O globo, n. 31291, 09/04/2019. Mundo, p. 24

 

Eleição em Israel

Marcelo Ninio

09/04/2019

 

 

 Recorte capturado

Pela primeira vez em uma década, Netanyahu enfrenta hoje perigo real de derrota nas urnas

Israel vai às urnas hoje ao final de uma das campanhas mais acirradas e sujas de sua História. Pela primeira vez desde que chegou ao poder, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enfrenta um desafio real à hegemonia política que exerce em Israel há mais de uma década, na qual liderou a drástica guinada do país para a direita nacionalista e ajudou a enterrar o processo de paz com os palestinos.

Nesse período, “Bibi”, como o premier é conhecido, usou sua maestria retórica para alimentar o culto à sua personalidade e a crença de que só ele pode proteger Israel de seus inimigos, principalmente o Irã. A estratégia funcionou com sucesso inegável para consolidar o apoio entre os eleitores de direita e lhe garantir três vitórias eleitorais consecutivas. Mas também exacerbou a polarização da sociedade israelense e personificou para os seus opositores o que eles veem como uma perigosa escalada antidemocrática.

O personagem cresceu tanto que a eleição de hoje é considerada por muitos analistas israelenses como um referendo sobre Netanyahu, das decisões políticas à conduta pessoal. “É Bibi contra Bibi”, escreveu no diário “Yediot Aharonot” o jornalista Nahum Barnea, um dos mais perspicazes observadores da política israelense. À fadiga provocada por dez anos no poder se uniram as denúncias do procurador-geral contra o premier por corrupção e quebra de confiança. Para seus apoiadores fiéis, ele é chamado de “mágico”. Para os opositores, um demagogo que arrisca levar o país a uma guerra civil.

—Netanyahu é um perfeito exemplo da profunda divisão que existe em Israel sobre o caráter do Estado, se deve exercer mais seu lado democrático ou mais seu lado judeu — explica a cientista política Tamar Hermann, do Instituto de Democracia de Israel.

Alianças são cruciais

Considerado até entre seus adversários um dos políticos mais hábeis que já emergiram em Israel desde sua fundação, em 1948, Netanyahu parecia ter a vitória garantida quando decidiu dissolver a Knesset (Parlamento) e antecipar a eleição, em dezembro passado. Mas o jogo mudou quando o ex-comandante do Exército Benny Gantz entrou na disputa e, em seguida, anunciou uma coalizão de centro com Yair Lapid, que ficou famoso como apresentador de TV até entrar entrar na política, em 2012.

Amparados por outros dois ex-comandantes do Exército, eles criaram o partido Azul e Branco, que nas últimas pesquisas de opinião liderava a corrida com 30 assentos no Parlamento, contra 26 do Likud (“união” em hebraico) de Netanyahu. Mesmo que chegue na frente, porém, o partido de Gantz e Lapid só chegará ao poder se conseguir montar uma coalizão de governo com ao menos 61 dos 120 deputados daKnes set. Essaéa disputa que importa, e nela Netanyahu aparece nas pesquisas com melhores chances de ficar no poder, como apoio departidos religioso sede direita.

No último dia de campanha, Netanyahu parou o principal mercado de Jerusalém, Mahane Yehuda, tradicional reduto do Likud. Cercado por dezenas de seguranças e recebido por gritos de adoração, ele subiu numa cadeira e fez o que poucos candidatos fariam na véspera de uma eleição: admitiu a derrota.

— Estamos perdendo. Se vocês não forem votar, acordaremos coma esquerda no poder — disse o premier, num esforço de última hora para energizar sua base e tentar arrancar votos dos pequenos partidos de direita.

Na sexta-feira, ele havia feito uma manobra bem mais radical, ao prometer que irá anexar os assentamentos judeus na Cisjordânia ocupada por Israel.

Se vencer hoje sua quarta eleição consecutiva, Netanyahu se tornará o primeiro-ministro com mais tempo no poder, superando o fundador de Israel, David Ben-Gurion. Seus admiradores não têm dúvidas sobre os motivos de sua longevidade no poder. Nascido em 1949, um ano após a criação de Israel, ele se destacou numa unidade de elite do Exército israelense antes de fazer carreira como diplomata e político. O inglês perfeito, a combinação entre a experiência militar e a desenvoltura na arena política encantam sua base.

— A esquerda sempre disse que o mundo se fecharia a um governo de direita, e o que vimos com Bibi? Alianças com Trump, Putin e até o seu presidente, Bolsonaro. Com Bibi, Israel passou a ser respeitado. E sem entregar um grão de areia aos palestinos — diz Assi Tsarfati, dono de uma loja de doces no mercado Mahane Yehuda.

Denúncias rondam

Enquanto os adeptos de Netanyahu desdenham das denúncias de corrupção contra ele, há quem aposte que elas levarão aseu indiciamento, ou até à prisão. Mesmo que ele passe pelo teste das urnas, “será um governo curto”, porque o premier terá que deixar o poder para se defender na Justiça, prevê o analista Akiva Eldar, do site Al-Monitor.

Entre as maiores preocupações dos que se opõem a Netanyahu está sua retórica explosiva contra pilares da democracia, como a Justiça e a imprensa. Dani Daniely faz parte de um grupo que há dois anos participa de manifestações semanais contra Bibi numa praça em Jerusalém, a poucos metros da residência oficial do primeiro-ministro.

— É muito simples: se ele ficar no poder, temo pela democracia israelense — diz.