Valor econômico, v. 19, n. 4534, 28/06/2018. Política, p. A8

 

Partidarização do Supremo é um conceito duvidoso, diz especialista

Cristian Klein

28/06/2018

 

 

A mais nova divergência no Supremo Tribunal Federal (STF) gerou controvérsia e embate entre os ministros Edson Fachin e Dias Toffoli - o primeiro contrário e o segundo a favor da liberdade do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu - mas o resultado não é capaz de mostrar se, e em que medida, Fachin estaria isolado na Segunda Turma da Corte, que também conta com os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Essa é a opinião do especialista no STF e professor da FGV Direito Rio Ivar Hartmann, para quem ainda faltam dados mais exaustivos para afirmações que tem sido generalizadas na opinião pública. "Talvez Fachin seja voto vencido, com mais frequência ainda, nos casos fora da Lava-Jato", diz o pesquisador, coordenador do Supremo em Números.

Hartmann questiona noções como a de uma Suprema Corte dividida, partidarizada ou de que os processos da Lava-Jato estejam ameaçados por uma aliança circunstancial de ministros, como os da Segunda Turma. Lembra que a composição do colegiado mudará, quando Dias Toffoli assumir a presidência do STF, e que a "Lava-Jato não vai acabar amanhã", pois mesmo que a operação tenha suas etapas concluídas, as ações terão andamento nas instâncias inferiores até chegarem ao Supremo.

Para Hartmann, os votos dos ministros do Supremo no Brasil são muito mais difíceis de se prever e explicar do que, por exemplo, nos Estados Unidos, onde há um claro viés de acordo com que partido - se Democrata ou Republicano - indicou o magistrado à Suprema Corte. "Aqui é mais complexo, bagunçado e difícil. Veja que Gilmar Mendes foi indicado por um presidente de um partido mais à direita, o PSDB, e o Lewandowski pelo Lula, do PT, supostamente à esquerda. E em questões de crime os dois estão votando juntos", diz. Hartmann recorda ainda que Gilmar e Lewandowski já duelaram em bate-boca no plenário. "Ás vezes, esse bloco é de ocasião", afirma, reconhecendo que a percepção da maioria da população é de que a Segunda Turma está do lado dos réus da Lava-Jato.

Se a indicação presidencial não explica o comportamento dos ministros, haveria, no caso brasileiro, uma tendência de magistrados mais próximos do sistema político de defenderem autoridades acusadas na Lava-Jato? Para Hartmann, a hipótese da politização - em vez da partidarização - faz mais sentido e é uma questão interessante para ajudar a entender o votos dos ministros. O pesquisador já buscou medir essa variável por meio da presença na mídia dos ministros do STF. O levantamento mostrou que os magistrados da Corte, em regra, eram muito citados na imprensa no dia em que proferiam o voto em alguma sessão do Supremo. A exceção era o ministro Gilmar Mendes, cuja presença se dava no primeiro, no segundo, no terceiro e em vários dias depois da decisão. Eram todos casos em que Gilmar deu uma entrevista ou declaração, falando fora dos autos, o que é proibido, ressalta Hartmann.

No dia seguinte à publicação do artigo com os resultados da pesquisa, num jornal de grande circulação, Gilmar Mendes começou a usar sua conta no Twitter e, desde então, lembra o pesquisador, o ministro usa a rede social até para publicar links que remetem a entrevistas que concedeu. "É um culto à celebridade que poucas pessoas acham que é compatível com o Judiciário, e menos ainda quando é um integrante da Suprema Corte do país", diz Hartmann, para quem outros magistrados também tem problemas em seu comportamento com a opinião pública, como Sérgio Moro e Marcelo Bretas, os dois principais juízes da Lava-Jato na primeira instância.

Para além da partidarização ou da politização, há ainda uma terceira camada, a da ideologização. Hartmann destaca que ministros como Fachin e Luís Roberto Barroso se identificam como progressistas, mas nem por isso "pegam leve" com acusados da Lava-Jato ligados ao PT, cujo governo os indicou ao STF. Tradicionalmente, em Supremas Cortes de outros países, aponta o professor, ministros identificados com a direita são mais duros em questões criminais, enquanto os ligados à esquerda são mais preocupados com as garantias constitucionais dos réus, por entenderem que a desigualdade social é um fator que aumenta as chances de os pobres serem presos. "É um aparente paradoxo. Mas a leitura que faço é que esses ministros veem um subconjunto, uma elite de políticos e empresários, que historicamente nunca foram penalizados, e o mais progressista, neste caso, não é se preocupar com excesso de penalização, mas diminuir a impunidade", diz.

Para Hartmann é até possível que ministros do STF, "ainda que de modo subconsciente", sejam influenciados pela opinião pública e pelo clamor popular, especialmente na Lava-Jato. Mas em questões criminais a condenação se daria não a partir de ideologia, mas por provas. "A dualidade na Lava-Jato não é esquerda e direita. É entre população e partidos políticos, de esquerda e de direita, que infelizmente não representam a população", diz.