Correio braziliense, n. 20396 , 22/03/2019. Política, p.3

Os homens de Temer

Claudia Dianni

 
 
 
Enquanto foi presidente da República, Michel Temer foi alvo de três acusações criminais. A última delas, apresentada a 12 dias do fim do mandato, pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi em consequência do inquérito dos portos, segundo o qual uma quadrilha atuava para favorecer empresas na edição de um decreto sobre o setor portuário. Em setembro de 2017, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou denúncia que acusava Temer de chefiar uma quadrilha montada entre deputados do MDB, com o objetivo de desviar dinheiro de contratos públicos. O ex-presidente comandaria um grupo chamado “PMDB da Câmara”, do qual faziam parte Geddel Vieira Lima, Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves, Moreira Franco e Eliseu Padilha.

Em outra denúncia, ele foi acusado pelo desvio de recursos recebidos por um assessor de um executivo da JBS. Em entrevista à revista Época, em junho de 2017, o empresário Joesley Batista disse que o “PMDB da Câmara” atuava como uma “quadrilha” que seria chefiada por Temer. De acordo com as denúncias, Geddel seria o “mensageiro” do presidente, com quem o empresário tratava dos interesses do frigorífico. Segundo o empresário, quando Geddel saiu do governo, em novembro de 2016, teria sido substituído, como “mensageiro”, por Rocha Loures, preso com uma mala com R$ 500 mil.

A denúncia de Janot acusava Eliseu Padilha, Moreira Franco, Geddel Vieira Lima, Henrique Alves, Eduardo Cunha e Rodrigo Rocha Loures. Geddel, que integrou o governo até novembro de 2016, foi preso pela primeira vez em julho de 2017 acusado de tentar atrapalhar as investigações da Operação Lava-Jato.

As duas últimas denúncias foram suspensas por decisão da Câmara dos Deputados, órgão responsável por decidir se autoriza ou não o Supremo Tribunal Federal (STF) a avaliar as acusações contra um presidente da República. Como não havia tempo para a Câmara decidir sobre o encaminhamento da denúncia de Dodge, ela pediu que a denúncia apresentada em dezembro fosse encaminhada a partir de 1º de janeiro para a Justiça Federal de Brasília.

O executivo Cláudio Melo, diretor de relações institucionais da Odebrecht, foi o primeiro delator a apontar, na Justiça, o grupo de deputados do “PMDB da Câmara” como uma quadrilha. Segundo o executivo, Eliseu Padilha, Moreira Franco, Eduardo Cunha e Geddel pediam dinheiro em nome de Michel Temer. Confira quem são todos os homens do ex-presidente.

Os amigos envolvidos

Moreira Franco
Considerado um dos melhores amigos de Temer, foi seu ministro das Minas e Energia e chefe da Secretaria da Presidência. Antes, foi secretário de Assuntos Estratégicos da ex-presidente Dilma Rousseff e ministro da Aviação Civil, a pedido de Temer. Franco se tornou o quinto governador do Rio de Janeiro preso nos últimos três anos. Depois da demissão, assumiu a Secretaria Executiva do Programa de Parcerias Público- Privadas, responsável pelos leilões de aeroportos para consórcios privados. Foi citado na Lava-Jato na delação de Cláudio Melo Filho, investigado por troca de mensagens com o então presidente da empreiteira, Andrade Gutierrez, na época das privatizações. Conhecido como “gato angorá” (por causa dos cabelos brancos), teve o nome citado também nas delações da Odebrecht. Foi preso na Operação Descontaminação.

Geddel Vieira Lima
Amigo do presidente, foi articulador político de peso no MDB. Cumpre pena na Papuda, em Brasília, desde setembro de 2017, por terem sido identificadas suas impressões digitais em R$ 51 milhões apreendidos em um apartamento em Salvador. Em 2017, ele teve prisão preventiva decretada por suspeitas de fraudes na Caixa, entre 2011 e 2013. Foi ministro da Secretaria de Governo de Temer, cargo que entregou no fim de 2016, quando foi acusado pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero de tê-lo pressionado para liberar uma obra no centro histórico de Salvador. Geddel foi ministro da Integração Nacional do governo Lula, entre 2007 e 2010. Em 1990, filiou-se ao então PMDB, partido pelo qual foi eleito cinco vezes deputado federal. Ele é suspeito de usar a influência política para atuar em favor de interesses da OAS na Caixa e na Secretaria de Aviação Civil e junto à prefeitura de Salvador.

Eduardo Cunha
Está preso desde outubro de 2016 e, atualmente, cumpre pena no Complexo Médico Penal de São José dos Pinhais (PR). Foi condenado, em março de 2017, pelos crimes de corrupção passiva, evasão fraudulenta de divisas e lavagem de dinheiro. As denúncias foram feitas pelo Ministério Público Federal no âmbito da Operação Lava-Jato. Foi deputado federal entre fevereiro de 2003 e setembro de 2016, quando teve o mandato cassado pelo plenário da Câmara. Presidiu a Casa de 1º de fevereiro de 2015 até renunciar ao cargo, em 7 de julho de 2016. Foi acusado de mentir na CPI da Petrobras, o que resultou no processo de cassação de seu mandato por quebra de decoro parlamentar, em setembro de 2016, e o tornou inelegível até o fim de 2026. Em maio de 2016, o STF acolheu a denúncia de Rodrigo Janot por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Henrique Eduardo Alves
Preso em junho de 2017 por causa das operações Manus e Sépsis (desvios no Fundo de Investimentos do FGTS), ficou detido na Academia de Polícia Militar, em Natal, até maio de 2018. Então, passou a responder em liberdade ao processo da operação Manus, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em investigação de desvios na construção da Arena das Dunas. Foi ministro do Turismo de abril de 2015 a março de 2016, no governo Dilma, e voltou ao cargo comTemer. Presidiu a Câmara dos Deputados de 2013 a 2015 e foi deputado federal por 11 mandatos consecutivos pelo Rio Grande do Norte. Em outubro de 2016, a Justiça Federal aceitou denúncia do MPF contra ele e Eduardo Cunha por corrupção, lavagem de dinheiro, prevaricação e violação de sigilo funcional em aportes de fundos de investimento administrados pela Caixa.

Eliseu Padilha
Foi ministro da Casa Civil de Temer e comandou a Secretaria de Aviação Civil no governo Dilma, por indicação de Temer. Em dezembro de 2015, pediu demissão um dia antes do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, acatar o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Em setembro de 2016, foi acusado pelo ex-ministro da Advocacia Geral da União Fábio Medina Osório de querer abafar a Lava-Jato. Foi citado 45 vezes nas delações premiadas de Cláudio Melo Filho, ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht. Em março de 2017, a PGR denunciou diversos políticos por envolvimento em corrupção, entre eles, Padilha. Em delação premiada, o ex-assessor de Temer, José Yunes, disse que foi orientado por Padilha a receber “documentos” em seu escritório. Foi deputado federal de 1995 a 2011. 

José Yunes
Conselheiro e amigo do ex-presidente há mais de 50 anos, o advogado e ex-assessor especial de Temer José Yunes foi preso em março de 2018. Ele teve o sigilo bancário quebrado pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso na mesma decisão em que foi decretada a quebra do sigilo de Temer no inquérito dos portos, no qual foi citado na delação do doleiro Lúcio Funaro. Yunes já se definiu como “uma espécie de psicoterapeuta político” do então presidente. O advogado de 80 anos também teria participado da elaboração da carta em que o então vice-presidente reclamava para a ainda presidente Dilma Rousseff de sua posição de “vice decorativo”. Ele foi deputado estadual por São Paulo duas vezes e deputado federal constituinte. Elegeu-se pela primeira vez em 1978, pelo MDB. O advogado é autor do livro Uma lufada que abalou São Paulo, que denunciou casos de corrupção no governo de Paulo Maluf (1979-1982).

Rodrigo Rocha Loures
O ex-deputado federal (MDB-PR) e ex-assessor parlamentar da vice-presidência da República é réu no processo de corrupção envolvendo a JBS. Em janeiro, o MPF pediu sua condenação à Justiça Federal. Ele teria recebido a mala com R$ 500 mil da JBS, como intermediário de Temer. Um vídeo registrou o momento da entrega da valise em um restaurante em São Paulo. Segundo delatores, o dinheiro era parte de um suborno que valeria por 20 anos, uma espécie de mesada para Loures e para Temer, em troca de atuação junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). O objetivo era resolver uma disputa sobre o preço do gás fornecido pela Petrobras a uma termelétrica do grupo JBS. Loures chegou a ser detido, mas ganhou o direito a prisão domiciliar. Em novembro do ano passado, a Justiça determinou a retirada da tornozeleira.

Memória

Seis ex-presidentes presos

» BRUNO SANTA RITA
ESPECIAL PARA O CORREIO

O ex-presidente da República Michel Temer é o sexto a ocupar o cargo máximo do país e ser preso. Temer e Luiz Inácio Lula da Silva são os únicos da lista que ainda estão vivos. Ao longo da história, as prisões foram feitas em contextos de perseguição política, questões ideológicas e, mais recentemente, escândalos de corrupção.

O primeiro presidente a ser preso foi o Marechal Hermes da Fonseca (gestão entre 1910 e 1914), em julho de 1922, acusado de conspiração no levante militar conhecido como a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana. Os militares estavam insatisfeitos com o governo e rejeitaram a eleição de Arthur Bernardes. Após seis meses preso, o Marechal Hermes recebeu um habeas corpus e acabou liberado. No contexto da Revolução de 1930 — movimento armado liderado pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul que deu fim à República Velha —, o ex-presidente Washington Luiz foi deposto do cargo e preso no Forte de Copacabana, em 24 de outubro do mesmo ano. Durante o governo provisório que assumiu o país, Luiz passou a viver em exílio na Europa.

Arthur Bernardes também parou atrás das grades em 1932. Após a gestão como chefe de Estado, entre 1922 e 1926, ele continuou atuando politicamente. Ao participar da Revolução Constitucionalista — que tinha como objetivo acabar com o governo provisório de Getúlio Vargas e instalar uma assembleia constituinte — foi preso e, posteriormente, exilado. Até Juscelino Kubitschek (gestão 1956 até 1961) acabou detido. Em 1968, agentes do regime militar o levaram durante cerimônia de formatura no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Após alguns dias na cadeia, ele seguiu para prisão domiciliar e depois foi liberado.

As últimas duas prisões decorrem de escândalos de corrupção. Luiz Inácio Lula da Silva teve condenação de 12 anos e um mês pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex no Guarujá. Por fim, Temer está detido preventivamente pela Operação Lava-Jato do Rio de Janeiro.

Perfil

De vice decorativo a presidente

» SIMONE KAFRUNI

Por duas vezes vice-presidente nas gestões de Dilma Rousseff, Michel Temer assumiu a presidência após o impeachment da petista em 2016. Desde 1985, é o terceiro vice-presidente membro do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) que chegou à Presidência da República sem ser eleito diretamente para o cargo. Antes, ele foi presidente da Câmara dos Deputados, deputado federal, secretário da Segurança Pública e procurador-geral do estado de São Paulo. Em 1995, Temer liderou o MDB na Câmara. Contando com o apoio do governo Fernando Henrique Cardoso, acabou eleito presidente da Câmara dos Deputados duas vezes (1997 a 2001). Em 2001, foi eleito presidente nacional do partido com quase 60% dos votos.

No segundo mandado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), novamente eleito conseguiu o cargo de presidente da Câmara (2009 a 2010). Na disputa presidencial de 2010, saiu como candidato a vice de Dilma Rousseff (PT), e saiu vitorioso. No período da pré-campanha, quando questionado como seria sua atuação, afirmou: “Serei vice nos limites da Constituição. Quando ocupo um cargo, cumpro a tarefa constitucional. Serei extremamente discreto, como convém a um vice.”

No entanto, não se satisfez com a discrição e foi considerado por si próprio e pelo partido como um “vice decorativo”, como escreveu em uma carta enviada à então presidente Dilma. No segundo, ganhou mais poder ao comandar a articulação política. Após desentendimentos públicos com a petista, assistiu ao impeachment dela, ocorrido oficialmente em 31 de agosto de 2016. Com o afastamento de Dilma antes disso, assumiu a presidência em maio daquele ano.

Em abril de 2016, houve um vazamento de áudio quando Temer já era presidente. Em 2017, tornou-se o primeiro presidente da história do Brasil a ser denunciado ao STF no exercício do mandato, por suspeita de corrupção passiva. O emedebista foi considerado o presidente mais impopular da história do país. Em 2017, bateu o recorde histórico de rejeição e, em 2018, uma pesquisa Datafolha mostrou a mais alta taxa de reprovação da história do instituto: 82% de rejeição.