Valor econômico, v.19 , n.4504, 16/05/2018. Política, p. A7

 

PF liga doleiro da Lava-Jato ao narcotráfico

André Guilherme Vieira

16/05/2018

 

 

A Polícia Federal (PF) descobriu um elo entre um investigado pela Operação Lava-Jato e o tráfico internacional de drogas. Preso ontem, o doleiro Carlos Alexandre de Souza, o "Ceará", que é delator com acordo já homologado judicialmente, viabilizava dinheiro para pagar propinas a políticos brasileiros enquanto gerava divisas para o traficante Luiz Carlos da Rocha, conhecido como "Cabeça Branca", considerado pelos investigadores como um dos maiores narcotraficantes da América do Sul.

O traficante é investigado por ligações com o Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa que opera dentro dos presídios administrados pelo governo de São Paulo. "Cabeça Branca era um dos grandes fornecedores de cocaína para a facção. O PCC tem usado redes de doleiros para enviar dinheiro ao Paraguai e à Bolívia", disse ao Valor o promotor de Justiça de São Paulo, Lincoln Gakiya.

Ceará foi capturado durante a deflagração da "Operação Efeito Dominó", que cumpriu oito mandados de prisão nos Estados do Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Paraíba, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e São Paulo.

Velho conhecido da Lava-Jato, Ceará trabalhava para o doleiro e delator Alberto Youssef e fechou acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2015. No ano anterior, Youssef tinha sido peça-chave para que os investigadores entendessem o esquema de desvio bilionário da Petrobras por meio de contratos superfaturados, liberação de aditivos e contratação de empresas de fachada para repassar o dinheiro a beneficiários no Brasil e no exterior, com o uso de offshores.

Nos 29 depoimentos em delação prestados à PGR entre junho e julho de 2015, Ceará afirmou ter entregado dinheiro vivo a diversos políticos, entre os quais os senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Aécio Neves (PSDB-MG) e Fernando Collor (PTC-AL). A PF comunicou a PGR sobre a prisão de Ceará que, por ter voltado a delinquir, deverá ter seu acordo de delação revogado. As informações que ele forneceu e as provas que ajudou a produzir, no entanto, continuam valendo.

As investigações revelaram que Ceará ajudava a financiar o negócio de Cabeça Branca, gerando recursos, em dólares e em reais para o traficante, preso em 1 º de julho de 2017 e que foi transferido para o presídio de segurança máxima de Mossoró (RN).

Em entrevista coletiva realizada ontem, em Curitiba, o delegado Elvis Secco afirmou que ainda é cedo para dizer se existe uma conexão entre políticos e traficantes que se valiam do esquema operado por Ceará. "O que temos até agora são apenas indícios. Só poderemos confirmar essas informações no decorrer das investigações", esclareceu.

O Valor apurou com duas fontes da PF que, até agora, as investigações não apontaram nenhum indício de ligação de Cabeça Branca com políticos investigados pela Lava-Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Ceará atuava do seguinte modo, segundo a PF: atendia interessados em obter reais para pagar corrupção de políticos, que mantinham dólares no exterior; e também prestava serviços para traficantes que buscavam dólares para comprar drogas no exterior com dinheiro disponível no Brasil, mas que precisavam "lavar" esses recursos.

Até ser encarcerado, Cabeça Branca liderou por mais de 20 anos um esquema responsável por enviar ao exterior, mensalmente, cinco toneladas de cocaína com alto grau de pureza, disse a PF - o que torna o entorpecente ainda mais valioso nos mercados americano e europeu da droga.

A estimativa policial é que o traficante tenha realizado transações de até US$ 140 milhões em período de três anos, de 2014 a 2017.

Outro doleiro preso pela Efeito Dominó é Edmundo Gurgel Júnior, que também atuou com Youssef na década de 90 e foi investigado em operações policiais que deram origem à Lava-Jato, como a Farol da Colina. Gurgel Júnior foi acusado de fraudes no caso de evasão de divisas pelo extinto Banco do Estado do Paraná (Banestado).

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Gilmar manda soltar empresário Milton Lyra

Luísa Martins 

16/05/2018

 

 

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou soltar o empresário Milton Lyra, apontado pela Polícia Federal (PF) como lobista do MDB e preso preventivamente há cerca de um mês.

Ele é suspeito de envolvimento na Operação Rizoma, que investiga crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas envolvendo aportes dos fundos de pensão Postalis, dos Correios, e Serpros, do Serviço Federal de Processamento de Dados.

Em manifestação sobre o habeas corpus impetrado na Corte pela defesa de Lyra, a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou pela manutenção da prisão, "para assegurar a ordem pública e a aplicação da lei penal, além de resguardar a investigação criminal".

Porém, Gilmar, relator do caso, concedeu o HC para substituir a prisão - decretada pela 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro - por medidas cautelares alternativas, como a proibição de manter contato com os demais investigados e a entrega do passaporte em até 48 horas. "Na hipótese dos autos, está claro o constrangimento ilegal", disse.

O ministro afirma que, embora graves, os fatos criminosos "são consideravelmente distantes" do momento da prisão, pois ocorreram entre 2011 e 2016.

"Fatos antigos não autorizam a prisão preventiva, sob pena de esvaziamento da presunção de não culpabilidade. O perigo que a liberdade do paciente representa pode ser mitigado por medidas menos gravosas do que a prisão", escreveu Gilmar.

Segundo as investigações, a organização criminosa operava um esquema para pagar propina a representantes de fundos de pensão em troca de investimentos em empresas das quais Lyra era sócio. A defesa nega o envolvimento do empresário e divulgou nota, considerando a decisão acertada: "Não havia motivo ou razão para a prisão de alguém que já estava à disposição da justiça para prestar todos os esclarecimentos."

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STF começa a julgar 1ª ação penal do esquema Petrobras

Luísa Martins

16/05/2018

 

 

Mais de quatro anos depois de deflagrada a Operação Lava-Jato e sob alto risco de prescrição, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, ontem, a primeira ação penal contra parlamentar acusado de participação no esquema ilícito da Petrobras. Trata-se do processo em que o deputado federal Nelson Meurer (PP-PR) é réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

A sessão foi dedicada às longas sustentações orais da acusação e da defesa e à análise das preliminares suscitadas pelos advogados para tentar suspender o processo - todas rejeitadas pelo relator, ministro Edson Fachin, e pelo revisor, Celso de Mello. A Segunda Turma retoma a análise do caso na terça-feira.

O julgamento deve balizar a forma como os ministros do colegiado - além de Fachin e Celso, votam Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes - devem conduzir as próximas ações relativas à Lava-Jato.

Até agora, a Turma apenas julgou recebimento ou rejeição de denúncias, mas ainda não condenou nem absolveu nenhum de seus réus (sete deputados e seis senadores). No caso de Meurer, a acusação foi recebida por unanimidade em junho de 2016 - quase dois anos atrás.

O parlamentar é acusado de receber R$ 29,7 milhões, entre 2006 e 2014, em verbas desviadas da Petrobras. Os pagamentos foram parcelados em 99 vezes, em negociata organizada com o ex-deputado José Janene (PP), o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa.

Meurer é deputado desde 1995, portanto se encaixa nas novas regras do foro especial definidas pelo STF, segundo as quais a prerrogativa só vale para crimes cometidos durante e em razão do exercício do mandato.

O deputado ainda teria contribuído para desviar R$ 357 milhões em contratos de empreiteiras com a Petrobras - segundo a denúncia, 60% do valor foi direcionado à cúpula do PP. São réus na mesma ação os seus dois filhos, Nelson Júnior e Cristiano.

Ainda que Meurer seja condenado, a pena pode não ser executada de imediato, pois ainda caberá recurso da decisão - são os chamados embargos de declaração, que buscam esclarecer eventuais omissões da sentença.

Segundo a defesa, a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) é baseada apenas em delações premiadas, sem provas adicionais. Por outro lado, a subprocuradora Cláudia Sampaio afirmou, durante o julgamento, que o conjunto probatório colhido ao longo da instrução "confirma que tudo que os delatores disseram realmente aconteceu".