Valor econômico, v.19 , n.4512, 28/05/2018. Legislação & Tributos, p. E2
Indevida perícia prévia na recuperação judicial
Paulo Furtado de Oliveira Filho
28/05/2018
De acordo com a legislação brasileira atual, só o devedor em crise pode ajuizar o pedido de recuperação judicial. O artigo 52 da Lei nº 11.101/2005 dispõe que, estando em termos a documentação exigida no artigo 51, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial. Não foi atribuída ao juízo da recuperação, neste momento inicial, um juízo de cognição exauriente sobre o estado de crise da empresa, pois a decisão será dos credores, no momento oportuno.
No julgamento do Agravo de Instrumento nº 2184085-34.2016.8.26.0000 destacou o Tribunal de Justiça de São Paulo que, ainda que por vezes o magistrado não detenha conhecimentos técnicos suficientes para apreciar a regularidade da documentação contábil apresentada, é preciso evidências de elementos contundentes a apontar a inviabilidade da recuperação ou a utilização abusiva da benesse legal, a justificar o risco de eventual paralisação da atividade empresarial até que a perícia se realize e seja deferido o processamento da recuperação.
A excepcionalidade da perícia prévia, que decorre da preservação do papel atribuído a cada um dos sujeitos processuais, também se justifica pelos impactos negativos da utilização indiscriminada desta medida.
Muitos administradores judiciais, que deveriam estar dedicados integralmente às atividades que lhe são atribuídas por lei, como a verificação de créditos e a fiscalização de atividades do devedor, desviam-se de suas funções para oferecer seus serviços a diferentes juízos, destacando que o seu diferencial é a realização de perícia prévia. Deixam de fazer o que lhes cabe para fazerem o que não lhes compete.
Na prática, o administrador judicial tem sido nomeado para realizar seu trabalho em 5 ou 10 dias. Difícil a tarefa de apurar com segurança, em tempo tão escasso, fraudes por parte do devedor que vem a juízo pleitear a recuperação judicial. Se o objetivo é impedir pedidos fraudulentos, é preciso realizar trabalho aprofundado e que toma tempo, sob pena do trabalho técnico ser inócuo ou meramente formal.
Para alguns devedores, ainda, o custo da perícia prévia não pode ser desconsiderado, constituindo muitas vezes mais um entrave ao custoso processo de recuperação judicial. A maioria dos devedores, contudo, parece estar se conformando com a determinação da perícia prévia, evitando a interposição de recursos, para que a tão esperada decisão de deferimento do processamento ocorra o quanto antes.
Além disso, como o juiz competente é o do principal estabelecimento do devedor, ele reúne condições de deferir ou não o processamento da recuperação judicial. Em uma pequena comarca, o movimento forense revela ao magistrado a situação de crise de determinado empresário, sendo desnecessária uma constatação preliminar.
Também não se justifica uma perícia prévia em pedidos de recuperação judicial de companhias abertas, cujas demonstrações financeiras são auditadas e divulgadas periodicamente. Será necessário verificar "in loco" se a concessionária de uma rodovia precisa de recuperação se ela já manifestou o desejo de devolver a concessão, reconhecendo publicamente a crise?
Afirmar-se que a perícia prévia permite identificar com segurança que o requerente da recuperação judicial é inviável, na verdade, pode servir a diversas finalidades, até mesmo como mecanismo para evitar o aumento vertiginoso no volume de processos em períodos de crise econômica.
Empresários que deveriam ir à falência são devolvidos ao mercado, contrariando o espírito da Lei 11.101/2005: recuperar empresas viáveis e encerrar as inviáveis. Não se pode medir sucesso em processos de insolvência se são barrados os casos de falência.
Ademais, quando a perícia prévia leva o juiz a indeferir de plano o processamento do pedido, deixa de existir uma condição objetiva de punibilidade de crime falimentar. Com isso, o empresário que tentou fraudar credores, fazendo uso abusivo do pedido de recuperação judicial, não sofrerá consequências de natureza penal.
A perícia prévia não constitui mais uma fase do processo de recuperação judicial e sua utilização indiscriminada, com ares de benefício aos envolvidos e à sociedade em geral, deve ser combatida, pelos efeitos negativos acima mencionados.
Deve ser aplaudido o combatido projeto de lei que altera a Lei 11.101/2005, pois não contemplou a perícia prévia na recuperação judicial, realizada por administrador judicial, antes do deferimento do processamento do pedido.