Valor econômico, v.18 , n.4480, 11/04/2018. Opinião, p. A12

 

Cientistas, não se iludam 

Mauricio Guedes

11/04/2018

 

 

Como é possível um país ser o décimo quinto maior produtor de artigos científicos no mundo e ocupar um distante 690 lugar no ranking global de inovação? Não é difícil. O ranking é produzido há dez anos e a última edição, de 2017, incluiu 127 países, numa pesquisa que envolve uma ampla rede mundial de colaboradores e é liderada por duas renomadas instituições acadêmicas, Universidade de Cornell e Insead, e pela Ompi - Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Um dos índices calculados na pesquisa é o coeficiente de eficiência, que compara os inputs e os outputs da inovação em cada país. Neste ranking da eficiência, o Brasil cai para a 99ª posição. Entre os dezoito países da América Latina e Caribe que estão presentes na pesquisa, esta posição brasileira só é melhor do que as da Colômbia, El Salvador, Honduras e Peru.

Vários fatores podem levar um país a ser ineficiente neste processo, mas existe um método infalível: afastar os mundos da academia (que gera conhecimento) e das empresas (que gera empregos e inovação). O Brasil tem feito isso, usando um repertório que vai da ideologia à burocracia, esta alimentada por um marco legal que, apesar das importantes conquistas dos últimos anos, ainda carece de aperfeiçoamentos e apresenta alguma insegurança jurídica.

Temos, é verdade, alguns casos de sucesso a comemorar, como, por exemplo, as conquistas na agricultura e na produção de petróleo a 2 mil metros de profundidade. Temos também uma nova geração de jovens empreendedores saindo das universidades e criando startups de sucesso no Brasil e com um futuro promissor no mundo. Estes exemplos demonstram o quanto o país pode se beneficiar com uma boa articulação da capacidade de pesquisa com a força empreendedora, pública e privada.

Um outro estudo, conduzido pelo MIT - Massachusetts Institute of Technology para o Senai, teve os seus resultados divulgados em março deste ano. Segundo a coordenadora do trabalho, Elisabeth Reynolds, diretora executiva do Industrial Performance Center do MIT, o país poderia melhorar a médio prazo o seu ambiente de inovação através de um pequeno número de ações.

Ao lado de medidas para aumentar o grau de internacionalização da economia brasileira, de políticas industriais que apoiem a inovação e de ações estratégicas de longo prazo em setores em que o país tenha vantagens comparativas, deveríamos, segundo ela, aproximar universidades e empresas, fortalecer iniciativas que suportem o ecossistema de inovação e estimular trajetórias de empreendedorismo.

Estas três últimas estratégias poderiam ser adotadas em pouco tempo, sem grandes investimentos públicos. Mas podemos dar um passo atrás com o projeto de lei 158/2017, de autoria da deputada Bruna Furlan, que está em discussão nesse momento no Senado. O projeto original tratava da criação de fundos patrimoniais nas instituições federais de ensino superior, mas o senador José Agripino, relator do projeto na Comissão de Educação, Cultura e Esporte, apresentou um substitutivo incluindo no texto a criação do "Programa de Excelência das Universidades e Institutos de Pesquisa Brasileiros". Esse programa seria financiado por um fundo, dito privado, porém criado por uma lei federal, operacionalizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes, vinculada ao Ministério da Educação, e que passaria a arrecadar recursos oriundos de obrigações legais ou contratuais de empresas.

Essas obrigações, que pressupõe o estabelecimento de relações com universidades e institutos de pesquisas, existem hoje em setores estratégicos, como a informática, telecomunicações, produção de petróleo e energia elétrica. São recursos que pertencem aos trabalhadores e acionistas dessas empresas, cujos dirigentes têm o dever de aplicar visando o aumento da competitividade e a preservação de empregos.

A sua transferência para o novo fundo representa um grave equívoco. Ela eliminaria um mecanismo criado exatamente para induzir que essas empresas se aproximem das instituições de ciência e tecnologia, e assim perderíamos um poderoso instrumento de promoção da inovação tecnológica. Ou seja, estaríamos caminhando para reduzir ainda mais a nossa eficiência para inovação.

Além disso, assim como ocorreu com os fundos setoriais e com outras soluções para o financiamento da ciência e tecnologia, em pouco tempo estes recursos serão reconhecidos como públicos, estarão submetidos ao orçamento da união, poderão ser contingenciados e o programa ficará à mingua.

A nossa história recente não deixa margem a dúvidas. Segundo dados do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, em 2016 os dezesseis fundos setoriais que alimentam o FNDCT - Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico tiveram uma receita de R$ 4 bilhões, mas somente R$ 600 milhões foram liberados para o MCTIC, ou seja, apenas 15% do total arrecadado. Treze desses fundos arrecadaram recursos em setores específicos da economia e a eles deveriam retornar na forma de apoio às atividades de pesquisa e inovação em empresas e instituições científicas e tecnológicas. Os setores prejudicados são: saúde, biotecnologia, agronegócio, petróleo, energia, mineral, aeronáutico, espacial, transporte, mineral, recursos hídricos, tecnologias da Informação e comunicações e automotivo.

No campo da formação de recursos humanos para o ensino e a pesquisa, a Capes, responsável pelo financiamento, expansão e avaliação da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em todo o país, teve uma redução de 34% no seu orçamento entre 2015 e 2017. Para 2018, as previsões são ainda mais sombrias.

Nesse momento de penúria por que passa a comunidade científica brasileira, é compreensível que surjam manifestações de alívio e esperança com uma aparente solução orçamentária para o setor. A esses colegas, recomendo que não se iludam. A luz que voces estão vendo no fim do túnel pode ser um trem na contramão!