Correio braziliense, n. 20362, 19/02/2019. Política, p. 3

 

Fim de uma queda anunciada

Rodolfo Costa

Paulo Silva Pinto

19/02/2019

 

 

Executivo » A esperada exoneração de Gustavo Bebianno só ocorreu no fim do dia. O presidente Jair Bolsonaro divulgou um vídeo em que agradece o trabalho do ex-presidente do PSL, a fim de evitar atritos com correligionários e fogo amigo do ex-ministro

Gustavo Bebianno acordou ontem sabendo que seria demitido do cargo de ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República. Assim como o colombiano Gabriel Garcia Marquez revela o destino de Santiago Nasar na primeira frase de Crônica de uma morte anunciada, o Planalto emitiu sinais do desfecho da novela ainda na semana passada. O Brasil esperava, portanto, logo ao despertar, encontrar a exoneração inscrita no Diário Oficial da União. Mas ela não estava lá. Em vez disso, o órgão oficial do governo registrava atos assinados pelo próprio ministro, um sinal de que o poder da caneta não lhe havia sido tirado.

Só às 19h24, o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, entra no Salão Leste do Planalto e lê um texto em menos de um minuto. Bebianno está exonerado, e o presidente Jair Bolsonaro “agradece sua dedicação à frente da pasta”. As razões para a demissão são “de foro íntimo do presidente”. E o cargo será agora ocupado em definitivo pelo secretário executivo da pasta, general Floriano Peixoto, o oitavo militar nomeado para um ministério.

Bebianno é alvo de acusações de supostas irregularidades nas campanhas eleitorais do PSL quando ele era presidente do partido. A situação virou crise quando o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, chamou Bebianno de mentiroso, declaração confirmada pelo chefe do Executivo. Questionado sobre “laranjas” do PSL, Rêgo Barros deu uma resposta evasiva. “O nosso presidente demandou o tempo necessário para a concepção da sua decisão em função de vários atores, de várias ações, e é natural que, pensando em nosso país, isso se faça de forma mais consensual e, ao mesmo tempo, mais maturada possível”.

O clima no centro do Executivo era pesado durante a segunda-feira. Entre reuniões a portas fechadas e a promessa de silêncio sobre o tema, assessores e ministros se enclausuraram para dar celeridade ao assunto. A ideia era reduzir a crise que marcou o 49º dia de governo. Para virar a página, Bolsonaro se cercou de uma força-tarefa que envolveu a participação da cúpula do Planalto: o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni; o da Secretaria de Governo, Santos Cruz; e o do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno. Estiveram presentes ainda os ministros da Defesa, Fernando Azevedo, e de Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), e o subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência também estiveram reunidos com Bolsonaro ao longo do dia. Na penúltima reunião do dia, antes de abandonar o Planalto, às 18h58, o presidente se encontrou a sós com o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), seu filho mais velho. No último encontro do dia, juntaram-se ao parlamentar Onyx, responsável pela articulação política, e Heleno, responsável pela prevenção e articulação do gerenciamento de crises da Presidência.

Ao todo, foram nove reuniões. Em cada uma delas, Bolsonaro buscou aconselhamentos e até pareceres técnicos sobre a decisão. A ideia era debater e exaurir todas as possibilidades envolvendo a demissão de Bebianno. Transferi-lo para a embaixada de Roma foi uma situação cogitada, mas descartada pela relutância do agora ex-ministro em aceitar outro posto. A conclusão era de que, para evitar um desconforto maior, o presidente necessitaria fazer agradecimentos e elogios formais ao ministro, ainda que não fosse pessoalmente. Assim foi feito.

Explicação nas redes

Em vídeo divulgado por seu perfil pessoal no Twitter, Bolsonaro declarou que, desde a última semana, “diferentes pontos de vista” sobre questões relevantes trouxeram a “necessidade de uma reavaliação” sobre a permanência ou saída de Bebianno do posto. Reconheceu ainda que “pode ter havido incompreensões e questões mal-entendidas de parte a parte”, não sendo, segundo o presidente, adequados pré-julgamentos de qualquer natureza. O chefe do Executivo reconheceu a dedicação e comprometimento do ministro exonerado à frente da coordenação da campanha eleitoral e na Secretaria-Geral, desejando sucesso na “nova jornada”.

O recado tem por objetivo evitar novos atritos e fogo amigo de Bebianno. Entre sábado e domingo, fez duras críticas a Bolsonaro em confissão a amigos próximos. As declarações vieram à tona pela imprensa e mostraram uma clara insatisfação do ministro. Chegou a pedir desculpas ao país por viabilizar a candidatura do presidente, avaliando-o como “fraco”. Mesmo assim, ele enfrentará um clima tenso amanhã, em reunião com a bancada do PSL na Câmara, em café da manhã no Palácio da Alvorada. Correligionários de Bolsonaro criticam o mau relacionamento entre governo e o partido. Bebianno, ex-presidente do PSL, era quem se oferecia como um canal de articulação com os deputados.

Com a saída do ministro, os deputados temem pelo fortalecimento de Onyx, desafeto do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e de correligionários do presidente. O deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) questiona a articulação feita pelo ministro e critica o relacionamento dado pelo chefe da Casa Civil à bancada do PSL. “Não estamos sendo bem tratados. Se tem alguma interlocução que vai bem é com o DEM”, declarou.

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Mercado em dia irritado

Gabriel Ponte

19/02/2019

 

 

No primeiro pregão da semana, os investidores acompanharam, com cautela, os desdobramentos da polêmica que tomou conta do Palácio do Planalto na semana passada envolvendo o Secretário Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, e o vereador carioca Carlos Bolsonaro. Diante do quadro incerto acerca da exoneração, os donos do dinheiro decidiram por embolsar ganhos na sessão de negócios locais, em um dia no qual as bolsas norte-americanas estiveram fechadas, em decorrência de feriado.

Com isso, em meio à baixa liquidez no mercado mundial, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), encerrou o pregão em queda de 1,04%, aos 96.509 pontos. De acordo com Daniel Xavier, economista-chefe da DMI Group, diante de uma semana com agenda promissora, mas com dia esvaziado — a exoneração de Bebianno só saiu no início da noite —, a conjuntura política assumiu destaque. “O pregão refletiu a incerteza na esfera política, acompanhando o ambiente em que vai ser posto a reforma da Previdência, em uma semana de agenda econômica construtiva”, analisou.

Para ele, o operador se preocupa com os trâmites da reforma da Previdência, diante de eventuais reflexos da crise envolvendo Bebianno. “O investidor receia que a polêmica afete o andamento das reformas econômicas, principalmente a previdenciária, no Congresso, com uma eventual perda de popularidade do presidente, além do apoio político”, explicou. Segundo ele, entra em questão também o efeito fiscal da reforma da Previdência.

Ainda ontem, Leonardo Porto, economista-chefe do Citi Bank no Brasil, revelou que o banco calcula uma economia, por 10 anos, de R$ 500 milhões com a aprovação da reforma, valor inferior ao calculado pela equipe econômica, de R$ 1 trilhão no período. Já na visão de Jefferson Laatus, sócio da Laatus Educacional, os investidores esperavam acordar, ontem, com a notícia da exoneração de Bebianno no Diário Oficial da União (DOU). “O Brasil teve um pregão próprio, não acompanhando as bolsas asiáticas e europeias. Os investidores precificaram, por exemplo, a não exoneração de Bebianno no DOU até o encerramento dos negócios, o que os irritou. O governo deixa um problema, em teoria pequeno, se tornar protagonista, e o mercado precificou isso”.