustes.

Segundo Oddone, os brasileiros se tornaram reféns do que afirma ser a "percepção de que a única política de preço imaginável, justa e adequada, especialmente para a Petrobras, é o reajuste diário". Mas lembra que a estatal Petrobras trabalhava até julho do ano passado com reajustes que não eram diários e critica a publicidade dada aos reajustes diários. "Não sei qual era a prática dela, ou se dizia, mas no mundo inteiro eu não vejo companhias anunciando publicamente que a política [de preços] dela é essa, e que ela faz isso todo dia. A política é dela, responsabilidade do conselho de administração e deve preservar os seus interesses econômicos e financeiros", afirma Oddone. "Agora, do meu ponto de vista, ela não precisa ficar alardeando isso todo dia".

Oddone fala com a experiência de quem comandou a Petrobras em países politicamente turbulentos em tempos conturbados. Trabalhou na Bolívia - presidiu a subsidiária da Petrobras - durante os governos de Hugo Banzer, Jorge Quiroga, Gonzalo Sanchez de Lozada, Carlos Meza, Eduardo Veltzé e Evo Morales, com quem negociou a nacionalização das refinarias quando já estava de volta ao Brasil. Na Argentina, onde presidiu a Petrobras Energía, lidou com Nestor e Cristina Kirschner e com Hugo Chavez, já que os ativos na Venezuela eram controlados de lá. Agora no governo, ele acha que a crise protagonizada pelos caminhoneiros que parou o Brasil foi criada pela Petrobras.

"O mundo ideal, e se a gente puder gostaria de estar nele o mais rápido possível, é uma situação em que não existe política de preços de ninguém", diz ele explicando que não existe uma política de preços que possa ser atribuída ao governo brasileiro. Quem tem uma política é a Petrobras, afirma Oddone, para quem ela é tão alardeada que se converte na política de preços do Brasil.

Oddone defende um mercado em que cada agente - seja a Petrobras, importadores e outros refinadores privados - pratiquem preços de acordo com suas conveniências empresariais, em um ambiente de competição. O ideal, segundo ele, é que a agência saia rapidamente do debate, que ele inclusive acha que não deveria existir e que será desnecessário quando a Petrobras concluir o plano de desinvestimento no refino.

"O preço do combustível é [reajustado] basicamente em função de câmbio e preço do petróleo. Isso é definido pelo mercado, pelas empresas e pela competição. Se tivéssemos competição não teríamos essa discussão", afirma.

Oddone se reuniu ontem com vários agentes, incluindo a Petrobras, para apresentar a visão da agência. Explicou que não recebeu sugestões ainda, e que conversou genericamente sobre ideias e conceitos, sem receber sugestões, cujo prazo começa na próxima segunda-feira.