Valor econômico, v.19 , n.4530, 22/06/2018. Opinião, p. A11
Esquerda vira à direita na imigração
Michel Bröning
22/06/2018
A esquerda tradicional europeia está ameaçada de extinção. Em menos de dois anos, os partidos social-democratas do continente sofreram derrotas históricas na França, Holanda, Alemanha e Itália. Em um continente há muito definido pela competição democrática entre partidos de centro-direita e de centro-esquerda, o colapso da esquerda pode ter consequências de longo alcance.
Muitos fatores estão por trás da queda da esquerda, entre os quais a dissolução da classe trabalhadora tradicional. Mas um dos motivos mais importantes é tão sinistro quanto simples: os eleitores europeus se opõem, cada vez mais, à imigração, e não confiam na esquerda para limitá-la.
Defrontados com um afluxo sustentado de refugiados e migrantes, preponderantemente procedentes do Oriente Médio e da África, os eleitores europeus transformaram uma série de eleições recentes em plebiscitos populares sobre a imigração.
Em abril, o premiê húngaro Viktor Orbán conquistou vitória arrasadora nas eleições após fazer uma campanha focada na "ameaça" aos "valores cristãos" supostamente representados pelos imigrantes muçulmanos. O novo governo de coalizão anti-establishment da Itália foi guindado ao poder pela boa aceitação granjeada pelo partido Liga, firmemente anti-imigração, comandado por Matteo Salvini, agora ministro do Interior e vice-premiê.
Na Eslovênia, o partido de oposição de direita do ex-premiê Janez Jansa conquistou pouco menos de 25% dos votos na eleição parlamentar deste mês, o que significa que Jansa formará o próximo governo do país. Fazendo eco ao presidente dos EUA, Donald Trump, a campanha de Jansa teve como mote a plataforma anti-imigração "Eslovênia em primeiro lugar".
Quando os populistas de direita começaram a avançar politicamente, os partidos europeus de centro-esquerda esperavam que seus tradicionais pontos fortes lhes possibilitariam fazer frente ao desafio. A fim de evitar fortalecer, involuntariamente, discursos de direita, a campanha da centro-esquerda tentou deslocar o debate público para sua zona de conforto ideológica: desemprego, desigualdade e justiça social. O Partido Social-Democrata alemão (SPD) fundamentou toda a sua campanha eleitoral de 2017 no slogan "É hora de mais justiça".
Mas uma longa sequência de derrotas dolorosas levou os partidos de centro-esquerda à simples conclusão de que eleitores primordialmente preocupados com a imigração não serão conquistados com apelos - por mais justificados que sejam - por igualdade. Em decorrência disso, os partidos de centro-esquerda de toda a Europa começaram a mudar de rumo, e os social-democratas de vários países-chave alteraram posições há muito sustentadas sobre migração.
Na Alemanha, o governo de coalizão (que abrange o SPD, a União Democrata Cristã, CDU, a agremiação filiada do CDU da Baviera, a União Social Cristã) está enredado num conflito acerbo sobre imigração que ameaça a sobrevivência da coalizão. Enquanto o SPD visa a formulação de uma solução europeia e rejeita fechar as fronteiras da Alemanha, a líder do partido, Andrea Nahles, defendeu a aceleração dos trâmites de asilo que possibilite às autoridades concluir em uma semana os pedidos de asilo originários de terceiros países seguros [definidos como os que têm sistema democrático geral e consistente]. No mês passado, Andrea lançou o debate dentro do SPD, quando, aparentemente reverberando a retórica de direita, declarou que a Alemanha "não pode aceitar a todos".
Alguns membros da liderança do SPD e de sua ala jovem ficaram revoltados. Mas Nahles reafirmou sua posição, endossando publicamente uma análise crítica formulada por um conselho de observadores independentes, sobre a derrota eleitoral do ano passado. Esse relatório identificou "a falta de uma posição social-democrata coerente" em questões de migração como um dos pontos fracos estruturais do partido.
O Partido Social-Democrata da Áustria levou além sua mudança em questões de imigração. A liderança do partido apresentou uma nova plataforma, a ser oficialmente endossada ainda neste ano, que redefine formalmente a posição do partido como "pró-integração", em contraposição a pró-migração.
Os social-democratas da Dinamarca estão um passo adiante em relação a seus colegas austríacos: nos preparativos para as eleições do ano que vem, eles adotaram um novo documento de posicionamento sobre imigração intitulado "Justo e Realista". Por meio da criação de "centros de recepção" fora da Europa para tomar decisões sobre pedidos de asilo, afirma o documento, o ingresso de migrantes na Dinamarca pode ser reduzido.
Essa posição é, em grande medida, reproduzida pelos social-democratas suecos, em sua tentativa de administrar o sólido apoio da opinião pública ao partido de extrema direita e anti-imigração Democratas da Suécia. O premiê Stefan Löfven, que está em campanha para ser reeleito em setembro, qualificou recentemente de "não sustentável" a política de imigração tradicionalmente aberta de seu país. A política proposta por ele, "Uma Política de Migração Segura para um Novo Tempo" reduzirá à metade o número de refugiados autorizados a entrar na Suécia.
As críticas chamam a atenção para um desafio fundamental. Em um nível, a mudança dos social-democratas em questões de imigração é uma reação necessária à demanda dos eleitores.
Ao mesmo tempo, uma mudança drástica demais pode ser um tiro no pé para partidos de centro-esquerda em dificuldades. Eles, sem dúvida, não podem copiar as toscas receitas nativistas da direita radical, afastando apoiadores cosmopolitas.
Em vez disso, os partidos europeus de centro-esquerda deveriam encontrar um meio-termo entre solidariedade nacional e internacional com uma estratégia tripartite, composta de limites efetivos à imigração, um foco na integração e esforços humanitários para atenuar o sofrimento humano de grande escala. Uma abordagem desse tipo evitaria a retórica incendiária e ofereceria, em seu lugar, soluções reais, inovadoras e moralmente sustentáveis que não são populistas, mas que podem, certamente, ser populares.
O premiê do Canadá, Justin Trudeau, abraçou essa abordagem, tanto quanto o presidente da França, Emmanuel Macron. Partidos de centro-esquerda em apuros de toda a Europa devem seguir seu exemplo, no reconhecimento de que esse reposicionamento talvez seja fundamental à sobrevivência política. (Tradução de Rachel Warszawski).