Valor econômico, v.19 , n.4531 , 23/06/2018. Política, p. A8

 

Réu, Aécio teve cinco encontros com Temer 

Carla Araújo 

Vandson Lima 

23/06/2018

 

 

Destinos amarrados pelas gravações, divulgadas em março de 2017, de conversas com o empresário Joesley Batista, o presidente Michel Temer (MDB) e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) tiveram cinco encontros oficiais privados desde que o tucano virou réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por conta do caso da J&F, em 17 de abril. O último deles há duas semanas. Além disso, estiveram juntos há quatro dias, em reunião fora da agenda oficial, na residência do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM).

Tanto Temer quanto Aécio estarão fora da corrida eleitoral deste ano. O presidente, inviabilizado em sua pretensão de se reeleger por força da enorme desaprovação ao seu governo - que 82% dos brasileiros consideram ruim ou péssimo, segundo o Datafolha. Já Aécio, que alcançou 51 milhões de votos na disputa presidencial em 2014, viu seu capital político derreter após a revelação das conversas em que pedia R$ 2 milhões a Joesley e não deve concorrer a cargo algum.

A intensificação das reuniões de Temer com Aécio coincidiu com uma mudança na divulgação da agenda do presidente. Desde maio, o Planalto publica apenas seus compromissos previstos para o mesmo dia, sem disponibilizar a pesquisa de encontros em datas anteriores. Questionada pelo Valor, a Secretaria de Comunicação da Presidência afirmou que os portais foram repaginados "para implementação da nova identidade padrão de comunicação digital do Poder Executivo Federal". A migração do portal, contudo, "começou a apresentar instabilidade no dia 30/05 e nossas equipes estão trabalhando para estabilizar os ambientes e corrigir as falhas no site", admitiu o órgão. "Enquanto enfrentamos problemas tecnológicos, as agendas anteriores são atendidas por demanda", esclareceu a secretaria.

O PSDB, partido de Aécio, garante que ele está totalmente afastado das costuras políticas, tanto em Minas quanto nacionalmente. Reservadamente, afirmam tucanos, pelo potencial tóxico que sua participação nos acordos teria junto à opinião pública. "Aécio está cuidando da vida dele. Não tem interesse nenhum de participar de qualquer discussão na área política", garante o articulador político da pré-campanha de Geraldo Alckmin, Marconi Perillo.

Pré-candidato da sigla, Alckmin afirmou na semana passada, em evento em Belo Horizonte, que Aécio "não está tendo protagonismo político". Pré-candidato ao governo mineiro e vice de Aécio em seu último mandato como governador, Antonio Anastasia também procurou se desvencilhar. "O candidato não é o Aécio, a campanha é de minha responsabilidade e quem irá aos debates sou eu".

Então, afinal, o que Temer e Aécio têm a tratar em tantos encontros? "O senador Aécio Neves mantém relação pessoal com o presidente da República há mais de 20 anos e, como senador, discute com o presidente periodicamente assuntos referentes à pauta do Congresso Nacional, à agenda política do país e a demandas relacionadas a Minas Gerais", diz a assessoria do senador, sem maiores detalhes.

De fato, Aécio esteve com Temer nos dias 4 e 6 de junho e, neste último dia, viu recursos de emendas que ele apresentou, que somavam R$ 10,6 milhões e eram destinadas a serviços de saúde em Minas, serem liberadas. O próprio tucano comemorou o feito em suas redes sociais.

No Senado, Aécio tem tido papel discreto. As matérias de sua autoria com encaminhamento mais avançado são um projeto que prevê maiores punições a empresas por prática de cartel, que está na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), e uma emenda constitucional, parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que explicita a possibilidade de responsabilização do Presidente da República por atos praticados em mandato anterior.

Temer e Alckmin chegaram em maio a ensaiar conversas por uma aliança, mas a resistência de Alckmin em defender o legado do governo e um mal-entendido à época esfriaram a aproximação. Alckmin ligou para Temer, no dia 3 daquele mês, para "marcar um café". A ligação virou assunto dos jornais minutos depois. Alckmin, irritado, culpou o Palácio do Planalto pelo vazamento.

Além disso, há no grupo próximo a Alckmin a desconfiança de que Temer teria mais simpatia por outra candidatura tucana à sua sucessão, do ex-prefeito de São Paulo João Doria, seu amigo de longa data, segundo declarações públicas de ambos. Neste ponto, ele e Aécio compartilhariam a preferência.

Doria, que lidera as pesquisas de intenção de voto para o governo paulista, só aceitaria a mudança caso fosse "convocado" pelo partido. Uma possível troca na cabeça de chapa do PSDB - de Alckmin por Doria - traria um benefício evidente ao MDB. Sem Doria na disputa, Paulo Skaf (MDB) é o mais bem colocado nas intenções de voto para governador de São Paulo.