Valor econômico, v.19 , n.4510, 24/05/2018. Opinião, p. A12

 

O longo prazo está chegando 

João Marco Cunha

24/05/2018

 

 

Um dos mais proeminentes economistas do século passado, John Keynes, afirmou que, no longo prazo, estaremos todos mortos. A simplicidade quase tautológica que a frase transmite à primeira vista esconde sua verdadeira profundidade. Isso porque, em economia, o longo prazo denota um período de tempo teórico para o qual todos os fatores de produção são ajustáveis, permitindo às firmas operarem no ponto de mínimo custo médio para o nível de produção escolhido. Além disso, seria tempo hábil para livre entrada e saída de empresas no mercado. Trata-se, portanto, de uma situação de equilíbrio mais forte que o de curto prazo. Por conta disso, atraiu grande atenção por parte dos economistas teóricos e virou tema obrigatório de graduação.

Saindo da teoria em direção à economia do mundo real, porém, a situação é bastante mais complicada. Diversos choques tecnológicos afetam as curvas de custo, setores inteiros da economia simplesmente deixam de existir enquanto outros surgem, empresas incumbentes usam o poder de mercado para evitar a entrada de concorrentes etc. Em suma, as condições de longo prazo variam e a convergência para elas parece tão lenta que é difícil afirmar categoricamente que esteja acontecendo. Esse é o ponto da frase, não faria sentido discutir uma situação tão distante da realidade a ponto de demorar mais que uma vida para ser atingida.

Essa máxima, porém, está sendo desafiada (pelo menos, em parte) pelos incríveis avanços tecnológicos recentes e não é através do aumento expressivo da expectativa de vida da população. Estudiosos especulam que haverá pessoas de hoje ainda vivas em 2150, mas você não precisará ser uma delas para testemunhar uma economia muito mais parecida com a da teoria de longo prazo do que Keynes jamais vislumbrou.

Custos que costumavam ser fixos, cada vez mais, se tornam variáveis. Um caso emblemático dessa tendência está no segmento da informática. Há não muito tempo, as empresas de setores que demandam alta capacidade de processamento de dados tinham que dispor de computadores de grande porte, alocados dentro das suas instalações. Hoje em dia, é possível realizar processamento sob demanda na nuvem, utilizando servidores localizados em lugares distantes ao redor do mundo.

Mas os exemplos desse fenômeno vão muito além. Os escritórios, que costumavam estar em imóveis próprios ou alugados por longos períodos, agora podem funcionar em espaços compartilhados, com grande modularidade para se adequar a mudanças na necessidade das empresas, além de custarem menos. O mesmo vale para logística e distribuição, frotas de automóveis e outras estruturas. Em alguns segmentos, os próprios processos de fabricação já estão enquadrados nesse novo paradigma.

Tudo isso só se tornou viável com progresso tecnológico aplicado à gestão, automação, comunicação entre máquinas, captura e armazenamento de dados, entre outras finalidades. Além disso, a disponibilidade de grandes bases de dados e as novas técnicas adequadas à sua análise têm permitido que as empresas entendam melhor os seus consumidores e prevejam com mais precisão o seu comportamento. Com isso, é possível um planejamento mais acurado da produção, o que reduz custos.

Da mesma forma que o grande volume de dados ajuda as empresas, os consumidores também têm a oportunidade de fazer amplas pesquisas de preço com pouquíssimo esforço. Essa possibilidade reduz o poder de mercado das companhias, inibindo a prática de sobrepreço, mesmo com um número relativamente pequeno de concorrentes. Também fica menos atraente a formação de cartéis, uma vez que, com consumidores mais informados, a empresa que fura o cartel consegue apropriar-se de uma parcela grande do mercado de maneira rápida.

Outro efeito desse mesmo fenômeno que tende a tornar a economia real mais próxima da teórica de longo prazo é a facilidade para a criação de novas empresas. Com a substituição de custos fixos por variáveis, as empresas em estágio inicial têm custos menores. Portanto, a necessidade de capital para a abertura diminui. Isso explica, em alguma medida, a recente explosão no número de start-ups, espalhada geográfica e setorialmente. Essas novas companhias reduzem o poder de mercado de grandes empresas estabelecidas, aumentando a competição e minorando preços.

Via de regra, os avanços tecnológicos reduzem preços, e isso está ocorrendo através de diversos vetores na revolução atualmente em curso. Mas, além disso, o que mais podemos esperar dessa "nova economia de longo prazo"? A resposta pode ser encontrada nos livros-texto dos cursos iniciais de microeconomia.

Como já foi dito, com a possibilidade de ajustar todos os fatores de produção, as firmas produzem sempre no nível de mínimo custo médio, o que é um canal a mais de diminuição do nível de preços. Adicionalmente, como as empresas têm agilidade para alterar a quantidade produzida, as respostas aos choques são menos baseadas em preço, deixando-os mais estáveis ao longo do tempo. Porém, pela mesma razão, a política monetária torna-se menos potente uma vez que uma parcela maior da resposta das empresas à ação da autoridade monetária será via quantidade, e não via preço.

No Brasil, vivemos, concomitantemente, as menores taxas de juros nominais desde a implantação do Plano Real e níveis de inflação muito baixos para os nossos padrões, aquém das expectativas dos analistas. Nesse contexto, é pertinente que nos indaguemos sobre em que medida a baixa inflação atual é causada pela revolução tecnológica que, por aqui, é potencializada pela nova Lei Trabalhista, que flexibiliza significativamente a utilização do fator de produção trabalho. É possível que as mudanças no comportamento dos preços já sejam relevantes.

O longo prazo está chegando, e essa é uma notícia alvissareira. Dado que estaremos (quase) todos vivos, é bom que entendamos o que isso representa. Afinal, como o próprio Keynes disse, "a dificuldade reside não tanto em desenvolver novas ideias mas em escapar das antigas". Amém!