Valor econômico, v.19 , n.4536, 02/07/2018. Brasil, p. A4

 

Desemprego aumenta número de jovens que moram com os pais

Bruno Villas Bôas 

02/07/2018

 

 

Demografia Estudo mostra que, no fim de 2017, a 'geração canguru' já ultrapassava 9 milhões de pessoas

A tendência de postergar a saída da casa dos pais, a chamada "geração canguru", continuou avançando no país e atingiu seu maior nível no ano passado. De acordo com levantamento da consultoria IDados, a proporção das pessoas de 25 a 34 anos que moram com os país cresceu de 27,7% em 2016 para 28,5%, para a 9,03 milhões de pessoas. São 125 mil pessoas a mais.

Os números foram levantados a partir dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma antiga pesquisa do órgão, com diferenças de amostra da atual, apontou que o indicador era de 20% em 2002.

Segundo especialistas, o elevado nível de desemprego do país e o crescimento da informalidade podem ter incentivado ainda mais a permanência ou retorno de filhos à casa dos pais, ainda que o fator financeiro nunca tenha sido a explicação principal para o prolongamento dessa presença de jovens adultos no "ninho" familiar.

De acordo com os dados do levantamento, o nível de ocupação - proporção de empregados em relação à população - desse grupo etário que viva na casa dos pais piorou recentemente: era 67% no ano passado, abaixo do registado em 2015 (71,7%), quando a crise ainda tinha pouco impacto sobre o mercado de trabalho brasileiro.

Para a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Ana Amélia Camarano, a crise provavelmente estimulou o movimento chamado "iô-iô", uma das facetas da "geração canguru". São os jovens que saem da casa dos pais e acabam retornando a ela.

"É claro que o que estamos vivendo afeta quem tem menos experiência de mercado de trabalho, embora essas pessoas tenham em geral mais anos de estudo. Os dados, como são um retrato do momento, não detalham o movimento específico do iô-iô, mas sabemos que existe e está dentro da geração canguru", disse a pesquisadora.

O prolongamento da convivência familiar entre pais e filhos é um fenômeno que ocorre também em outros países e tem diferentes origens e explicações, como a necessidade de dedicar mais tempo aos estudos, custos habitacionais elevados nas grandes cidades, casamento e maternidade mais tardios.

De acordo com o IDados, a "geração canguru" é composta majoritariamente por homens (56%), proporção superior à representação deles no total da população (48,5%). São pessoas que tendem a ter nível de escolaridade mais alta: 37% completaram o ensino médio e outros 37% têm superior incompleto ou completo. Parte tem independência financeira, parte não.

Para Guilherme Hirata, pesquisador do IDados, os indicadores sugerem que a opção de permanecer na casa dos pais pode estar associada com o prolongamento dos estudos, diante da exigência cada vez maior do mercado de trabalho por profissionais qualificados.

"A primeira coisa que os números sugerem é que são pessoas que estão estudando por mais tempo. Elas abdicam de renda hoje para ter mais renda no futuro. As pessoas têm casado também mais tarde, o que pode influenciar esse tipo de decisão", disse ele.

Marcos de Lázaro tem 29 anos e mora na casa da mãe em Niterói, município da região metropolitana do Rio. Mestre em geografia pela Universidade Federal Fluminense, está concluindo o primeiro ano de doutorado.

"Quem quer seguir carreira acadêmica na minha área precisa desse suporte familiar, porque exige muitos anos de estudo e as bolsas oferecidas não são suficientes para se manter", disse Marcos, acrescentando que a bolsa está em torno de R$ 2,2 mil mensais, o que permite ajudar com despesas em casa.

Sua intenção é fazer um doutorado-sanduíche na França, o que pode levá-lo a morar sozinho por nove meses. "O que pretendo seguir profissionalmente depois é uma incógnita. Eu gosto da área acadêmica, mas existe esse contexto da crise. Os concursos para professores estão minguando", acrescentou.

Boa parte dessa geração está atualmente inserida no mercado. Dos 9 milhões de pessoas de 25 a 34 anos que moram na casa dos pais, 7,4 milhões (82%) integram a força de trabalho do país. Conforme o levantamento da consultoria IDados, a maior parcela (67%) desse grupo está atualmente empregada.

É o caso de Rafael Bordalo, de 31 anos. Formado em direito em 2014 e pós-graduado, ele abriu com sócios um escritório que atende a condomínios, empresas e famílias. Sua renda é suficiente para morar sozinho, mas pretende se estabelecer financeiramente antes de sair de casa.

"Eu prefiro ter uma base mais sólida, uma coisa já minha, antes de sair de casa. Não quero trabalhar como celetista. Estou seguindo nessa área agora e quero investir em outros ramos, como na área de serviços alimentícios", disse o advogado.

Rafael, que mora no bairro da Freguesia, na zona oeste do Rio, diz que seus pais o incentivam profissionalmente e que a relação dentro de casa é "mais do que tranquila". Apesar disso, estabeleceu como objetivo sair da casa dos pais dentro de um a dois anos.

"Sem esse apoio, meu caminho profissional seria mais difícil. Começar do zero é mais difícil", disse ele, que esporadicamente contribui para cobrir algum gastos dentro de casa, quando é necessário. "Claro que se tivesse tido filho, por exemplo, teria outra questão para focar e seria uma trajetória diferente."

Segundo a filósofa Tânia Zagury, professora de psicologia da educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora do livro "Encurtando a Adolescência", o adiamento da saída das casa dos pais - ou retorno ao ninho - também tem relação com fatores geracionais.

Tânia diz que os pais da geração canguru são pessoas que foram adolescentes nos anos 60 e 70, quando as liberdades eram menores, inclusive sexual. Muitos desses pais tiveram que sair de casa cedo para conquistar essa liberdade.

"A geração que conquistou essa liberdade a conferiu de mão beijada para seus filhos. Ela não repetiu o modelo, prefere que o filho durma com a namorada em casa. Não apressa a saída dos filhos, pelo contrário, estimula que estudem mais, façam mestrado, doutorado", disse.

Parte dos especialistas costuma também apontar um cunho psicológico para essa tendência de permanecer na casa dos pais, um comportamento relacionado à uma dependência emocional e a acomodação ao padrão de vida dos pais, por exemplo.