Valor econômico, v.19 , n.4510, 24/05/2018. Especial, p. F2

 

Liberação para o gás natural ainda deverá demorar

Roberto Rockmann

24/05/2018

 

 

A efetivação do mercado livre de gás natural ainda deve demorar. O projeto de lei 6407, que tramita no Congresso com base nas medidas discutidas no projeto Gás para Crescer, ainda enfrenta resistências para ser aprovado. A proposta reuniu diversos elos da cadeia com o objetivo de colocar em prática uma regulação que incentive a desverticalização do setor diante do plano de desinvestimento da Petrobras.

No Congresso, bancadas de Estados e distribuidoras de gás são contrárias à ideia de que seja criada uma regulação federal que determine critérios únicos para incentivar o mercado livre - como um consumo mínimo para se tornar consumidor livre. Eles entendem que isso seria competência dos próprios Estados e das empresas que distribuem o gás e têm mais conhecimento do mercado.

As distribuidoras apontam que o grande problema para os grandes consumidores está na ausência de ofertantes de gás natural e na falta de livre acesso à malha de transporte. Isso exigiria estabelecer regras para essa abertura. A Petrobras é a grande produtora do insumo no país e a principal carregadora, em um momento em que o setor discute a renegociação do acordo com a Bolívia, responsável por 30 milhões de m3 /dia.

"Alguns pontos poderiam ser resolvidos sem participação do Congresso, como as tarifas de entrada e saída dos gasodutos. Mas também seria preciso comando legal para o livre acesso a gasodutos de escoamento, unidades de processamento e gasodutos de transporte, o que foi excluído da redação final da Lei do Gás", diz Marcelo Mendonça, gerente de competitividade da Abegás, que reúne as distribuidoras de gás natural. Para ele, a abertura do mercado depende do aumento da oferta e dos fornecedores para que o crescimento do segmento seja sustentável.

Segundo os grandes consumidores, a falta de regulamentação do mercado livre é justamente o grande problema - atualmente apenas doze Estados têm uma regulação específica sobre o tema.

Não existem grandes consumidores industriais de gás livres, como ocorre no setor elétrico. Alguns Estados com forte consumo de gás, caso da Bahia, quarto maior consumo industrial do país, ainda não regulamentaram a figura do consumidor livre.

Os 14 Estados onde não há regulamentação também não criaram leis sobre o livre acesso aos agentes, nem sobre o pagamento de tarifas para utilização dos dutos, o que impede, por exemplo, o acesso de pequenos produtores ao mercado.

Mesmo nos Estados em que há regulação, existem indefinições. Em Pernambuco, por exemplo, o consumo mínimo exigido é 500 mil m3 /dia, mas o maior consumidor estadual utiliza pouco mais de 100 mil m3 /dia.

No Rio de Janeiro, a margem de distribuição é igual para o consumidor cativo e o livre, e este último ainda pode ter de lidar com quatro contratos diferentes para obter o insumo. Em São Paulo, o consumidor livre pode adquirir o gás apenas do comercializador, não sendo possível contratar de outros produtores ou importadores.

"Há várias zonas cinzentas que precisarão ser resolvidas", afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Vidro (Abividro), Lucien Belmonte. "O mercado livre não existe por causa da ausência de ofertantes, se não se destravar a oferta de gás não se chegará a ele", diz Mendonça, da Abegás.

Outra variável a ser considerada será o contrato do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), que expira em 2019. Hoje o gasoduto responde pelo envio de cerca de 30 milhões de metros cúbicos diários, cujo principal comprador é a Petrobras. "As reservas bolivianas vêm em queda, será que eles terão capacidade para entregar no longo prazo? Que quantidade a Petrobras comprará?", questiona Paulo Toledo, sócio da Ecom Energia, que obteve autorização para comercializar gás da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Toledo viajou para a Bolívia algumas vezes nos últimos dois anos, com intenção de comercializar volumes pequenos de 100 mil m3 /dia, mas desistiu. "O mercado de gás natural tem muitas incógnitas ainda", aponta. Espera-se a abertura em breve de uma chamada pública da ANP sobre o tema. "Quem vai ser o carregador? Sem isso, a negociação com a Bolívia não avançará", afirma Mendonça, da Abegás.