Correio braziliense, n. 20364, 21/02/2019. Brasil, p. 11

 

Celso de Mello equipara homofobia a racismo

Renato Souza

21/02/2019

 

 

Sociedade » Relator de ação que pede ao STF a criminalização do ódio contra homossexuais dá o primeiro voto a favor da causa LGBT. Segundo ele, liberdade para expressar a própria sexualidade faz parte dos direitos fundamentais

Em um voto que durou duas sessões para ser proferido, e que foi escrito em 154 páginas, o ministro Celso de Mello, relator de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo PPS, colocou-se a favor de que a prática de homofobia seja criminalizada e equiparada ao racismo.

O magistrado entendeu que o Congresso Nacional foi omisso ao não legislar sobre o tema passados 30 anos da promulgação da Constituição. Em um longo discurso, ele atentou para violações graves contra a população LGBT e se voltou contra homofóbicos, que se aproveitam da lacuna legal para promover o preconceito. Hoje, votam o ministro Edson Fachin, relator de um mandado de injunção, e os demais integrantes da Corte.

Durante seu voto, o ministro Celso de Mello, que é o decano da Corte, afirmou que o direito à liberdade para expressar a sexualidade é parte dos direitos fundamentais garantidos pela Carta Magna. Ele destacou que ofensas individuais ou coletivas, agressões, discriminações e assassinatos de gays, lésbicas, travestis, transsexuais e trangêneros, em razão de orientação sexual, se igualam a outros tipos de preconceito. “O problema da homofobia supera a questão gay, inscrevendo-se na mesma lógica de intolerância que produziu exclusão tanto dos escravos como de judeus e protestantes”, disse.

O ministro afirmou que a homofobia e a transfobia devem ser enquadradas na lei do racismo até que o Congresso regulamente o assunto. O pedido do PPS e o mandado de injunção protocolado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) afirmam que o Supremo deve agir diante da omissão do Legislativo.

Celso de Mello declarou que atender pedidos de grupos vulneráveis ou que estão sofrendo ataques não pode ser visto como uma intromissão do Judiciário em assuntos de outros poderes. “Reconhecer que a prática da jurisdição constitucional, quando provocada por aqueles atingidos pelo arbítrio, preconceito e discriminação e abuso não pode ser considerado um gesto de indevida interferência da Suprema Corte na esfera orgânica dos demais poderes”, completou.

Violência

Dados compilados pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) — entidade que monitora a violência contra o público LGBT  — revelam que em 2017, data em que foi realizado o levantamento mais recente, 445 pessoas foram assassinadas por motivações relacionadas à sexualidade no Brasil. Esse número é o maior em 38 anos, desde que ocorrências deste tipo começaram a ser monitoradas. Isso representa a morte de um integrante da comunidade LGBT a cada 19 horas.

Os números colocam o Brasil à frente de países em que a homossexualidade é proibida por lei e onde mais se matam homossexuais: nações situadas no Oriente Médio e no Norte da África, onde os próprios governos impõem regras e corroboram com a violência contra o público LGBT.

Ao final do voto, Celso de Mello foi parabenizado pelos ministros Luiz Fux e Dias Toffoli pelo voto “bem fundamentado” e “que honra o Tribunal”. A jurista Mônica Sapucaia, doutora e mestre em direito político e autora da obra Women’s rights: international studies on gender roles and influence of human rights (Direitos das mulheres: estudos internacionais sobre os papéis de gênero e sua influência nos direitos humanos), afirmou que o voto do ministro é conciso e muito bem entrelaçado juridicamente.

“É importante lembrar que a proibição do preconceito, seja ele de qualquer tipo, já está previsto na Constituição. O ministro não está inventando nada de novo. O voto dele está muito bem produzido, pois ele criminaliza até que o Congresso aprove uma lei sobre o tema. E não tem como aprovar uma lei que não criminalize a homofobia”, afirmou Mônica.

Frase

"O problema da homofobia supera a questão gay, inscrevendo-se na mesma lógica de intolerância que produziu exclusão tanto dos escravos como de judeus e protestantes”

Celso de Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal