Valor econômico, v.19 , n.4530, 22/06/2018. Empresas, p. B2

 

Área técnica do TCU veta Decreto dos Portos

Murillo Camarotto 

22/06/2018

 

 

Parecer concluído na quarta-feira pela área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou quase todas as mudanças propostas pelo Decreto 9.048/17, que altera regras do setor portuário e que colocou o presidente Michel Temer no centro de uma investigação criminal. A análise técnica enterra qualquer chance de aplicação do decreto e, consequentemente, investimentos estimados em R$ 20 bilhões.

No relatório, ao qual o Valor teve acesso, os auditores vetam a possibilidade de os contratos de arrendamento vigentes serem adaptados ao decreto, o que abriria a possibilidade de as concessões durarem por até 70 anos. Essa é a principal inovação do decreto, que foi assinado por Temer em maio do ano passado, uma semana antes de a delação premiada da JBS vir à público com denúncias envolvendo o ato.

Para os auditores do TCU, a adaptação dos contratos não encontra qualquer respaldo na legislação e fere a isonomia do processo licitatório, já que empresas que perderam a concorrência feita no passado apresentaram propostas com base em uma duração mas curta do contrato.

Para os auditores do tribunal, a adaptação dos contratos não encontra qualquer respaldo na legislação

"Ficou demonstrado que a alteração de contratos vigentes para incorporar-lhes novas prorrogações ordinárias, ou para alongar aquelas já previstas, de maneira a aumentar o prazo máximo possível dessas avenças, é vedada de maneira absoluta pelo ordenamento jurídico, por afronta ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório e ao princípio da isonomia", diz o relatório.

Também foi barrada a hipótese de que um determinado terminal troque de endereço, ou seja, passe a ocupar outra área dentro do mesmo porto. Essa medida foi apresentada como uma maneira de organizar os portos de forma setorial, concentrando lado a lado cargas de categorias semelhantes, como acontece nos principais portos do mundo.

Para os auditores do TCU, entretanto, a mudança também não está prevista no ordenamento e, portanto, seria ilegal. "Por se tratar de instrumento inovador sustentado em um instituto jurídico novo, previsto no Decreto 9.048/2017, que extrapola os ditames legais, esvazia-se sua legitimidade como um instrumento de concretização do plano de desenvolvimento e zoneamento do porto e de gestão portuária", sustenta o relatório.

O Valor informou em maio que o governo estava negociando com o TCU uma saída honrosa para Temer no episódio, que poderia passar pelo "esvaziamento" do decreto. Isso ocorreria justamente pela invalidação das principais mudanças, mas sem carregar demais nas críticas às intenções da medida, debatida tecnicamente durante meses antes de ser oficializada.

Pela parte do governo, haveria o compromisso de declarar que as mudanças só valerão para as concessões feitas após a Nova Lei dos Portos, assinada em 2013 pela ex-presidente Dilma Rousseff. Essa previsão, que deve ser anunciada nos próximos dias, tira todos os efeitos práticos da medida.

A única concessão feita pelos técnicos do tribunal cuida da possibilidade de uma determinada empresa realizar investimentos fora de sua área de concessão. Isso poderá acontecer, por exemplo, diante da necessidade de melhoria em áreas comuns do porto, como nos acessos ou em uma dragagem.

Mesmo nesses casos, a compensação dos investimentos não serão feitos obrigatoriamente por meio do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Os auditores do TCU apontaram que há outros caminhos para viabilizar esses aportes, visto que as melhorias nas áreas comuns são financiadas com recursos da autoridade portuária.

"Caso esses investimentos sejam feitos pelos arrendatários, mediante reequilíbrio do contrato, incorre-se na possibilidade de que consumidores e usuários finais sejam duplamente onerados", explica o parecer. O órgão, então, determinou ao Ministério dos Transportes e à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que apresentem em 30 dias um plano para definir a melhor forma de regular as melhorias realizadas.

Por fim, a área técnica do tribunal também vetou o ingresso das entidades representativas do setor portuário como parte interessada no processo. As associações alegaram a possibilidade de serem lesadas em seus direitos e, por isso, pediram para participar mais ativamente do processo.

"Tendo em vista que representantes dessas associações participaram das discussões do grupo de trabalho que formulou a minuta do Decreto 9.048/2017, estando seus pontos de vista, pelo menos em certa medida, considerados nos documentos analisados, considera-se que não existe necessidade de maiores subsídios para que se forme juízo sobre o deslinde da matéria" decidiram os auditores.

O parecer da unidade foi encaminhado ao gabinete do ministro Bruno Dantas, relator do processo. Ontem, ele decidiu aceitar a participação das associação como "amicus curiae", termo jurídico designado ao ente que pode enviar sugestões e ter acesso aos autos, mas não entrar com recurso.

A tendência é de que Dantas leve o caso ao plenário para a sessão que será antecipada para terça-feira, por conta do jogo da seleção brasileira na quarta-feira.

Desde que o decreto ganhou as páginas policiais, o governo argumenta que o ato foi elaborado após amplo debate técnico e que nenhuma empresa foi beneficiada individualmente. Na época dos debates, chamou a atenção a participação ativa do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, que era assessor especial de Temer. Ele tentou, sem sucesso, incluir entre os beneficiários do texto os terminais com contratos celebrados antes de 1993, o que atenderia a Rodrimar.

Recentemente, a Polícia Federal concluiu que, de fato, a Rodrimar não foi beneficiada pelo decreto dos portos. Entendeu, no entanto, que o texto atendeu diretamente aos interesses do grupo Libra. Sócios do grupo chegaram a ser presos durante uma operação policial que atingiu pessoas próximas a Temer. Em decisão recente, o TCU determinou a relicitação da área ocupada por Libra no porto de Santos.

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Armadores criticam alta de 16,7% nas tarifas de Santos

Rodrigo Rocha 

22/06/2018

 

 

Loureiro, da Centronave: "Todo mercado esperava um reajuste de até 4% ou 5%, para acompanhar a inflação"

O aumento de 16,7% nas tarifas aplicadas no porto de Santos (SP) foi mal recebido pelos principais armadores de longo curso que atuam no Brasil. A reclamação é de que o reajuste vem muito acima da inflação do período e pode prejudicar as exportações brasileiras.

O tamanho do reajuste foi definido pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e começou a ser aplicado no dia 14 de junho. A Codesp, responsável pela administração do porto de Santos, desejava um aumento superior a 50%.

"Todo mercado esperava um reajuste de até 4% ou 5%, para acompanhar a inflação", diz Claudio Loureiro, diretor-presidente da Centronave, entidade que congrega as principais empresas de navegação de contêineres no longo curso que atuam no país. "Na verdade, não deveria ter aumento algum pelo resultado da Codesp no ano passado. Eles prestam um serviço e teriam que levar para as tarifas os ganhos de eficiência."

No ano passado, a Codesp obteve lucro líquido de R$ 44,4 milhões em 2017, revertendo o prejuízo registrado em 2016.

Para a entidade, além do reajuste acima do esperado, não há uma expectativa de que esse lucro seja revertido em melhorias no porto. Nas contas da Centronave, o reajuste levaria a uma arrecadação de R$ 400 milhões pela Codesp por ano. "Dá para fazer duas dragagens do cais por ano."

O aprofundamento do canal de navegação é uma das principais demandas dos operadores do porto de Santos. A ampliação do calado do porto abriria não apenas a possibilidade para a chegada de navios de maior capacidade de transporte, como também facilitaria a operação das atuais embarcações que atuam em Santos.

Segundo a Codesp, as tarifas anteriores estavam vigendo desde maio de 2015 e os reajustes são lineares. "O atual reajuste da tarifa do porto de Santos se justificou em virtude da correção de parte da defasagem de seus respectivos valores, tendo em vista que as últimas atualizações não a recompuseram integralmente, uma vez que estavam sem revisão desde 2005", explicou a administração portuária em nota. Procurada, a Antaq não respondeu até o fechamento desta edição.

A associação ainda estuda como reagir ao aumento de preços. Entre as alternativas estão medidas administrativas nos ministérios da Fazenda e dos Transportes, Portos e Aviação Civil, e até mesmo contestar judicialmente o reajuste.

A leitura da entidade é de que o reajuste no porto de Santos é, antes de tudo, o efeito mais duro nos armadores de um movimento de elevação das tarifas portuárias. Loureiro cita os reajustes recentes nos portos de Paranaguá (PR), Salvador e Suape (PE).

"Isso se insere num contexto de aumento dos custos que afetam a competitividade das exportações brasileiras", afirma. Ele cita as ações do governo federal para solucionar a greve dos caminhoneiros como o fim do Reintegra e o tabelamento do frete, além da reoneração da folha de pagamento para alguns setores produtivos.

Não há ainda um estudo do impacto para o custo das importações ou para as margens dos operadores, uma vez que parte dos negócios envolve contratos de médio e longo prazo. "Não questionamos a autoridade dos órgãos envolvidos, mas o impacto sobre o custo. Vemos uma situação de custo crescente, que pode resultar inclusive numa redução de volumes exportados."