Valor econômico, v.18 , n.4482, 13/04/2018. Política, p. A8

 

MPF apura fraudes de R$ 1,3 bilhão no Postalis e Serpros

André Guilherme Vieira 

André Ramalho

13/04/2018

 

 

A Polícia Federal (PF) deflagrou ontem duas operações contra fraudes que, somadas, ultrapassam R$ 1,3 bilhão, e que foram descobertas na gestão de fundos públicos. Foi preso Henrique Santos Barbosa, irmão do presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Marcelo Santos Barbosa. Henrique atuava como operador financeiro no Postalis, conforme apontam as investigações, e seria ligado ao empresário Arthur Pinheiro Machado, um dos idealizadores do projeto da 'Nova Bolsa de Valores', que também foi preso preventivamente.

Em nota, a CVM disse que, "em relação à operação da Polícia Federal realizada [ontem] hoje e decorrente de mandados judiciais que tiveram como destinatários, entre diversas pessoas, o irmão do presidente da CVM, Marcelo Barbosa, a CVM informa que tais fatos não impactam, em nenhuma medida, o desempenho das atribuições institucionais da autarquia e de seu dirigente máximo."

As investigações descobriram no Rio fraudes no fundo dos Correios, o Postalis, e no do Serviço Federal de Processamento de Dados, o Serpros, e em São Paulo em recursos de Institutos de Previdência municipais em 7 Estados, os chamados Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS). A PF ainda não encontrou indícios de envolvimento de funcionários da CVM e apura se houve falha em mecanismos de controle do órgão.

O ponto em comum entre as Operações Rizoma, deflagrada no Rio, e Encilhamento, realizada em São Paulo, é o empresário Arthur Pinheiro Machado, além de empresas usadas para desvios nos dois esquemas fraudulentos. Machado foi preso em São Paulo, por decisão do juiz da Lava-Jato no Rio de Janeiro, Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal e prestou depoimento na PF na capital paulista.

Também foram presos na Rizoma o lobista Milton Lyra, apontado como operador do MDB e do senador Renan Calheiros (AL) - suspeita negada por ambos -, e o ex-assessor de José Dirceu na Casa Civil, Marcelo Sereno - ex-secretário nacional de Comunicação do PT.

Lyra teria recebido ao menos R$ 10 milhões para si. A PF afirmou que crimes de corrupção envolvendo investimentos do Postalis e do Serpros em empresas do empresário Arthur Pinheiro Machado podem ter girado R$ 20 milhões em propinas para lobistas e pessoas ligadas aos fundos.

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), os três operadores atuavam como "colocadores", lobistas que agiam dentro dos fundos para influenciar na tomada de decisão sobre os aportes.

O esquema também teria beneficiado ao menos dois membros dos fundos: o sindicalista Carlos Alberto Valadares Pereira, o 'Gandola', ex-presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores em Processamento de Dados (Fenadados), e Adeilson Telles, ex-chefe de gabinete do presidente dos Correios, Wagner Pinheiro. Ambos são suspeitos de receber cerca de R$ 1 milhão - no caso de Telles, o pagamento foi feito por intermédio do operador Henrique Barbosa, de acordo com o MPF. Ambos tinham influência sobre decisão de investimentos dos fundos, disseram os investigadores.

A Rizoma ocorreu após relatos do empresário e delator Alessandro Laber, sócio da Bridge Administradora de Recursos Ltda. A empresa foi alvo de busca e apreensão autorizada pelo juiz João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo.

O magistrado ordenou buscas também nas supostas empresas de fachada Columbia Holding; Berkeley Holding; Pacific Holding e DMF Consultoria Financeira, todas localizadas na região da Avenida Paulista, em São Paulo.

"O que ocorreu no Brasil é que partidos políticos indicaram para fundos de pensão pessoas que escolhiam empresas para fazer aportes volumosos e depois havia cobrança de kick-back [contrapartida]", disse o procurador da República do Rio, Eduardo El Hage.

Ainda segundo os investigadores, Machado aplicou um sofisticado esquema de lavagem de dinheiro para o pagamento de propina aos responsáveis pelos fundos.

Para isso, usou doleiros ligados ao ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (MDB), réu em 22 ações penais por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Por ora, o MPF não encontrou indícios de envolvimento de Cabral nas fraudes aos fundos públicos.

A procuradoria citou como exemplos os operadores Vinícius Claret - conhecido como Juca Bala - e Cláudio Fernando Barbosa, o 'Tony'. Os dois garantiram a geração de reais em espécie no Brasil, necessários para o pagamento de vantagens indevidas pelo empresário Arthur Machado aos responsáveis pelos fundos de pensão, segundo o MPF.

O esquema de lavagem de dinheiro contou ainda com o auxílio do operador financeiro Edward Penn, que possibilitou o envio de R$ 45 milhões para contas internacionais, que posteriormente voltaram ao Brasil em espécie, disse o MPF. Ontem, a PF achou R$ 400 mil em dinheiro vivo na casa de Penn.

O procurador Rodrigo Timóteo explicou que o sistema de dólar paralelo no Rio misturava dinheiro que abastecia os irmãos Chebar, doleiros de Cabral, e recursos que envolviam o esquema de corrupção nos fundos.

O esquema do Rio se assemelha ao descoberto pela PF de São Paulo. Recursos foram aplicados em fundos de investimento que mantêm debêntures de R$ 1,3 bilhão - sem lastro - entre seus ativos, emitidas por empresas de fachada. Debêntures são títulos de crédito ao portador que representam uma dívida, a juros, garantida pelo patrimônio do emitente.

A Justiça de São Paulo expediu 20 mandados de prisão e 60 ordens de busca e apreensão.

Entre os presos está uma personagem conhecida da Operação Lava-Jato: a contadora Meire Bonfim Poza, que trabalhou para o pivô da investigação sobre corrupção na Petrobras em Curitiba, o doleiro-delator Alberto Youssef. Meire trabalhava na Gradual Investimentos, gestora de fundos.

Em nota, a defesa de Arthur Pinheiro Machado e de Patricia Iriarte, controller da ATG, que também teve prisão decretada ontem, refutou "qualquer relação entre os empresários e atos ilícitos".

A defesa de Milton Lyra afirmou "que seu cliente já havia colocado à disposição da Justiça do Distrito Federal, que apura o caso, para esclarecimento dos fatos". (Colaboraram Murillo Camarotto, de Brasília, e Maria Luiza Filgueiras, de São Paulo)