Correio braziliense, n. 20365, 22/02/2019. Política, p. 4

 

O preço para quem está perto de parar

Paulo Silva Pinto

22/02/2019

 

 

Reforma » Regras de transição da nova Previdência impactam trabalhadores que estão a menos de uma década de se aposentar e são mais duras do que as preparadas pelo governo de Michel Temer

As regras de transição previstas na proposta de reforma da Previdência que o governo enviou ao Congresso são vistas como algo muito restrito, que acaba por punir pessoas que estão hoje a menos de uma década de se aposentar. Na proposta enviada no governo de Michel Temer, as regras de transição incluíam um período de duas décadas.

Se a proposta de emenda à Constituição (PEC) for aprovada como o governo a formulou, só quem está a dois anos de completar o tempo mínimo de contribuição terá direito a pagar um pedágio de 50% para se livrar da idade mínima. Se iria se aposentar em um ano, terá de trabalhar mais um ano e meio. Quem precisa de dois anos e um mês para se aposentar vai ter de contar com outro tipo de cálculo. Nele, se privilegiam os que começaram a contribuir mais tarde, o que não é o caso da maior parte dos brasileiros. Será preciso somar idade e tempo de contribuição.

Tome-se o caso de um homem que tem 49 anos e está a oito anos de completar os 35 anos para se aposentar. Não será beneficiado pela tabela: terá de trabalhar mais sete anos para chegar aos 65 e ir para casa.

É fato que, mesmo pelas regras atuais, se quisesse se aposentar pelo teto do benefício, em R$ 5.839 hoje, o contribuinte do exemplo teria de trabalhar até os 62 anos. Só assim não seria prejudicado pelo fator previdenciário — se fosse para casa aos 57, ficaria só com 70% do valor.

O preço da reforma para ele será de três anos a mais de trabalho, mas o custo pode ser pago também em dinheiro. Basta ir para casa aos 62 anos e contribuir mais três como autônomo. Terá, assim, de desembolsar R$ 43.935, e deixará de receber R$ 238.875 em benefícios, somando um prejuízo de R$ 281.810.

O economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central (BC), considera a conta alta, sobretudo quando se leva em consideração que o patamar de rendimentos do teto da Previdência não é das pessoas mais ricas do país, ao contrário do que sugere, muitas vezes, o discurso do governo. “Estão jogando a correção do sistema sobre pessoas que contribuem pelo teto e são, por exemplo, o chefe de almoxarifado de uma grande empresa”, explica.

Na avaliação de Freitas, uma das correções possíveis seria cobrar separadamente um seguro de vida para ser pago aos dependentes dos segurados em vez de a Previdência arcar com pensões por morte. “É preciso separar os departamentos. A Previdência urbana, sem as pensões por morte, seria superavitária até 2030”, diz ele, que fez uma simulação com as projeções de arrecadação e despesas do sistema atual.

Na avaliação do economista Cláudio Porto, da consultoria Macroplan, o prejuízo que as pessoas terão com a reforma será compensado com maior crescimento econômico do país. “Talvez, em alguns casos, as pessoas não tenham compensação direta por meio de aumento da própria renda, mas seus descendentes, certamente, serão beneficiados”, argumenta.

Agilidade

Para Zeina Latif, economista-chefe da corretora XP, “há espaços para ajustes” na reforma que possam alterar as regras de transição ou outros problemas. “Não há reforma perfeita, como não há política pública perfeita, mas a PEC está no caminho certo”, ressalta.

Ela acha ser possível debater o tema com a sociedade para chegar a alterações, mas que isso deve ser feito rapidamente, de modo a garantir que a proposta seja aprovada nas duas Casas do Congresso ainda no primeiro semestre. “Depois disso, a popularidade do presidente tende a diminuir e, assim, seu capital político. Além disso, quanto mais tempo passa, mais os parlamentares tendem a sentir a pressão de seus eleitores nas redes sociais”, explica. Freitas discorda. Para ele, a necessidade é de um debate bem-feito, que leve o tempo necessário. “Se a sociedade estiver convencida de que se está fazendo a melhor reforma, o apoio parlamentar existirá”, vaticina.

Caminho alongado

Como são as regras de transição previstas na proposta do governo para a reforma da Previdência

Pontos

A soma do tempo de contribuição e da idade deverá ser, para os homens, de 96 “pontos” — o termo, já usado há anos, é um eufemismo para evitar que as pessoas pensem que terão de trabalhar um século. No caso das mulheres, a soma é de 86. Aumentará um “ponto” a cada ano até atingir 100 para mulheres e 105 para homens em 2033.

Idade mínima

Será de 61 anos para homens e de 59 anos para mulheres já em 2019, se a reforma for aprovada, e vai crescer seis meses a cada ano até atingir, respectivamente, 65 e 62 anos em 2031. No caso da aposentadoria por idade, passará dos 60 anos atuais, no caso das mulheres, para 62 em 2023. Para homens já é de 65 anos e não muda.

Tempo de contribuição

Hoje é de 15 anos na aposentadoria por idade. Passa a ser de, no mínimo, 20 anos, para a concessão de qualquer aposentadoria, no setor público ou no setor privado.

Caso especial

Quem está a dois anos de completar o tempo mínimo de contribuição poderá se aposentar sem cumprir a idade mínima, mas terá acréscimo de 50% no período que falta: se for um ano, passará a ser um ano e meio.

Cálculo do benefício

Hoje, consideram-se 80% das maiores contribuições. Passarão a ser consideradas todas as contribuições para fazer a média. Aplica-se 60% da média no caso da idade mínima e dois pontos percentuais a mais para cada novo ano de trabalho. Para atingir 100% da média, é preciso trabalhar 40 anos.