Valor econômico, v.19 , n.4510, 24/05/2018. Agronegócios, p. B12

 

Desmatamento gera multa a tradings

Fernanda Pressinott

Bettina Barros

24/05/2018

 

 

Operação do Ibama e do MPF no Matopiba identificados 60 polígonos com embargos ambientais descumpridos

Cinco tradings e diversos produtores foram multados em R$ 105,7 milhões por causa de desmatamento ilegal, informou o Ibama. Em investigação iniciada em abril, no âmbito da "Operação Shoyo", o órgão e o Ministério Público Federal (MPF) afirmaram que identificaram o comércio de soja produzida em áreas ilegais.

Foram aplicados mais de 60 autos de infração em quatro Estados: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, que formam a região conhecida como Matopiba. As tradings envolvidas são as multinacionais Bunge e Cargill, e as brasileiras ABC Indústria e Comércio (pertencente ao grupo Algar), Uniggel Proteção de Plantas e JJ Sanar (empresa cerealista de Minas Gerais).

Procurada, a Cargill informou, em nota, que ainda não havia sido notificada pelo Ibama e reforçou que "irá apurar os fatos e prestar os esclarecimentos quando tiver acesso às informações da autuação". A Bunge, por sua vez, informou que já apresentou sua defesa "na qual estão comprovadas as boas práticas da empresa na aquisição de grãos, baseadas nas diversas consultas às bases de dados públicas relativas a áreas embargadas, o que atesta a regularidade da compra alvo da autuação".

O Ibama informou que a partir do cruzamento de dados geoespaciais foram identificados 60 polígonos com embargos descumpridos. As ilegalidades estavam associadas a 78 pessoas (físicas e jurídicas) e 77 imóveis. Produtores foram autuados por descumprir embargos do Ibama em 40 propriedades, impedir a regeneração natural em outras 14 e comercializar produtos de origem vegetal produzidos em áreas embargadas de dez imóveis rurais.

As cinco tradings foram multadas em R$ 24,6 milhões por adquirirem 49,21 mil sacas de 60 quilos de soja de áreas embargadas. O Ibama afirma ter constatado também que a compra antecipada de grãos financiou a atividade ilegal.

"O desmatamento ilegal no Cerrado é mais acelerado no Matopiba do que em outras regiões do bioma, o que exige o aprimoramento das estratégias de controle para garantir que a dissuasão atinja todos os elos ilegais na cadeia produtiva", disse, em nota, o coordenador-geral de Fiscalização Ambiental do Ibama, Renê Luiz de Oliveira.

Foram apreendidas pelo menos 84 mil sacas de grãos durante a operação, ou 5 mil toneladas. Além das medidas aplicadas pelo Ibama, o MPF vai propor ação civil pública para que os infratores reparem os danos ambientais causados pela atividade ilegal.

Apesar das justificativas apresentadas pelos setor produtivo, as autuações põem em xeque a eficiência de iniciativas propagandeadas pelas tradings e parceiros, nas quais o risco socioambiental deveria ser considerado determinante para a decisão de compra de grãos cultivados no Brasil. Uma delas é a plataforma digital Agroideal, lançada em 2017 e que pretende guiar sojicultores e empresas a uma produção e compra sustentáveis na Amazônia e no Cerrado (onde boa parte da produção do Matopiba se insere).

A lista pública de embargos ambientais, disponível no site do Ibama, aponta as áreas proibidas para produção. O art. 54 do Decreto 6.514/2008 define como ilícito ambiental o comércio de produtos rurais procedentes dessas áreas.