Título: A cortina final do magistrado
Autor: Guimarães , Lázaro
Fonte: Correio Braziliense, 28/08/2012, Opinião, p. 15

No palco, ao fim do espetáculo, seguem os aplausos e, se a plateia pede bis, o retorno, a apoteose. Isso ocorre, por exemplo, invariavelmente, nas apresentações de Gilberto Gil com a Orquestra Sinfônica da Bahia. Na vida real do magistrado, quando chega ao apogeu de uma carreira brilhante, como a do ministro Antonio César Peluso, do Supremo Tribunal Federal, e a do desembargador Paulo Gadelha, do Tribunal Regional Federal da 5a Região, não pode ser assim. Eles completam 70 anos no início de setembro e o Poder Judiciário vai, compulsoriamente, perdê-los.

Se fossem juízes norte-americanos, serviriam ao seu país enquanto pudessem e quisessem. Teriam também a oportunidade de alcançar a condição sênior, que os beneficiaria com uma carga menor de trabalho, compensada pelo aproveitamento nas escolas da magistratura, para transferir aos novos o acervo de suas experiências. Aqui não é assim, simplesmente se fecha a cortina, até mesmo impedindo que o magistrado ultime as decisões que estão preparadas.

De César Peluso, quem melhor escreveu foi Saulo Ramos, inserindo-o, no seu romance autobiográfico, como figura central do processo que marcou a sua vida profissional. Trata-se de um juiz capaz de aliar sensibilidade, razão e consciência, como resultado, no dizer do ministro Carlos Ayres Britto, do uso equilibrado das três dimensões do cérebro: percepção, processamento racional e valoração. Juiz de direito, percorreu as diversas entrâncias do Judiciário paulista até chegar ao Tribunal de Justiça. Professor universitário, mestre e doutor, tem obra de mérito acadêmico reconhecido internacionalmente.

Paulo Gadelha, paraibano de Souza, ingressou na magistratura em vaga do quinto constitucional e incorporou ao TRF5 uma longa vivência pública, como administrador, tendo exercido o cargo de diretor do Banco do Nordeste do Brasil, de político, deputado estadual na sua terra, professor universitário, advogado e articulista, colaborador dos Diários Associados.

Na mesa do restaurante Amado, durante os almoços, toda quarta-feira, ele conta episódios de sua vida, para delícia dos colegas. Lembrava, num desses causos, da noite em que recebeu o pedido para se deslocar com urgência a Souza, pois um casal amigo da família por mais de 50 anos estava para concluir separação judicial. Mal rompera a manhã, já se achava na estrada, a tempo de irromper na sala de audiência e assistir à tentativa de conciliação. Foi então que pediu licença ao juiz e interveio, insistindo com a velha senhora que dissesse a razão da sua inquebrantável disposição de quebrar o vínculo de meio século, e ela: "É que esse homem, no ano inteiro, só tem uma ereção". O marido logo explodiu: "E essa mulher quer que seja com ela". Gadelha solicitou um intervalo, cochichou com o compadre, indicando um potente remédio que acabava de ser lançado, e a paz voltou a reinar naquela família.

Outra lembrança picante de Gadelha é a do slogan que criou diante do pedido de antigo eleitor, conhecido na cidade pelo jeito delicado de andar, e já na condição de candidato a vereador: "Vote em Bolacha, o único que não tem rabo preso". Eleição ganha, com folga.

Lúcido, expansivo, vibrante, Paulo Gadelha também está para realizar a sua última sessão na Terceira Turma, que preside, e no pleno do TRF5, onde é admirado e querido por todos os colegas, acima de tudo, como um homem do bem.

Esses dois e tantos outros exemplos de aposentadoria compulsória despida de base real, em prejuízo da sociedade, devem merecer reflexão para que se abra, já que o Congresso Nacional não consegue superar a pressão corporativista contra a chamada PEC da Bengala, uma via alternativa, permitindo-se a todo servidor público, ao completar 70 anos, optar por um abono de permanência diferenciado, que abra vaga do cargo, mas o coloque em quadro especial, com redução de carga de trabalho e aproveitamento preferencial em funções de treinamento dos recém-admitidos. É claro que, no Supremo, não pode se exceder o número de juízes da mais alta corte. Ali, a solução seria eliminar-se a regra do afastamento, adotando-se a sistemática da Constituição dos Estados Unidos da América.