Correio braziliense, n. 20363, 20/02/2019. Política, p. 2

 

Com dinheiro lavado e seco

Vera Batista

Marina Torres

20/02/2019

 

 

Operação Lava-jato » Polícia Federal descobre bunker de operador financeiro do PSDB. Lá, ele “dava banho de sol” em cerca de R$ 100 milhões para evitar bolor

Dois importantes filiados do PSDB foram os principais alvos da 60ª fase da Operação Lava-Jato. Um deles é Paulo Vieira de Souza — conhecido como Paulo Preto —, operador financeiro do partido, é a peça-chave de um complexo e sofisticado esquema de lavagem de dinheiro de cerca de R$ 100 milhões em favor da Odebrecht, para futuros benefícios em eleições. Nesta fase, chamada de Ad Infinitum, ele acabou preso em São Paulo e levado para a Superintendência da Polícia Federal. O outro é o ex-senador pelo PSDB Aloysio Nunes Ferreira Filho, suspeito de receber propina da construtora e que teve endereços vasculhados por agentes da PF. O que mais surpreendeu foi a quantia e como era guardado o dinheiro por Paulo Preto, ex-diretor da Dersa, empresa de rodovias de São Paulo.

Assim funcionava o esquema: Paulo Preto mandava o dinheiro guardado em apartamentos para o doleiro Adir Assad, a fim de pagar propinas de acordo com ordens da Odebrecht. Assad enviava os valores para Álvaro Novis. Esse operador fazia as quantias chegarem aos destinatários, entre eles, funcionários de alto escalão da Petrobras (essa ligação com a empresa petrolífera fez a força-tarefa investigar o caso). Em esquema semelhante, para o dinheiro seguir a uma conta de Paulo Preto no exterior, a Odebrecht tinha como emissário Rogério Taclan Duran. Numa transação em novembro de 2007, a construtora passou 275 mil dólares para uma conta de Paulo na Suíça. Um mês depois, Paulo gerou um cartão de crédito em nome de Aloysio Nunes, que nega ter recebido o bem.

Os bunkers onde o dinheiro estavam eram semelhantes ao de Geddel Vieira Lima, pego com R$ 51 milhões. Segundo o procurador da República Roberson Pozzobon, como um dos apartamentos tinha cômodos muito úmidos, Paulo colocava as notas para “tomar sol para que não embolorassem”. A retirada dos valores ocorreu com o uso de diversas vans. Um dos locais foi revelado pelo doleiro Adir Assad, em delação premiada. “O escárnio era tão grande que Assad não conseguiu buscar todos os valores por si; então, mandou emissários buscarem dinheiro nesse endereço de Paulo Preto”, disse Pozzobon.

Mais envolvidos

Por isso, foram bloqueados ativos financeiros de Rodrigo Tacla Duran, Adir Assad e Álvaro Novis, que se se relacionaram com Paulo de 2007 a 2017. A partir do segundo semestre de 2010, de acordo com o Ministério Público, Paulo Preto entregou R$ 100 milhões em espécie a Adir Assad no Brasil. Assad repassou os valores ao Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, aos cuidados do doleiro Álvaro Novis, que pagava as propinas, a mando da empresa, a agentes públicos e políticos. No exterior, a transações nas contas de Preto na Suíça superavam R$ 130 milhões no início de 2017, informou o Ministério Público Federal no Paraná.

Com dinheiro, a Odebrecht pagou os executivos da Petrobras Djalma Rodrigues, Maurício Guedes, Roberto Gonçalves, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Sérgio Machado. Em seguida, transferiu milhões de dólares para o doleiro Rodrigo Tacla Duran no exterior. Este, após descontar as comissões dele e de Assad pela lavagem, fez movimentações para Paulo Preto. Nesse intrincado jogo de relações, foram detectadas transações ilícitas entre os investigados pela PF e pelo MPF.

“A apuração identificou que, no mês seguinte, a partir da referida conta de Paulo Preto, foi solicitada a emissão de cartão de crédito, vinculado à sua conta, em favor de Aloysio Nunes Ferreira Filho. O banco foi orientado a entregar o cartão no Hotel Majestic Barcelona, na Espanha, para Aloysio Nunes Ferreira Filho, que estaria hospedado no hotel entre 24 de dezembro de 2007 e 29 de dezembro de 2007”, aponta o procurador.

De acordo com Pozzobon, o Setor de Operações Estruturadas da Odebrechet teve aumento na demanda em 2010. “A Odebrecht buscava novos operadores financeiros porque havia uma demanda muito grande por propinas, por ser um ano eleitoral”, afirmou. A investigação revelou também depósitos em 2008, das empresas Andrade Gutierrez e Camargo Correa, na conta de Paulo Preto na Suíça, no valor de US$ 1 milhão.

A força-tarefa da Lava-Jato no Paraná se concentrou na atuação de Paulo Preto como operador financeiro na cadeia de lavagem de dinheiro em favor da Odebrecht. Mas Preto foi diretor da Dersa. Preso em maio e em abril de 2018, foi libertado, nas duas ocasiões, pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Usa tornozeleira eletrônica após decisão da Segunda Turma do STF e é suspeito de participar de desvios de dinheiro nos governos do PSDB em São Paulo entre 2009 e 2011, de José Serra e Geraldo Alckmin.

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Aloysio Nunes pede demissão

20/02/2019

 

 

O ex-senador Aloysio Nunes Ferreira Filho negou ter recebido o cartão de crédito ou ter sido beneficiado por qualquer esquema de corrupção. Alegou ainda que não teve acesso ao processo que o incrimina. Na tarde de ontem, ele, que também foi chanceler no governo de Michel Temer, pediu demissão da empresa InvestSP, agência de investimento da qual era presidente. Em um dos trechos de mensagem enviada ao governador João Doria (PSDB), ele afirma que foi “surpreendido por uma diligência da PF” em casa.

“Nessas circunstâncias, imperativos de ordem pública e de ordem privada recomendam que V. Exa. me dispense da função de presidente da InvestSP para a qual fui honrado com sua designação”, ressalta. Ricardo Caldas, cientista político e professor da Universidade de Brasília, crê que a operação Lava-Jato tem seguido linhas favoráveis para a investigação. “Estão fazendo de uma maneira apartidária. Já foram investigados diversos partidos. Claro que os detalhes técnicos são desconhecidos ainda, porque a fase mal começou, mas eu acredito nisso”.

Cássio Thyone, do Conselho do Fórum de Segurança Pública, disse que a Operação é um marco nas investigações no país: “Pode haver, pontualmente, algumas críticas, mas é um sinal de que algo está realmente sendo feito contra a corrupção no Brasil. Não acredito que a corrupção no país tenha um viés político, não está distribuída em um cabo de guerra ideológico. É uma questão de ética, uma questão humana e cultural”. Sobre a investigação, o PSDB divulgou que “a Executiva Nacional não foi informada sobre os detalhes do caso, mas reitera seu apoio e confiança na justiça brasileira, em vista dos esclarecimentos prestados pelo ex-senador Aloysio Nunes”. Até o fechamento desta edição, não conseguimos contato com a assessoria da Investe SP.

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As empresas dizem colaborar

20/02/2019

 

 

As empresas citadas na operação se manifestaram. “A Odebrecht tem colaborado de forma eficaz com as autoridades em busca do pleno esclarecimento dos fatos narrados pela empresa e seus ex-executivos. A Odebrecht já usa as mais recomendadas normas de conformidade em seus processos internos e segue comprometida com uma atuação ética, íntegra e transparente”, afirmou a construtora. A Camargo Corrêa, por sua vez, divulgou a seguinte declaração: “A Construtora Camargo Corrêa foi a primeira empresa de seu setor a firmar um acordo de leniência e, desde então, vem colaborando continuamente com as autoridades.” A Andrade Gutierrez informou que “apoia toda iniciativa de combate à corrupção, e que visa a esclarecer fatos ocorridos no passado”.