Correio braziliense, n. 20363, 20/02/2019. Política, p. 4

 

Investigação aponta fraudes no sistema S

Renato Souza

Paulo Silva Pinto

20/02/2019

 

 

Operação Fantoche » Polícia Federal cumpre 10 mandados de prisão temporária e 47 de busca e apreensão em seis estados e no DF. Presidente da CNI chega a ser detido, mas Justiça manda soltá-lo

A Justiça Federal de Pernambuco determinou a soltura do presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade. Ele foi preso na manhã de ontem, em Brasília, na Operação Fantoche, que aponta suspeitas de desvios milionários em contratos firmados entre o Ministério do Turismo e empresas do Sistema S. De acordo com as investigações, os repasses ilegais podem chegar a R$ 400 milhões. Ao fim do depoimento do dirigente, a delegada do caso solicitou a revogação da prisão temporária. Ele deixou a Superintendência da Polícia Federal por volta das 19h.

Além do dirigente, foi detido na capital federal Ricardo Essinger, presidente da Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe). A Polícia Federal cumpriu 10 mandados de prisão temporária e 47 de busca e apreensão em Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo, Paraíba, DF, Mato Grosso do Sul e Alagoas. Ao todo, 213 policiais federais e oito auditores do TCU integraram as equipes da operação. As ações foram autorizadas pela 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco. A Justiça ainda autorizou o sequestro e o bloqueio de bens e valores dos investigados. Até o fechamento desta edição, havia sido determinada a soltura de quatro dos 10 detidos.

Entre as empresas envolvidas nas fraudes, de acordo com o Ministério Público, está o Sesi. O esquema teria começado em 2002, sendo colocado em prática após a criação de um grupo de empresas geridos pela mesma família. Conforme as investigações, parte dos recursos era repassada para projetos culturais e de publicidade. No entanto, a maior parcela do dinheiro seguia para empresas criadas com o objetivo de operacionalizar os desvios. Posteriormente, os valores eram divididos entre os integrantes do grupo criminoso. A Aliança Comunicação é apontada como maior receptadora dos recursos ilegais.

Informações levantadas pela reportagem apontaram que havia uma reunião da diretoria da CNI no Distrito Federal no dia da operação. O colegiado é composto sobretudo por presidentes de federações estaduais de indústria. Por conta disso, o presidente da entidade e o chefe da Fiepe estavam na capital. Ricardo Essinger foi preso no Aeroporto Juscelino Kubitschek, após desembarcar de um voo procedente do Recife. Ambos foram levados para a Superintendência da Polícia Federal, no Setor Policial Sul. O presidente da Fiep-PB, Francisco de Assis Benevides Gadelha, se apresentou à PF, também no DF.

O delegado federal Renato Madsen afirmou que a abertura de empresas de fachada começou em Pernambuco e tinha como objetivo enganar as autoridades responsáveis pela fiscalização do uso de recursos dos cofres públicos. “Eles criaram empresas sem fins lucrativos para dificultar a investigação do TCU (Tribunal de Contas da União). Queremos investigar até que ponto esse esquema partiu do Sistema S daqui (Pernambuco) e reverberou em outros estados”, afirmou.

Críticas

O empresário Ataídes Oliveira, que foi senador pelo PSDB de Tocantins de 2011 até o mês passado, fez duras críticas ao Sistema S durante sua atuação parlamentar. “Eu avisei ao Robson que, do jeito que a coisa estava, o Sistema S acabaria e ele seria preso. Eu não queria nada disso. Queria salvar o Sistema”, diz o empresário.

Segundo Oliveira, o problema está na falta de transparência e no desvio de função dos recursos recebidos, que deveriam ser exclusivamente destinados para formação profissional, cultura e lazer dos trabalhadores. “Em vez disso, eles compram imóveis e aplicam no mercado financeiro”, destacou. Ele solicitou várias auditorias sobre o Sistema S ao TCU, a mais recente em 2017.

Oliveira disse que o presidente da CNI sempre o atendeu “de forma solícita”, mas o ex-parlamenter queixa-se de que as críticas não foram consideradas. “Ele e sua equipe sempre davam a entender que eles estavam certos, e eu, errado”.

“Pilar” da indústria

Suspeito de envolvimento em fraudes no Sistema S, Robson Braga de Andrade assumiu o comando da Confederação Nacional da Indústria em 2010, sendo reeleito em 2014 e 2018. Ele é considerado o principal pilar da gestão da organização da indústria. O mandato dele à frente da entidade vai até 2022. Robson também foi presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG). Engenheiro mecânico, ele preside, ainda, a Orteng Equipamentos e Sistemas Ltda, sediada em Minas Gerais.

Quem são os alvos

» Robson Braga de Andrade — presidente da CNI desde 2010

» Luiz Otávio Gomes Vieira da Silva — um dos donos da Aliança Comunicação

» Ricardo Essinger — presidente da Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe)

» Francisco de Assis Benevides Gadelha — conhecido como Buega Gadelha, presidente da Federação das Indústrias do Estado da Paraíba (Fiep-PB). Também é um dos vice-presidentes da CNI

» José Carlos Lyra de Andrade — presidente da Federação das Indústrias de Alagoas (FIEA).

» Lina Rosa Gomes Vieira da Silva — publicitária, ligada à Aliança Comunicação

» Hebron Costa Cruz de Oliveira — advogado e presidente do Instituto Origami

» Jorge Tavares Pimentel Junior — empresário sócio da empresa Neves e Silva Produção

» Júlio Ricardo Rodrigues Neves — empresário, sócio da Idea Locação de Estruturas e Iluminação

» Luiz Antônio Gomes Vieira da Silva — ligado à Aliança Comunicação

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Entidades negam irregularidades

20/02/2019

 

 

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) emitiu uma nota sobre as ações da Operação Fantoche. A entidade informou que teve conhecimento de que seu presidente foi à Polícia Federal “prestar esclarecimentos”. “A CNI não teve acesso à investigação e acredita que tudo será devidamente esclarecido. Como sempre fez, a entidade está à disposição para oferecer todas as informações que forem solicitadas pelas autoridades”, completa o comunicado.

A Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe), por sua vez, afirmou que “todos os processos atendem, criteriosamente, às exigências licitatórias previstas em lei” e que “a equipe técnica da entidade está à disposição para contribuir com a documentação que for solicitada pelos responsáveis pela investigação”.

Antes de se entregar, o presidente da Fiepe-PB, Francisco Gadelha, afirmou que “o Sistema e Indústria da Paraíba está tranquilo e sem qualquer receio”.

A Aliança Comunicação alegou que seus conteúdos “chegaram a mais de 10 milhões de pessoas” e disse que entrega produtos culturais de qualidade. “Reforçamos, ainda, que todos os nossos projetos passam por auditorias internas e externas, sem qualquer tipo de restrições quanto à qualidade e à entrega de todos os itens contratados”, destacou a empresa. (RS e PSP)

R$ 400 milhões Montante dos recursos que teriam sido desviados