Valor econômico, v. 19, n. 4534, 28/06/2018. Empresas, p. B1

 

Regulamentação deve acelerar mobilidade elétrica no Brasil

Camila Maia

Rodrigo Polito

28/06/2018

 

 

A definição de regras para a recarga de veículos elétricos no Brasil deve ser um primeiro passo para incentivar a mobilidade elétrica no país, apesar de ainda ser necessária a criação de incentivos para ampliação da frota desse tipo de veículo.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estabeleceu, na semana passada, as condições para a atividade de recarga de veículos elétricos, e decidiu por um mercado livre, sem preços definidos e não dependente do monopólio das distribuidoras de energia. O carregador dos veículos será considerado um prestador de serviço, e não venda de energia.

A avaliação das principais companhias com atuação no segmento de mobilidade elétrica é que isso vai fomentar o desenvolvimento deste mercado. "É um início para um mercado em que hoje algumas empresas já têm feito aposta, mas ainda é muito embrionário. Com a nova regra, a expectativa é que outras empresas comecem a olhar a mobilidade elétrica", disse Nuno Pinto, gerente de Marketing da EDP Energias do Brasil e um dos responsáveis pelo projeto de carregadores elétricos da companhia.

O setor de mobilidade é uma aposta das empresas do setor elétrico. "Na nossa visão, a tecnologia vai crescer e ser dominante. A dúvida é qual será a velocidade do processo", disse Renato Povia, gerente de inovação da CPFL Energia.

Empresas com atuação no setor elétrico, como distribuidoras de energia e comercializadoras, são candidatas a entrarem nesse mercado. É o caso da EDP, que já tem projeto em parceria com a BMW para a construção de uma eletrovia ligando São Paulo ao Rio de Janeiro. A Copel também está construindo uma eletrovia cruzando o Paraná, em parceria com a ABB nas primeiras estações de recarga.

Outros modelos de negócio também devem ter espaço no setor. "Postos de abastecimento, empresas de aluguel de carros, serviços, existem inúmeras possibilidades por causa da forma como foi redigida a regra", disse Gustavo Vazzoler, Gerente Regional de Marketing e Vendas de Sistemas Prediais da ABB para América Latina. O executivo prevê um grande número de startups na área de recarga de veículos elétricos.

A receita da distribuidora estará garantida pois haverá um medidor no posto de carga, explicou Danilo Leite, especialista de Estratégia e Inovação da CPFL Energia. Mesmo se a estação de recarga for um consumidor do mercado livre de energia, a distribuidora receberá pelo uso do fio. "O monopólio da distribuidora acaba aí. O posto poderá vender a energia como serviço, oferecer de graça, como quiser", disse Leite.

"Achamos a decisão da Aneel muito positiva, a regulamentação não tem barreiras e vai deixar o mercado se regular", disse Vazzoler. "O preço da energia será algo que o mercado, através da concorrência, vai definir", completou.

Para Carlo Zorzoli, presidente da Enel no Brasil, os preços serem livres coloca nas mãos dos consumidores a escolha do serviço, "estimulando a competição e o desenvolvimento do mercado."

A regulamentação definida resolve um dos obstáculos para a expansão do setor no país, possibilitando o desenvolvimento da infraestrutura de carga. Até então, as estações de carga de veículos instalados no país não podiam cobrar pela energia concedida, pela falta de regulamentação. "A infraestrutura não se capitalizava, havia receio em se instalar carregadores pois não era possível cobrar pela energia. Com a nova regulamentação, entendemos que fica livre o comércio de energia e será mais fácil para as pessoas investirem em postos de carregamento", disse Patricia Cavalcanti, Diretora de Retail na Schneider Electric Brasil.

"É mais um passo importante que o governo, particularmente a Aneel, toma de regulamentar sem extrapolar limites, deixando mais segura a decisão de investimentos futuros para a questão dos pontos de recarga", disse Thiago Sugahara, vice-presidente para veículos leves da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) e diretor de assuntos governamentais da Toyota do Brasil.

O modelo é diferente, por exemplo, do adotado em Portugal, onde a EDP atua. Segundo Pinto, lá existe um consórcio responsável pela gestão da rede de carregamentos de veículos do país. "Para ter um posto, precisa pedir à rede. No Brasil, qualquer empresa vai poder instalar um posto de carregamento, um shopping, uma distribuidora de energia", explicou o diretor da companhia portuguesa.

Resolvido o obstáculo das regras, falta tornar os veículos mais baratos no Brasil. "O que falta um pouco mais é avançar na parte da massificação da tecnologia, ou seja, tornar mais acessíveis os veículos elétricos", disse Sugahara.

Segundo o representante da ABVE e da Toyota, para garantir o acesso aos veículos elétricos, é muito importante reduzir a carga tributária que incide sobre os produtos. Essa é uma das principais bandeiras do setor. Citando números da ABVE, a Aneel estima em algumas centenas de veículos a frota de carros elétricos no país. No mundo, segundo a Agência Internacional de Energia, são 3,2 milhões de veículos.

"A expectativa da ABVE é que isso viesse através do rota 2030, mas destacando especificamente a questão do IPI. Hoje os carros elétricos e veículos híbridos pagam 25% de IPI. Veículo convencional, menos eficiente, paga 7%", disse Sugahara. "Hoje, esse é um dos pontos críticos para que essas novas tecnologias ganhem as ruas brasileiras e comecem a gerar novos modelos de negócios, como estações de recarga e outros produtos."

A mudança daria maior segurança para que as empresas invistam na tecnologia e no crescimento da "massificação" dos veículos elétricos no mercado.

Zorzoli, da Enel, destacou uma estimativa da Bloomberg New Energy Finance que aponta que em 2040 as vendas de veículos elétricos vão assumir a liderança sobre a de carros convencionais. "Este é um caminho sem volta e a Enel quer estar no centro dessas transformações", disse o executivo.