Valor econômico, v. 19, n. 4534, 28/06/2018. Brasil, p. A7

 

Liminares travam 'plano B' da Eletrobras

Rodrigo Polito

Cláudia Schüffner

Camila Maia

28/06/2018

 

 

A Eletrobras, que tinha colocado em prática na manhã de ontem um plano alternativo para viabilizar a venda das distribuidoras, nem teve tempo para comemorar a solução encontrada. Horas depois, duas liminares concedidas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski atingiram em cheio os planos de privatização dessas empresas. Uma das decisões proíbe o governo de vender o controle acionário de estatais sem o aval do Congresso. A outra suspende o leilão da Ceal, distribuidora da Eletrobras que atende ao Estado de Alagoas.

A saída criada pela Eletrobras foi a de dividir o leilão das distribuidoras em dois, licitando em julho as empresas que não possuem entraves e, de setembro até o fim de ano, as subsidiárias mais problemáticas. Com as decisões de Lewandowski, a Eletrobras deverá trabalhar com a possibilidade de adiamento do leilão de julho, correndo até o risco de não conseguir privatizá-las ainda este ano.

A ideia de dividir o leilão era baseada na demora da votação do requerimento de urgência urgentíssima para o Projeto de Lei 10.332, que trata do equacionamento de pendências e de dívidas das distribuidoras da Eletrobras. Sem a votação do PL até a próxima semana, os números da Amazonas Energia e da Ceron (RO) não se tornam viáveis para a privatização. Conforme antecipado pelo Valor, o plano "B" previa leiloar em julho apenas as distribuidoras Boa Vista Energia, Cepisa (PI), Ceal (AL) e Eletroacre.

Segundo uma fonte, como o PL já tramita em regime de urgência, ele terá que ser votado até setembro. Dessa forma, seria possível leiloar a Amazonas Energia e a Ceron até o fim deste ano. Nesse caso, porém, será necessário solucionar o outro problema em aberto: o prazo para a liquidação dessas distribuidoras pela estatal. Hoje, o prazo para transferir o controle das distribuidoras termina em 31 de julho. Se isso não acontecer, essas empresas têm de ser devolvidas à União, gerando um custo da ordem de R$ 22 bilhões à Eletrobras.

Para resolver o problema, a Eletrobras convocou assembleia geral extraordinária para 30 de julho. Na pauta, está a possibilidade de adiamento, para 31 de dezembro, do prazo de transferência do controle das distribuidoras, mesmo se o projeto de lei não tiver sido votado e as empresas não tiverem sido leiloadas em julho, mas que haja perspectiva de aprovação do projeto e marcação de novos leilões até setembro.

A privatização das distribuidoras e o trâmite do PL 10.332 foram dois dos temas discutidos terça-feira pelo presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, a secretária-executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, e o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Félix, em Brasília. O Valor apurou, porém, que não houve nenhuma deliberação no encontro. O encaminhamento da solução de parte dos problemas para a privatização das distribuidoras, no entanto, caiu por terra após a concessão das liminares ontem.

Segundo fonte próxima à Eletrobras, para não prejudicar a realização do leilão ainda em julho é importante que a Advocacia-Geral da União (AGU) consiga derrubar as liminares até o fim desta semana, quando o Judiciário entra em recesso. "Embora haja juízes de plantão", completou ela. Outra fonte da área jurídica, contudo, afirmou ser pouco provável que a AGU consiga derrubar as liminares de Lewandowski.

Procurada pelo Valor, a Eletrobras informou, em nota, que "está avaliando as decisões e oportunamente prestará as informações que julgar necessárias".

Sem a privatização das distribuidoras neste ano, a orientação da assembleia da Eletrobras é pela liquidação dessas empresas, devolvendo-as para a União. Se isso de fato ocorrer, algumas fontes dizem que a Aneel deveria decretar intervenção nos ativos de distribuição desses Estados. Para outra fonte, porém, a agência não pode tomar nenhuma medida, porque essas distribuidoras não operam sob regime de concessão, mas sob prestação de serviço pela Eletrobras. "A condução do caso é do Ministério de Minas e Energia", afirmou a fonte.

Pelo lado das potenciais interessadas no leilão, o Valor apurou que o edital possui pontos que podem reduzir a atratividade do negócio. Um deles está relacionado à Boa Vista Energia.

De acordo com o edital, a privatização da Boa Vista Energia está atrelada à venda de ativos pertencentes hoje à Companhia Energética de Roraima (Cerr), que atende ao restante do Estado. O vencedor do leilão da distribuidora deverá, obrigatoriamente, comprar os ativos da Cerr, avaliados pela Aneel em R$ 296,8 milhões. Além disso, a Cerr e o governo de Roraima terão direito de modificar condições de pagamento previstas no edital, o que indica que o preço pode subir.

No caso da Amazonas Energia, uma fonte que admite o possível interesse nas distribuidoras observou que a partir de 2023 termina a neutralidade que permite à empresa receber pela Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) os valores gastos com a compra de combustíveis para geração de energia em regiões isoladas. Segundo ela, o horizonte de 2023 é pequeno e os valores são altos.

Da forma como está previsto no PL 10.332, após 2023, o novo controlador da distribuidora, principalmente da Amazonas Energia, ficará exposto a uma conta elevada de aquisição de combustíveis. O tamanho dessa exposição será decidido pela Aneel, com base no valor que ela julgar adequado. Segundo a fonte, a neutralidade após 2023 pode ser obtida por uma resolução da agência. Esse ponto é um dos principais discutidos entre os interessados e os diretores da Aneel.

"Se não resolverem isso de forma estrutural, será 'no show' [no leilão da Amazonas Energia]. Porque não estamos falando em ganhar mais dinheiro, mas em não perder dinheiro com base nisso. Tem que ser neutro. Não queremos perder, porque a perda pode ser extremamente relevante para a empresa", disse a fonte.

Outro problema, destacou a fonte, é que o edital não dá abertura para que o novo controlador aumente a base de remuneração dos ativos das distribuidoras, o que tem efeito direto nas tarifas das empresas. Na prática, uma base de remuneração de ativo menor implica tarifa mais baixa.