Valor econômico, v. 19, n. 4533, 27/06/2018. Brasil, p. A2

 

Posição alemã trava o acordo de livre comércio entre UE e Mercosul

Assis Moreira

27/06/2018

 

 

Terminou em desencontro completo a comissão mista econômica Brasil-Alemanha, ontem, em Colônia, sobre as perspectivas de conclusão política do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE), numa sinalização de provável novo fiasco.

O Valor apurou que, na reunião entre as delegações de autoridades dos dois governos e empresários, o Brasil reiterou que o Mercosul está pronto a concluir o acordo de comércio com a UE já em julho, enquanto a Alemanha falou em falta de tempo e mencionou o acordo com o verbo no passado.

A delegação alemã, chefiada por um dos secretários de Estado da Economia, Thomas Bareiss, mencionou que a Comissão Europeia tinha informado que negociadores do Mercosul não apareceram para um encontro recente, gerando incisiva reação brasileira.

A delegação brasileira desmentiu enfaticamente, dizendo que sequer sabia da existência da reunião mencionada por Bruxelas. A interpretação foi de que os europeus começaram a inventar desculpas para não fechar o acordo, criando já uma narrativa para jogar no bloco do Cone Sul a culpa por um eventual novo fiasco na conclusão da negociação, 20 anos depois de lançada.

Bareiss, de seu lado, argumentou que os próximos meses serão difíceis para o Brasil, com eleição em novembro, e para a Alemanha, e que outros temas tornam-se mais importantes. Mencionou que no ano que vem serão realizadas eleições europeias. Observou que alguns querem vender mais carros, outros mais produtos agrícolas e que "a coisa não é fácil".

Na outra direção, o secretário-executivo do Itamaraty, embaixador Marcos Galvão, enfatizou que o Brasil e os parceiros do Mercosul estão preparados para a conclusão política da negociação em julho. "Não achamos que o tempo esteja esgotado, ainda é possível se o outro lado tiver vontade para fazê-lo", afirmou.

"A indústria brasileira continua totalmente engajada nesse acordo, achamos que é bom para os negócios nos dois lados", afirmou Diego Bonomo, gerente-executivo de assuntos internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), refletindo a posição do setor privado.

A posição alemã deflagrou ainda mais o sinal de alerta do lado brasileiro. Se a Alemanha, que é favorável ao acordo de livre comércio, demonstra esse sentimento, é de imaginar o que acontece com a França, que nunca demonstrou entusiasmo em liberalizar, mesmo pouco, a agricultura europeia.

Outra divergência que ficou escancarada foi sobre a proposta de cota que o Mercosul ofereceu para a entrada de carros da UE. O bloco do Cone Sul aceita cortar a tarifa de importação em 50%, baixando de 35% para 17,5% dentro da cota, durante sete anos. Mas o lado europeu quer cota livre de tarifa. E a ambição é de ter cota de 40 mil carros no Brasil, pelo menos, e 20 mil para a Argentina. Essas cifras estão muito além das que vêm sendo colocadas na mesa pelo Mercosul, ainda mais diante da modéstia das concessões europeias na área agrícola, conforme fontes.

Para completar o pacote de diferenças, os organizadores alemães do Encontro Econômico Brasil-Alemanha tiveram a pouca sensibilidade de promover, como uma atividade beneficente, a venda de pedaços da rede usada no jogo em que a seleção alemã ganhou de 7 a 1 do Brasil na Copa de 2014, em Belo Horizonte. Para guardar uma recordação dessa goleada, cada pedaço de rede custava € 71.