Valor econômico, v. 19, n. 4517, 05/06/2018. Opinião, p. A14

 

Uma vitória do consumidor com o novo cadastro positivo

Cristiane Alkmin Schmidt

05/06/2018

 

 

Nas últimas semanas o assunto emergencial ocupou as manchetes dos principais jornais, tirando foco dos tópicos imprescindíveis para o Brasil diminuir as suas distorções. Como é ano eleitoral, é imperativo que esses temas voltem à pauta do dia. O cadastro positivo, no formato do PL 441, neste contexto, faz parte desta agenda como relevante instrumento para reduzir os juros, ampliar o crédito e diminuir a inadimplência e o sobre-endividamento. Deve, assim, ser aprimorado e, sobretudo, aprovado pelo Congresso o quanto antes.

O Sistema Financeiro é o meio mais eficiente para promover a alocação de recursos entre poupadores e investidores. Segundo Beck, Demirgüç-Kunt and Levine (2007), o volume de crédito tem correlação positiva com o crescimento do PIB; de acordo com o Banco Mundial, a relação crédito/PIB dos países desenvolvidos é muito superior à dos países em desenvolvimento; e, considerando dados do FMI, os spreads do Brasil, desde 2000, por ano, ultrapassam 35%, bem acima daqueles dos países membros da OCDE, que não alcançam 10%, ou dos países de renda baixa ou média, que não chegam a 5%.

Ou seja, o Brasil está mal na foto e no filme neste tema, o que leva a conclusão de que medidas estruturais precisam ser implementadas objetivando mudar os incentivos dos agentes econômicos, para que o spread possa diminuir e o crédito crescer, de forma permanente.

Nesta vertente, uma agenda conjunta da defesa/advocacia da concorrência e da defesa do consumidor precisa ser desenhada em prol do consumidor. Por exemplo, a necessidade de as entidades relativas a estas temáticas atuarem coordenadamente na briga por menos proteção à indústria doméstica (seja para se ter mais competição externa, seja para eliminar programas setoriais, como o Rota 2030). Chama a atenção, assim, a resistência de entidades de defesa ao consumidor com relação ao PL 441, liderada pelo deputado Celso Russomano.

O cadastro positivo é o conjunto dos registros acerca da pontualidade no pagamento dos indivíduos, contemplando informações de adimplemento e inadimplemento. Seu objetivo é discriminar o bom do mau pagador e dar uma nota para cada consumidor, permitindo que haja custos de crédito diferenciados, de acordo com o risco de cada um.

É, portanto, uma discriminação de preço eficiente, pois não piora a situação do mau pagador e melhora a do bom, fomentando, ainda, a concorrência entre os emprestadores. A ideia subjacente é dar ao emprestador, através do histórico de pagamentos, garantia para que o risco da operação diminua, uma vez que se reduz a assimetria de informação. A consequência, se aprovado o PL 441, será a ampliação da oferta de crédito e a diminuição da taxa de juros média da economia. Além disso, deve-se ter menores níveis de inadimplência e de sobre-endividamento, dada a preocupação que o consumidor passará a ter com a sua nota.

Atualmente o que existe de forma impositiva é o cadastro negativo (que consta de informações apenas de inadimplemento), que pune na sua forma máxima aquele que não pagou uma única conta, pois deixa-o sem crédito, mesmo que ele estivesse disposto a pagar uma taxa de juros mais elevada. Se aprovado o PL 441, no caso dele não pagar uma conta, a sua nota será levemente diminuída, ele não será tratado como "negativado" e seguirá a ter acesso ao crédito, ainda que mais caro, comparativamente à situação se estivesse com todas as contas em dia. Ele será, assim, menos punido. Além disso, o que é repassado para os cedentes (adquirentes da informação, como lojistas e bancos) é o histórico de inadimplência do consumidor, independente da sua autorização.

Com a aprovação do PL 441, o histórico de pagamento do consumidor não será repassado aos cedentes, exceto sob sua permissão. O que é repassado é a sua nota. Além disso, ainda que seja automática a sua participação no cadastro, ela não é impositiva como ocorre hoje, podendo o consumidor requerer a sua saída (opt out). Ademais, os consumidores que hoje não participam do mercado de crédito serão incorporados neste cadastro, pois neste inclui, além do histórico de gastos com o crédito tomado, os custos com luz, telefone etc. Logo, haverá uma bancarização de pessoas que outrora estavam excluídas do mercado de crédito, sendo benéfico para elas.

O cadastro positivo existe desde 2011, mas não como propõe o PL 441 (opt out). O atual não é automático (opt in, em que o consumidor tem que ir ao birô de crédito para pedir a sua inclusão) e, por isso, não vingou. De fato, o grau de abrangência é de apenas 5% da população. Além disso, não há garantias quanto à informação do consumidor. Pelo PL 441, este problema finda, pois haverá responsabilidade solidária e objetiva em caso de vazamento, ou seja, todos os culpados serão condenados e multados.

A experiência internacional (dados do Banco Mundial) é contundente. Os países que adotaram o cadastro positivo opt out, tiveram maior abrangência dos consumidores no mercado de crédito e menor spread (3,7%), comparativamente aos países que não adoraram (11,8%).

Relativamente ao status quo, destarte, a melhora será significativa com o PL 441, tendo a experiência internacional para corroborar esse potencial. O sistema atual é ruim, impositivo, repassa o histórico de inadimplemento sem a permissão do indivíduo, protege pouco as informações dos consumidores e não fomenta a concorrência bancária. O cadastro positivo opt out, destarte, deveria ter a permissão do Congresso para começar a valer logo. Seu texto base foi aprovado na Câmara, faltando votar os destaques, e, depois, retorna ao Senado.

Dado que o país precisa crescer, dada a falta de concorrência bancária, dado que a taxa de juros precisa diminuir e o crédito aumentar de forma sustentável e dado que os órgãos em prol do consumidor devem ter uma agenda coordenada, convoco respeitosamente os "consumeristas" a aderirem ao que poderia ser o primeiro item de uma crucial, oportuna e indispensável agenda conjunta em prol de todos os consumidores brasileiros.