Valor econômico, v.18 , n.4478, 09/04/2018. Brasil, p. A6

 

Decreto vai atualizar valores de licitação, congelados há 20 anos

Murillo Camarotto 

09/04/2018

 

 

Está previsto para as próximas semanas um decreto presidencial autorizando a atualização dos valores que limitam cada modalidade das licitações promovidas pela União Federal. Os valores estão congelados há 20 anos e a correção pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) resultará em um reajuste de 230%.

Além da correção da inflação, prevista na Lei de Licitações (8.666/93), um dos principais objetivos do decreto é melhorar a eficiência das compras governamentais, por meio da expansão das dispensas de licitação. Atualmente, cerca de 85% dos órgãos da administração direta realizam pregões deficitários.

Uma licitação é considerada deficitária sempre que o custo de realização do pregão supera a economia obtida em relação ao preço de referência do edital. Um estudo da Controladoria-Geral da União (CGU) aponta que a eficiência melhora bastante com a redução no número de leilões.

Isso acontece especialmente por conta do elevado contingente de mão de obra que é mobilizado para organizar e realizar os pregões. Atualmente, quase a metade (47,7%) de todos os leilões promovidos pela União contempla somente 1,5% do valor total das compras do governo.

Com a correção pelo IPCA, o número de órgãos com pregões deficitários cairia para 63%, patamar ainda considerado muito elevado pela CGU. "A grande questão é uma regulação que garanta a melhor compra. Hoje, definitivamente, a melhor compra não é feita", explica o secretário de Controle Interno da CGU, Antonio Carlos Bezerra Leonel.

O órgão de controle também sugere que o índice de dispensa de licitação seja ampliado, o que poderá acontecer via projeto de lei, e não pelo decreto. O pedido é para que o índice passe de 10% para 20% dos valores mínimos previstos na Lei de Licitações.

No caso da compra de serviços pela modalidade de convite, por exemplo, a dispensa só é autorizada para valores de até R$ 8 mil. Com o ajuste pelo IPCA, a dispensa subiria para R$ 26,4 mil. Já com a troca do índice mínimo para 20%, passaria a R$ 52 mil.

Nesse terceiro cenário, que depende do projeto de lei, o percentual de órgãos com déficit em pregões cairia a 37%, segundo o estudo da CGU. "Em todo país, o governo é o maior comprador. Se o governo compra mal, o reflexo é em toda a economia". É assunto central de qualquer economia", diz.

A sugestão de aumento do índice de dispensa de 10% para 20% considera também os reajustes nos salários dos servidores nos últimos anos. Entre 1998 e 2016, a remuneração na administração direta, autárquica e nas fundações aumentou 512%, ou seja, bem mais do que a variação do IPCA no mesmo intervalo.

O custo do pregão se dá em função da duração do processo, do salário médio pago aos servidores, da quantidade de trabalhadores envolvidos e do percentual de tempo dedicado por eles ao processo. Outro fator destacado para a redução dos custos viria dos gastos menores com a publicação dos editais na imprensa.

Leonel defende que as mudanças avancem para além do decreto, no sentido de tornar as compras governamentais mais eficientes. Ele lembra que a União mobiliza um imenso contingente para fiscalizar, por exemplo, os gastos com diárias e passagens, que representam uma "gota" de R$ 1,5 bilhão em um "oceano" de R$ 3 trilhões do Orçamento.

Não se trata, segundo ele, de afrouxar controles. Um dos principais argumentos contrários às mudanças apontam para os riscos do aumento da dispensa de licitação na administração dos municípios. "O prefeito que trabalha errado já o faz no sistema atual. Não dá pra criar mais controle com base em exceções", diz.

Além disso, um eventual crescimento no valor dos desvios seria facilmente absorvido pelos ganhos com a redução de custos na organização dos leilões. A ampliação dos pregões eletrônicos também poderia ajudar na redução dos gastos com as licitações.

Ainda assim, o governo acabou decidindo que a atualização pelo IPCA, prevista no decreto, só valerá para as compras promovidas pela União Federal, e não para Estados e municípios. O tema está em discussão há mais de seis meses entre a CGU, a Casa Civil e o Ministério do Planejamento.