Valor econômico, v. 19, n. 4522, 12/06/2018. Opinião, p. A15

 

Uma nova política de preços de combustíveis

Adilson de Oliveira

12/06/2018

 

 

Há um desânimo na economia brasileira inconsistente com a realidade. Fala-se em fim de mandato e nos empecilhos, como a atuação do Congresso Nacional e as ações dos caminhoneiros e esquece-se que o governo tem mais de meio ano até o fim do seu mandato. São 202 dias em que muito pode ser feito para diminuir o descontentamento.

Um exemplo é o dólar. Sua volatilidade causa estragos consideráveis. Nos preços dos combustíveis, dependendo do período analisado, entre um terço e metade da variação foi causada por mudanças na cotação da moeda americana. Lembrando que esse foi o estopim da greve dos caminhoneiros.

A incerteza cambial faz com que produtores agrícolas adiem decisões de plantio com receio de que comprem os insumos com o dólar valorizado e tenham que vender a produção com o real apreciado. Há mais impactos adversos no turismo, na indústria, no comércio e na imagem do governo, uma vez que a depreciação cambial é um termômetro da confiança na condução da economia.

Há também receios crescentes na sociedade de uma crise cambial, um evento recorrente na história do Brasil, com sequelas no emprego, no investimento e nas contas públicas. Essas expectativas quando exacerbadas podem se transformar numa profecia auto-realizável, algo que deve ser impedido.

As idas e vindas da cotação do dólar se deve a fatores externos, como o preço das commodities e a taxa de juros americana; entretanto, o maior responsável é interno, a política econômica em geral e mais especificamente a cambial, que é conduzida pelo Banco Central e que pode e deve ser melhorada.

A atuação da autoridade cambial se dá nas reservas e no mercado de câmbio. Desde 2012, o volume de reservas se manteve num patamar estável de US$ 370 bilhões. A concepção é de que um volume elevado e estável daria segurança ao investidor estrangeiro e dessa forma manteria suas aplicações no Brasil. O valor é considerado exagerado por analistas.

É algo que funciona bem até determinado limite. Quando é estressado, como aconteceu em 1998, se torna inoperante e as reservas se esvaziam rapidamente. Para evitar uma situação extrema, o Banco Central atua no mercado futuro de câmbio, com swaps cambiais. Essas operações têm um efeito liquido no balanço do sistema financeiro de uma venda de dólares e ao mesmo tempo mantém o total de reservas. Todavia, em um estresse implica ajustes rápidos que aumentam a dívida pública.

O estoque de reservas nesse patamar elevado corresponde a mais de 25% da dívida bruta do governo e tem um custo elevado. É dado pela diferença entre a taxa de captação do Banco Central em reais e de aplicação em dólares. Está estimado em cerca de R$ 70 bilhões este ano. Em 2017 foi superior à metade do déficit primário do governo central - Tesouro Nacional e Previdência Social somados.

O mercado de câmbio tem dois segmentos, um é o futuro, no qual atuam investidores nacionais e estrangeiros, eficiente, transparente e dinâmico. É o usado pelo Banco Central para estabilizar o câmbio. O outro, com volume menor, é o mercado à vista (spot) que é burocrático e opaco. Apesar de alguns aprimoramentos nos últimos anos, é antiquado.

A lei cambial vigente é de 1933, época em que havia uma escassez crônica de divisas. Apesar das mudanças na estrutura econômica e financeira nos últimos 85 anos, algumas restrições ainda permanecem, como a proibição de contas em dólares em bancos no Brasil.

Note-se o anacronismo da restrição. Atualmente, é possível ter uma conta em bitcoins ou outras criptomoedas e dessa forma fazer transferências de recursos para o exterior de forma rápida, com custos baixos, sem a necessidade de bancos, sem o pagamento de impostos e sem burocracia. É também incoerente, desde que declarado, a abertura de contas em divisas no exterior é permitida, mas aqui não é.

A proposta deste articulista é eliminar essa distorção permitindo contas em dólares para pessoas físicas e jurídicas em bancos no Brasil. Daria mais estabilidade ao câmbio, ganhos ao fisco e mais eficiência ao mercado de divisas.

A existência de contas em divisas em bancos locais não vai dolarizar a economia. Muitos países permitem contas em outras divisas e nem por isso têm que abandonar a moeda nacional. Para o governo, cada dólar em uma conta de um cidadão ou empresa significa uma redução da dívida bruta no mesmo montante.

Note-se que há um volume considerável de contas em dólares de empresas brasileiras no exterior, legalizadas e declaradas, apenas porque existe a proibição aqui. A autorização significaria a entrada de parte desses recursos e aumento de reservas sem custo fiscal para o governo. O custo de carregar a posição em dólares seria do titular de cada conta e não mais do governo.

Contas em divisas também implicam mais estabilidade no mercado cambial, pois a cada aumento da demanda de dólares, o ajuste se daria apenas no balanço dos bancos e não implicaria a saída ou entrada de divisas do país.

Um impacto importante no setor não financeiro é que o uso de contas em dólares permite um hedge natural para empresas que importam e exportam e até ajuda cidadãos que pretendem viajar para o exterior a fazerem poupanças em dólares e evitarem os dissabores de terem que guardar o dinheiro em espécie ou ficarem reféns de altas intempestivas da moeda americana.

O país vive um clima de incertezas exagerado. É fato que a greve dos caminhoneiros teve um impacto negativo no crescimento, na bolsa e na cotação do dólar. No último mês o saldo líquido no movimento de câmbio financeiro foi deficitário em US$ 5 bilhões. É um pessimismo que foi amenizado pelo BC na última semana.

O BC anunciou que pode usar reservas para estabilizar o câmbio. É uma atuação mais sensata, pois como é um mercado mais estreito, pode ter resultados melhores com menos recursos e riscos mais baixos. É um avanço que merece ser aplaudido. Fica a sugestão da autorização de contas em divisas aqui, que depende apenas de um normativo.