Correio braziliense, n. 20365, 22/02/2019. Política, p. 3

 

Servidores estão na bronca

Alessandra Azevedo

Hamilton Ferrari

22/02/2019

 

 

Reforma » Funcionários públicos queixam-se, principalmente, das alíquotas progressivas, que podem chegar a 22% para os supersalários

Pelo menos quanto à idade mínima e à fórmula de cálculo para a aposentadoria, o governo cumpriu o prometido quando disse que a reforma da Previdência igualaria as regras entre funcionários públicos e iniciativa privada. Também ajuda no discurso de corte de privilégios o fato de que a proposta inclui os servidores federais, estaduais e municipais. Mas, na opinião da categoria, os R$ 173,5 bilhões que poderão ser economizados em 10 anos ao mexer nas regras do funcionalismo não justificam as mudanças propostas.

O ponto mais questionado não é nem a idade mínima para aposentadoria, que passará a ser de 65 anos para homens e 62 para mulheres, com 25 anos de contribuição. Afinal, hoje os servidores já têm corte de idade de 65/60 (homens/mulheres), além da exigência de 35/30 anos de serviço, respectivamente. Eles se incomodam mais com as alíquotas progressivas, que poderão chegar a 22% para quem recebe os chamados supersalários — valores acima do teto do funcionalismo público, que baliza os benefícios da categoria e corresponde ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), atualmente de R$ 39,3 mil.

O governo propõe que tanto servidores quanto trabalhadores da iniciativa privada que recebem até o teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) — hoje de R$ 5,8 mil — contribuam aos respectivos sistemas previdenciários com base nas mesmas alíquotas. Elas vão variar de 7,5%, para quem recebe um salário mínimo (R$ 998), a 14% para aqueles que ganham entre R$ 3 mil e R$ 5,8 mil (teto do INSS). As alíquotas incidirão sobre cada faixa salarial, não sobre todo o salário de uma vez. Assim, na prática, a contribuição final será mais baixa, de até 11,68%.

Teto

As alíquotas para a iniciativa privada param por aí, já que o salário máximo de contribuição da categoria é o teto do INSS. Já para os servidores, que têm como limite o salário dos ministros do STF, elas continuarão subindo progressivamente e poderão chegar a 22%. Essa será a contribuição de quem recebe mais do que os R$ 39,3 mil. Para os que ganham na faixa entre o teto do INSS e o do funcionalismo, a alíquota máxima efetiva será de 16,79%.

“A maior parte dos servidores não precisará contribuir com as taxas mais altas. Mas aqueles como os ministros, os procuradores e a elite do funcionalismo vão ser convocados para participar do ajuste, com aumento substancial do recolhimento”, destacou o professor Rodrigo Feitosa, do curso de administração da Fundação Álvares Penteado (Fecap).

Outra grande preocupação dos servidores é quanto ao acesso ao benefício integral e à paridade (quando os aposentados recebem os mesmos reajustes do pessoal na ativa). Quem ingressou no serviço público até 31 de dezembro de 2003 terá direito aos dois benefícios apenas se completar as idades mínimas de 65 anos (homens) e 62 anos (mulheres). Essas possibilidades acabaram para novos servidores na reforma de 2003, mas os que trabalhavam antes dela ainda têm direito. A categoria reclama que a nova reforma sugere uma regra de transição para quem já está, hoje, cumprindo a regra da última mudança previdenciária e, portanto, pode ser questionada judicialmente.

Terceiro turno

Especialista em Previdência, o economista e consultor do Senado Pedro Nery considera o ajuste uma questão meritória, mas imagina que será bastante questionada no Congresso e deve ser levada ao STF. “São regimes em que os desequilíbrios são abissais e ainda não plenamente compreendidos pela opinião pública”, comentou.

Além disso, a obrigatoriedade de instituir previdência complementar em todos os estados e municípios também traz dúvidas, apontou o advogado Diego Cherulli, especialista em direito previdenciário. O objetivo do governo é que todos os entes que tenham regimes próprios instituam um regime de previdência complementar, como o Funpresp, em até dois anos, a contar da promulgação da reforma. “A nova proposta está cheia de possíveis inconstitucionalidades. Sobre o regime de previdência complementar, não ficou claro, no texto, se será obrigatório ou facultativo, porque em outros momentos ele deixa a entender que é opcional”, disse Cherulli.

Segundo a senadora Juíza Selma Arruda (PSL-MT), o principal ponto de preocupação da classe média é em relação às altas alíquotas. “Me parece que ali vamos ter um certo problema para conseguir administrar”, admitiu. “Ao contrário do que se dizia por aí, de que o pobre vai penar, quando você tem uma alíquota sobre salários de R$ 30 mil, você não está falando de rico e, sim, de classe média. Quando falamos de classe média, acredito que pode haver uma certa revolta com relação a essa alíquota”, explicou Selma.

O novo RPPS

Os servidores serão os mais impactados com a reforma da Previdência. A equipe econômica estima que as mudanças nas regras para os funcionários do setor público alcançarão R$ 202,8 bilhões em 10 anos.

Diferenciação

Na prática, a idade mínima para a aposentadoria deles será a mesma que a da iniciativa privada: de 62 anos (mulheres) e 65 anos (homens). Apesar disso, o tempo de contribuição será maior, de 25 anos, frente a 20 anos.

Mais taxas

Além disso, haverá mais alíquotas de contribuição, que são progressivas e atingem até as pessoas que ganham mais de R$ 39 mil por mês.

Faixa salarial     Regime Geral    Regime     (em R$)    (%)    Próprio (%)

Até um salário mínimo    7,5    7,5

998,01 a 2.000,00    7,5 a 8,25    7,5 a 8,25

2.000,01 a 3.000,00    8,25 a 9,5    8,25 a 9,5

3.000,01 a 5.839,45    9,5 a 11,68    9,5 a 11,68

5.839,46 a 10 mil    Não há    11,68 a 12,86

10.000,01 a 20 mil    Não há    12,86 a 14,68

20.000,01 a 39 mil    Não há    14,68 a 16,79

Acima de 39 mil    Não há    Mais de 16,79

Regra de cálculo

» Igual ao do regime geral (60% + 2% por ano de contribuição depois que completar os 20 anos)

» Aposentadoria integral só após 40 anos de contribuição, com base em todos os salários

Transição

» Idade mínima 20 anos de serviço público e 5 no cargo sistema de pontos

Idade mínima

Aumenta um ano a cada três (mulheres/homens)

2019    56    61

2022    57    62

2025    58    63

2028    59    64

2031    60    65

2034    61    65

2037    62    65

Benefícios

» Integralidade e paridade só para quem: entrou no serviço público até 31/12/2003 e completar 62/65 de idade

» Previdência Complementar: prazo de 2 anos para que os estados e municípios instituam uma previdência complementar. A partir de então, os benefícios serão limitados ao mesmo teto do RGPS (R$ 5,8 mil, hoje)

Sistema de pontos (idade tempo de contribuição):

Aumenta um ponto por ano (mulheres/homens)

2019    86    96

2020    87    97

2021    88    98

2022    89    99

2023    90    100

2024    91    101

2025    92    102

2026    93    103

2027    94    104

2028    95    105

2029    96    105

2030    97    105

2031    98    105

2032    99    105

2033    100    105

Apertou o cerco

Na prática, a proposta faz com que a média de valor da aposentadoria seja bem menor, porque o funcionário público que entrou depois de 2003 e só tiver 20 anos de contribuição, ele não conseguirá ter o salário integral, como era possível antes.

Fontes: Ministério da Economia

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Classe se manifesta

Vera Batista

22/02/2019

 

 

As nove principais centrais sindicais do país já marcaram atos conjuntos nos dias Internacional da Mulher (8 de março) e do Trabalhador (1º de maio) para protestarem contra o projeto da reforma da Previdência. Até segunda-feira, carreiras de Estado do Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público discutirão a proposta e prometem manifestação pública contra as mudanças no Regime Próprio dos Servidores (RPPS) e do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), dos trabalhadores da iniciativa privada.

Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), assinalou que a proposta “Guedes-Bolsonaro” segue, em linhas gerais, a do antecessor Michel Temer. Marques lembrou que o R$ 1 trilhão de economia projetado em 10 anos supera os R$ 650 bilhões previstos no substitutivo de Temer, e representa um dinheiro que sairá do bolso dos aposentados e pensionistas. “Na medida em que terão que contribuir com alíquotas maiores, as perdas chegam a até 5,11% das atuais remunerações, com a elevação da alíquota em até 19% (16,11% de alíquota efetiva prevista na PEC 06/2019 no confronto com os 11% da alíquota efetiva atual)”, destacou.

No entender do juiz Guilherme Feliciano, coordenador da Frente Nacional da Magistratura e do Ministério Público Federal (Frentas), a proposta tende a transformar a Previdência Social em produto de mercado, isentando o Estado do dever de preservar a dignidade de aposentadorias e pensões. “Reduz significativamente o valor das aposentadorias, elimina o caráter público das fundações de previdência complementar dos servidores e permite que os fundos sejam integralmente geridos por entidades abertas, mediante simples licitação, o que significa privatizar fundos, gestão e meios, sem garantias para o servidor, inclusive para os que optaram por migrar para o regime complementar, confiando nas regras anteriores”.

Petrus Elesbão, presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), aponta como único ponto positivo o fim da Desvinculação das Receitas da União (DRU) — que contingenciava o dinheiro da Previdência — e medidas de proteção aos recursos previdenciários. Em linha com os colegas do Executivo e do Judiciário, por outro lado, ele afirmou que a atual reforma é extremamente desproporcional para os servidores, “apesar do deficit alegado do RPPS ser significativamente menor que o do RGPS”.

Defensores

Para Francisco Cardoso, presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos do INSS (ANMP), a proposta da equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro é “mais arrumada e justificada” que a do precessor Michel Temer. “Não só ataca servidores, mas trabalhadores rurais, militares e aposentadorias especiais”, ironizou. O principal fato, disse, é de que servidores públicos terão que trabalhar mais tempo para dispor de mais dinheiro. “Ainda é muito cedo para apontar o que merece ser combatido. O que se pode dizer é que é preciso cuidar da gestão, ou seja, separar a Assistência da Previdência Social. A mistura dos discursos foi a causa de concessões equivocadas de vários benefícios que causaram muitos prejuízos”, relatou.

No entender de Washington Barbosa, diretor acadêmico do Instituto Duc In Altum de Capacitação Avançada, as mudanças foram positivas. “Hoje, o sistema é um Hobin Hood às avessas. É o rico tirando dinheiro do pobre. Nessa proposta de Jair Bolsonaro, a situação muda”, destacou. “As novas regras são duras, mas justas. Quem ganha mais é que se beneficiava, e não a maioria dos trabalhadores, que recebe mensalmente, em média, R$ 2,5 mil. Do ponto de vista do custeio, vai reduzir os gastos e equilibrar as contas”, garantiu.