Valor econômico, v.18 , n.4482, 13/04/2018. Opinião, p. A10

 

As importações e o Brasil fechado 

Ricardo Barboza 

13/04/2018

 

 

As importações brasileiras de bens e serviços cresceram 5% em 2017. Considerando que a demanda doméstica avançou apenas 0,2% no mesmo ano, o desempenho importador realmente chama atenção. Nesse contexto, não vão demorar a surgir os usuais pedidos de proteção contra a "invasão de produtos estrangeiros", especialmente na indústria, setor mais exposto à concorrência externa.

Num mundo marcado pelas medidas protecionistas de Donald Trump nos EUA, é possível que os pedidos de proteção ganhem força adicional.

Diante disso, é importante perguntar: 1- por que as importações crescem tanto no Brasil? 2- será que precisamos realmente nos proteger dessa "invasão" de importados?

Importações são pró-cíclicas em qualquer lugar do mundo. Isso quer dizer que é normal importações aumentarem quando a demanda doméstica aumenta. O que diferencia a economia brasileira, no entanto, é a magnitude desse movimento, típico de economias muito fechadas, que apresentam baixa penetração de importações relativamente ao Produto Interno Bruto.

Imaginem, por exemplo, duas economias, A e Z, muito parecidas em quase tudo. Em ambas, o PIB e a demanda doméstica valem 10 unidades. A diferença entre elas diz respeito ao volume de comércio exterior: enquanto no país A as importações são de 5 unidades, no país Z elas são de 1 unidade.

Vamos supor agora um aumento de 10% na demanda doméstica de ambos os países, que passam de 10 para 11 unidades. Caso o PIB não cresça - hipótese apenas para facilitar, mas que pode ser relaxada1 -, as importações de A e Z precisam crescer em 1 unidade para reequilibrar oferta e demanda.

No país A, relativamente aberto, as importações passam de 5 para 6 unidades, o que representa crescimento de 20%. No caso do país Z, bem mais fechado ao comércio, as importações passam de 1 para 2 unidades, configurando um crescimento bem maior, de 100%.

O exemplo é útil para tratar do Brasil, país comercialmente mais fechado entre 156 países membros da Organização Mundial do Comércio e também o de menor participação de importações no PIB dentre os 171 países com dados disponíveis no Banco Mundial. Enquanto as importações representam cerca de 12% do PIB brasileiro, a média mundial é mais do que o dobro, de 27,8%.

Críticos dirão que países grandes, como o Brasil, naturalmente comercializam menos com o exterior. Afinal, por serem grandes, podem ser vistos como uma aglomeração de vários "países" menores. Ou seja, é natural que o "país Rio de Janeiro" transacione mais com o "país São Paulo", deslocando o comércio que poderia ocorrer, por exemplo, com a Argentina, esse sim um país de verdade.

A questão relevante, contudo, é que, mesmo controlando para variáveis típicas de países muito grandes, como tamanho do território, tamanho da população ou PIB per capita, ainda assim o Brasil aparece muito mais fechado à concorrência estrangeira do que suas características sugerem. Diversos estudos apontam para esse triste isolamento.

O isolamento comercial brasileiro, por sua vez, resulta de barreiras comerciais diversas, tal como mostra o Relatório divulgado mês passado pela OCDE. Os níveis médios de tarifas efetivas no Brasil são quase o dobro do observado na Colômbia e mais de oito vezes maior do que no Chile (ver gráfico). No caso das tarifas aplicadas a bens de capital, o cenário é ainda pior: a proteção média no Brasil é 14 vezes maior do que no Chile e 25 vezes maior do que no México.

Produtores brasileiros contam também com ampla proteção advinda de diversas exigências de conteúdo nacional. Segundo o Relatório da OCDE, havia no Brasil, em 2015, cerca de 16 regras de conteúdo local aplicadas a diferentes setores, bem acima de seus pares emergentes. Como se não bastasse, a proteção também advém de barreiras relacionadas a especificações técnicas e preferências tributárias.

Definitivamente, o Brasil não precisa se proteger ainda mais da concorrência externa.

Com tanto isolamento, as importações se tornam extremamente pró-cíclicas por aqui. Mas isso, per se, não deveria gerar grandes preocupações. O que realmente é inquietante é que ganhos de produtividade ficam prejudicados sem medidas que favoreçam a concorrência estrangeira no país.

Sob um ponto de vista teórico, a concorrência aumenta a produtividade por diversos canais. Primeiro, porque mais competição na provisão de bens intermediários amplia o acesso de empresas a insumos mais baratos e de melhor qualidade, diminuindo seus custos. Segundo, porque o acesso aos bens de capital e às tecnologias produzidas no exterior podem ter efeitos diretos sobre a eficiência das empresas brasileiras. Terceiro, porque, pressionadas pela competição, as empresas produzem mais e melhor, além de inovarem continuamente. Quarto, porque há um efeito seleção: empresas que sobrevivem em mercados competitivos são mais produtivas.

Sob um ponto de vista empírico, os canais acima parecem realmente funcionar. Há evidência crescente mostrando efeitos positivos da concorrência e da abertura comercial sobre a produtividade dos países.

Paul Krugman, ganhador do Nobel de Economia, disse certa vez que "produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo". Enquanto o Brasil não se abrir à concorrência externa, dificilmente sairá da longa estagnação que tem marcado sua vida econômica desde 1980. Viciados em sucessivos voos de galinha, seguiremos rediscutindo a invasão de importados - que nunca aconteceu - e a reprodução de uma indústria nascente - que se nega a amadurecer.

1. Giambiagi, F. & Schwartsman, A. (2014) para um exemplo similar que contempla crescimento do PIB.