Valor econômico, v.18 , n.4483, 16/04/2018. Opinião, p. A10

 

A concorrência no mercado de aplicativos de táxi e do Uber

Guilherme Mendes Resende 

16/04/2018

 

 

A economia do compartilhamento, um modelo de negócio que busca dissociar a utilização de determinado bem ou serviço da sua aquisição, tem ganhado destaque nos últimos anos. Muito embora seja uma prática antiga, pois sempre foi possível alugar ou emprestar bens de consumo, o modelo vem ganhando força devido à introdução de plataformas tecnológicas que facilitam as interações entre consumidores e ofertantes. Os casos de sucesso mais conhecidos são os das empresas Uber e Airbnb. Entretanto, ainda há muito que se investigar sobre os reais efeitos dessas plataformas na economia e o futuro de tais modelos de negócios.

O Departamento de Estudos Econômicos do Cade (DEE) acaba de publicar um estudo1 que avalia os impactos concorrenciais da entrada da Uber sobre o mercado incumbente de aplicativos de táxi (Easy e 99 foram as empresas observadas). Basicamente, é analisado se a entrada do aplicativo Uber afetou o número de corridas e o valor médio das corridas dos aplicativos de táxi. Este é o primeiro estudo realizado que considera dados de após mais de dois anos da entrada da Uber no Brasil. Nesse sentido, foi possível captar melhor os efeitos concorrenciais de tal aplicativo sobre o mercado de táxi.

Estudos anteriores chegavam à conclusão de que a Uber não impactava os táxis. Tal evidência se dissociava dos protestos dos taxistas observados na maioria das cidades onde ocorreu a entrada da referida empresa e de aplicativos similares, tal como a Cabify. Uma hipótese para a inexistência de efeitos no mercado de táxi poderia ser que tais estudos tivessem utilizado um período pós-entrada demasiado curto para observar algum efeito.

O estudo publicado pelo DEE/Cade joga luz sobre essa discussão. Utilizando dados municipais e com periodicidade mensal de janeiro de 2014 a dezembro de 2017, descreve uma dinâmica de crescente rivalidade ao longo do tempo entre os dois tipos de aplicativos (táxis e Uber), em que a entrada da Uber provocou queda no número de corridas de táxi, reações dos táxis via reduções de preços por meio de descontos e, finalmente, recuperação do número de corridas dos aplicativos de táxi.

Chega-se a essa conclusão ao se comparar os resultados dos efeitos da entrada recente (menos de um ano nas capitais das regiões Norte e Nordeste) da Uber vis-à-vis entradas que se iniciaram há mais de dois anos (nas capitais do Sul, Sudeste e Centro-Oeste). Os resultados do estudo mostram que, quando se examinam apenas as capitais das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, o efeito da entrada da Uber sobre as corridas de táxi é menos intenso (redução de 26,1%) do que o observado nas capitais do Norte e Nordeste (redução de 42,7%).

Essa evidência indica que inicialmente a entrada da Uber em um município pode ter um efeito grande, reduzindo substancialmente o número de corridas de táxi, mas que, com o passar do tempo, ocorre uma recuperação gradativa do número de corridas do setor incumbente. E essa recuperação gradativa acontece porque os aplicativos de táxi reagem oferecendo descontos nos valores das corridas. De fato, foi apenas para o grupo de capitais das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, expostas por mais tempo a um ambiente competitivo, que se detectou que a entrada da Uber gerou redução nos valores das corridas cobrados pelos táxis (redução de 12,1%).

Tal ambiente competitivo deve ser fortalecido pelo poder público. Logo surge a pergunta: com mais ou menos regulamentações? Inicialmente, não se pode deixar de ressaltar a complexidade de encontrar um nível de regulamentação ótimo do setor, visto que, conjuntamente, com esses aspectos concorrenciais, as políticas públicas em nível local devem ser coordenadas com outros aspectos relacionados a políticas e investimentos em planejamento e mobilidade urbana, incluindo questões ambientais e a priorização de um transporte público de qualidade.

Por sua vez, em março passado, foi promulgada a Lei Federal nº 13.640/2018, que regulamentou os serviços de transporte remunerado privado individual de passageiros (i.e., os aplicativos do tipo Uber). Essa lei foi parcimoniosa ao incluir normas de segurança e ao não impor grandes barreiras regulatórias à entrada e nem restrições à liberdade tarifária. Entretanto, atribuiu competência exclusiva aos municípios e ao Distrito Federal para regulamentar e fiscalizar o referido serviço. Desde 2016, essas regulamentações já ocorriam em alguns poucos municípios, mas, com a promulgação da nova lei, devem proliferar por todo o país.

Nesse momento, espera-se que os entes municipais evitem medidas que dificultem a operação de tais serviços via aplicativos. O mais desejável é que a regulamentação em nível municipal desses aplicativos seja parcimoniosa - como a aprovada em nível federal - no sentido de não regulamentar demasiadamente o setor, o que poderia acarretar significativa restrição da oferta de carros disponíveis, aumentando os preços das tarifas com efeitos deletérios sobre o bem-estar do consumidor. Questões de segurança, além daquelas já previstas na legislação federal, podem ser tratadas pela legislação municipal, mas devem ser incorporadas com cautela para evitar restrições concorrenciais.

Na verdade, faria mais sentido trilhar um caminho inverso desregulamentando o mercado de táxi. As referidas plataformas tecnológicas têm endereçado várias das preocupações que motivaram historicamente a regulação de táxis. Isto é, algumas falhas de mercado, como os problemas de informação assimétrica, são mitigadas com a utilização de tais plataformas. Portanto, o debate deve continuar na direção da desregulamentação gradual dos serviços de táxi, em especial nos aspectos relacionados à eliminação de barreiras à entrada e à liberdade tarifária.

Por fim, conclui o estudo, tal desregulamentação poderia ocorrer, por exemplo, apenas para o segmento de radiotáxi por meio de aplicativos de internet2. Com menos regulamentações, seria possível promover um ambiente com maior grau de concorrência e, desse modo, incentivar modelos de negócio mais inovadores, com melhor qualidade e segurança, menores preços e mais opções de escolha, trazendo maior bem-estar econômico para o consumidor.

1. Disponível em: http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/publicacoes-dee/documentos-de-trabalho.

2. A esse respeito, vale ressaltar que uma emenda (não aprovada) ao PLC nº 28/2017 propunha em um dos seus dispositivos o seguinte: "Na contratação de radiotáxi por meio de aplicações de internet, o preço será livre, desde que informado de forma exata ao passageiro no momento da solicitação".