Correio braziliense, n. 20363, 20/02/2019. , p. 2

 

Estratégia para a dupla aprovação

Rodolfo Costa

Leo Cavalcanti

20/02/2019

 

 

Governo » Articulação que envolve Sérgio Moro e Onyx Lorenzoni faz parte do trabalho para que a reforma da Previdência passe sem problemas pelo Parlamento. Fatiamento do pacote anticrime também integra a engenharia para os dois projetos serem aceitos

O encaminhamento da reforma da Previdência ao Congresso Nacional marca, hoje, o início da verdadeira prova de fogo da gestão de Jair Bolsonaro (PSL). A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) junta-se ao pacote de medidas anticrime apresentado ontem no Parlamento pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. São as duas prioridades neste início de governo. Para começar, de fato, a interlocução com os parlamentares, a articulação política do Palácio do Planalto desmembrou a proposta de Moro em três projetos (veja quadro abaixo). Entre elogios de aliados e críticas da oposição, a medida traz, agora, incertezas sobre a tramitação das atualizações sugeridas às regras de aposentadoria e na área de segurança pública.

Dar encaminhamento simultâneo à PEC da Previdência e aos três projetos que compõem o pacote de Moro é inviável. O ministro avalia que a tramitação dos textos não atrapalha o andamento da reforma. Contudo, a articulação do governo alerta que é impossível ter foco absoluto nas quatro matérias ao mesmo tempo. Por esse motivo, traçou com líderes partidários os passos prioritários. É aí que se explica o próprio fatiamento das medidas anticrime. Hoje, na Câmara, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, dá continuidade às interlocuções para tratar sobre as diretrizes.

A reforma da Previdência é, inegavelmente, a prioridade do governo. O Planalto, porém, ainda não tem apoio suficiente para aprovar as mudanças. Nas contas do vice-presidente, Hamilton Mourão, a base de apoio conta com 250 votos. Faltariam pelo menos 60 votos. No entanto, aprovar a PEC com um apoio limite, de 308 votos, é algo que a articulação política não deseja. Por isso, a Casa Civil ainda trabalha para convencer pelo menos 70 deputados a votarem a favor da proposta. Não significa, entretanto, que as demais tramitações ficarão paralisadas.

Enquanto a interlocução governista trabalha para ampliar a base, a ideia é de que os projetos de Moro sejam discutidos. É o trunfo do governo para justificar o desmembramento do pacote do ministro da Justiça. A Casa Civil foi alertada que o encaminhamento de um texto único, com a inclusão da matéria que tipifica e criminaliza a prática de caixa 2, sofreria resistência. Iria, assim, impor dificuldades ao governo em induzir os deputados a se concentrarem no pacote anticrime, enquanto levanta votos para a Previdência.

Em 2016, a Câmara aprovou uma proposta nesse sentido, mas o projeto se encontra parado no Senado. Moro admitiu que o governo ouviu “reclamações razoáveis” por parte de “alguns agentes políticos”. Parlamentares argumentaram ao governo que caixa 2 é um “crime grave, mas que não tem a mesma gravidade que a corrupção, crime organizado e crimes violentos”. “Então, acabamos optando por colocar a criminalização (do caixa 2) em um projeto à parte, mas que está sendo encaminhado ao mesmo momento”, disse.

O desmembramento do pacote anticrime de Moro pode, assim, facilitar a tramitação do projeto que propõe endurecer penas a crimes de corrupção, crimes violentos, e o crime organizado, avalia o líder do PR na Câmara, José Rocha (BA). O deputado alerta, contudo, que a forma como os projetos vão tramitar ainda não está definida. O caminho dependerá do que for deliberado pelo colegiado de líderes.

Além do projeto que tipifica e criminaliza o caixa 2, Moro entregou ontem um projeto que tira da competência de tribunais eleitorais o julgamento de crimes comuns com conexão a crimes eleitorais, levando-os às cortes comuns. A outra proposta é a mais ampla, que estabelece condenação após a prisão em segunda instância e endurece penas a condenados por crimes de corrupção, violentos ou associados à organizações criminosas.

Dificuldades

A estratégia do governo precisará ser muito bem-articulada pelo governo para não se desgastar e correr o risco de paralisar uma das reformas, alerta o cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria Parlamentar. “Tratar dois temas polêmicos simultaneamente pode fazer respingar um no outro. Fatiar é uma forma de diminuir o desgaste com a Previdência”, destacou.

Um dos registros sobre a dificuldade de tramitação de projetos distintos ocorreu no governo Fernando Henrique Cardoso, que levou a discussão da proposta da reeleição em meio à tramitação da reforma da Previdência. A atualização das regras previdenciárias na gestão tucana acabou desfigurada, lembra o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da Arko Advice. “Por mais que se possa olhar para o passado, a reeleição era um projeto pessoal do ex-presidente”, destacou. “Agora, é diferente. Os dois projetos têm apelo popular”, acrescentou.

Pontapé inicial

As reformas da Previdência e da Segurança Pública dão a verdadeira largada do governo no Congresso

Segurança

Ontem, o ministro Sérgio Moro apresentou três projetos de lei que integram o chamado pacote anticrime. Um dos textos tipifica e criminaliza a prática de caixa 2. Outro estabelece que crimes comuns com conexão a crimes eleitorais sejam julgados na Justiça comum. O último trata sobre uma extensa lista de dispositivos que alteram artigos em 14 legislações. Entre as mudanças estão previstas:

» Prisão após condenação em segunda instância

» Cumprimento em regime fechado para condenados por corrupção

» Tipificação e endurecimento de penas a organizações criminosas

» Endurecimento na progressão de regime para condenados por crimes hediondos

» Isenção ou diminuição de pena para crimes em situação de legítima defesa

Previdência

» A proposta de atualização das regras de aposentadoria será apresentada hoje. Será feito por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que exige 308 votos favoráveis de deputados. O texto estabelece regra de idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, em um período de transição de 12 anos para mulheres e 10 anos para homens.

» A equipe econômica calcula que a aprovação da matéria pode gerar uma economia de R$ 1,1 trilhão no período.

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Recado da Câmara

20/02/2019

 

 

A Câmara deu, ontem, o recado do que acontecerá se o governo não promover uma articulação política eficaz. Por 367 votos a favor, 57 contrários e três abstenções, os deputados aprovaram um projeto que suspende os efeitos do decreto presidencial que permite a servidores comissionados e dirigentes de autarquias e estatais a impor sigilo a dados públicos.

Na Câmara, o discurso é de que era uma derrota mais do que anunciada. A articulação política do Palácio do Planalto já vinha desagradando a aliados. Nem Casa Civil, nem o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), conseguiram construir um canal eficaz de interlocução. Com a crise envolvendo o ex-ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, a crítica de deputados é que o governo focou mais em como solucionar o impasse e deixou de lado o diálogo com os parlamentares.

A derrota não foi à toa. Um interlocutor do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), diz que foi um recado premeditado pelo demista ao governo, a ponto de ter se empenhado em colocar o texto em votação. Os deputados não apenas aprovaram o regime de urgência como votaram em seguida a matéria. Um troco para a demissão de Bebianno e a forma como o governo lidou com o ex-ministro, que era o principal interlocutor do Planalto com Maia.

Nem mesmo a bancada do PSL se uniu para evitar a derrota. O presidente nacional do partido, o deputado Luciano Bivar (PE), votou contra o governo, ou seja, pelo sim à queda do decreto presidencial. O texto, agora, se encaminha para o Senado, onde o governo espera evitar outra derrota. A fim de fortalecer a base, o Planalto definiu o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) como líder do governo na Casa.

Na tentativa de solidificar a base no Congresso, a decisão do governo desagradou a parlamentares ligados ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Articuladores da Casa Civil, no entanto, minimizam. A explicação é de que Bezerra é próximo do senador Renan Calheiros (MDB-AL), o que facilita o processo de pacificar a relação com o Senado depois das eleições na Casa. (RC e Rosana Hessel)