O globo, n. 31290, 08/04/2019. País, p. 6

 

‘Se governo falhar, conta irá para Forças Armadas’

Paola de Orte

08/04/2019

 

 

Em evento nos EUA, vice-presidente Hamilton Mourão afirma que governo ‘não tem varinha de condão’ e que queda na popularidade de Bolsonaro se deve a uma ‘ansiedade muito grande’ por parte da sociedade brasileira

O vice-presidente HamiltonMourão disse ontem, em evento nos Estados Unidos, que se o governo “falhar, errar demais, essa conta irá para as Forças Armadas”. Por isso, segundo ele, logo após as eleições, conversou com o presidente Jair Bolsonaro sobre a responsabilidade de recolocar os militares no centro do poder. Na ocasião, o presidente teria dito que “nós não podemos errar”.

— Se o nosso governo falhar, errar demais, porque todo mundo erra, mas se errar demais, não entregar o que está prometendo, essa conta irá para as Forças Armadas. Daí a nossa extrema preocupação —disse Mourão.

Em discurso que encerrou o Brazil Conference, evento organizado por estudantes brasileiros das universidades de Harvard e do MIT, Mourão avaliou que a queda na popularidade de Bolsonaro, mostrada pelo instituto Datafolha, se explica por várias razões que vão além da atuação do governo, entre as quais “uma ansiedade muito grande por parte da nossa sociedade no Brasil”.

O vice-presidente disse que o Executivo não tem “uma varinha de condão”. Na pesquisa, o Datafolha mostra que Bolsonaro tem a pior avaliação após três meses de gestão entre os presidentes eleitos para um primeiro mandato desde a redemocratização.

— Tem gente que quer que agente acelere as coisas. Mas todos têm que entender uma coisa: o Executivo não tem umav arinha de condão. Seria ótimo,né ?“Pimpim pim”. O presidente Fernando Henrique passou oito anos neste luta, sabe disso—disse.

Entre as dificuldades que o Executivo enfrenta, segundo ele, está a relação com o Congresso. Para Mourão, resolver essas questões “leva algum tempo”.

— Estamos vivendo a crise do problema de desemprego muito grande. Uma coisa que sempre me angustia também é quando eu vejo que a juventude no Brasil ou quer fazer um concurso público ou quer sair do país. Alguma coisa está errada. Essa ansiedade, ela se traduz, né? “Pô, esse pessoal não ia fazer tudo? O que eles estão fazendo?”. Então, vejo naturalmente essa queda inicial de popularidade.

'Fui eleito. Geisel, não'

Na primeira fila, assistindo ao discurso de Mourão, estavam Fernando Henrique Cardoso, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, e os governadores do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e de Minas Gerais, Romeu Zema.

Mourão disse ainda que a diferença entre a participação das Forças Armadas na política hoje em relação à época da ditadura — sobretudo durante o período do governo de Ernesto Geisel, que promoveu a abertura para recolocar os civis no poder —é que ele e Bolsonaro foram eleitos.

— O Geisel não foi eleito, eu fui — declarou Mourão, que é general da reserva.

Depois de fazer a declaração sobre Geisel, Mourão foi ovacionado pela plateia. Alguns participantes chegaram a aplaudi-lo de pé. Em meio aos aplausos, um manifestante entrou no auditório e gritou “ditadura nunca mais!”. Ele foi retirado da sala por seguranças.

Mourão também comentou a criseno Ministério da Educação. O vice confirmou que o presidente Jair Bolsonaro vai anunciar sua decisão sobre a pasta hoje.

— Não vou negar nada aqui, porque aqui nós estamos num ambiente que eu considero da sinceridade. Nós estamos com um problema no Ministério da Educação —disse Mourão, que foi aplaudido pela plateia depois da afirmação e concluiu, recebendo mais aplausos: —O presidente vai tomar uma decisão a esse respeito amanhã (hoje). Ele já definiu.

Comandado por Ricardo Vélez,o Ministério da Educaçãop assapo rum acrise que inclui polêmicas e uma série de demissões de pessoas próximas ao próprio ministro e ao escritor Olavo de Carvalho.

Na sexta-feira, Bolsonaro declarou que “está bastante claro que não está dando certo o ministro Vélez”, e acrescentou que o assunto seria resolvido nesta segunda-feira.