Correio braziliense, n. 20365, 22/02/2019. Mundo, p. 14

 

Maduro fecha a porta para o Brasil

Jorge Vasconcellos

22/02/2019

 

 

Venezuela » Às vésperas da data marcada para o envio de ajuda humanitária ao país, presidente chavista envia tanques e tropas e anuncia o bloqueio do trânsito entre os dois países. General Mourão considera "fora de propósito" um conflito

Determinado a barrar a entrada de ajuda humanitária em território venezuelano, o presidente Nicolás Maduro enviou tanques e tropas e ordenou o fechamento total da fronteira terrestre com o Brasil, em reação ao inesperado anúncio da participação brasileira na mobilização para a entrega de suprimentos organizada pelo opositor Juan Guaidó, autodeclarado presidente interino da Venezuela e reconhecido por 50 países. Apesar do bloqueio, o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, afirmou que o governo brasileiro segue empenhado em enviar mantimentos para a Venezuela e descartou a possibilidade de conflito com o país vizinho.

Com viagem marcada para a Colômbia, foco de operação humanitária organizada pelos Estados Unidos, o vice-presidente Hamilton Mourão reiterou a determinação de manter o país à margem de qualquer ação militar, hipótese que considera remota. “Acho que a ameaça está mais no campo da retórica”, disse o general. “Seria prematuro e fora de propósito os EUA realizarem uma intervenção militar na Venezuela.” Acompanhado do chanceler Ernesto Araújo, ele embarca no domingo para Bogotá, onde representará o presidente Jair Bolsonaro em uma reunião do Grupo de Lima. O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, irá à capital colombiana levar “o apooio inabalável” do presidente Donald Trump a Guaidó. “O vice-presidente dirá claramente que chegou a hora de Nicolás Maduro se afastar.”

Maduro sustenta que o ingresso de ajuda humanitária seria “o disfarce” para um golpe de Estado orquestrado por Washington contra o seu governo. “Eu decidi, no sul da Venezuela, que, a partir das 20h horas (21h em Brasília) de 21 de fevereiro, fica fechada total e completamente, até novo aviso, a fronteira terrestre com o Brasil”, afirmou durante reunião com o alto comando militar. O presidente acrescentou que estuda também o “fechamento total da fronteira com a Colômbia”, diante do que chamou de “provocações” do presidente Iván Duque, em aliança com o colega americano, Donald Trump.

Está prevista para a amanhã a entrada, pela Colômbia, de ajuda humanitária enviada pelos EUA à Venezuela. A ponte internacional que liga o país à cidade colombiana de Cúcuta segue interditada pelos militares. Hoje, o governo chavista programa um show do lado venezuelano da divisa. Do lado oposto, Duque e o presidente do Chile, Sebastián Piñera, assistirão a outro show, promovido pelo bilionário britânico Richard Branson.

De acordo com o porta-voz do Planalto, motoristas brasileiros transportarão medicamentos e alimentos, de caminhão, até Boa Vista e Pacaraima, em Roraima. O carregamento cruzará a fronteira conduzido por caminhoneiros venezuelanos. “Da parte do governo brasileiro, diante da nossa soberania, o limite de ação é a faixa de fronteira. Os fatos, os eventos, as ações desencadeadas além da fronteira são, naturalmente, de responsabilidade do governo venezuelano”. Rêgo Barros afirmou que o Brasil está providenciando “apoio logístico” à operação humanitária.

Impasse

Questionado pela imprensa sobre o risco de confronto militar na fronteira, o porta-voz insistiu que o propósito “do Estado brasileiro, por meio das Forças Armadas” é “acolher os irmãos venezuelanos”. “O governo brasileiro não identifica, neste momento, possibilidade de fricção na região, porque o ponto focal é a ajuda humanitária”, acrescentou. Caso os caminhões venezuelanos sejam impedidos de entrar no Brasil para buscar os donativos, afirmou, os alimentos e medicamentos ficarão estocados em Boa Vista e Pacaraima.

Segundo Rêgo Barros, o fechamento da fronteira foi discutido pelo presidente Jair Bolsonaro em uma reunião, na tarde de ontem, com os ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo). O governador de Roraima, Antonio Denarium, que passou o dia em Brasília, afirmou que tanques e tropas venezuelanas fecharam a fronteira por volta das 15h30, bem antes do horário anunciado por Maduro. “Tive informações de que há 30 minutos foi fechada a fronteira, com a presença de blindados do governo da Venezuela”, declarou o governador. Ele disse que a ajuda aos venezuelanos está mantida, mas observou ser difícil prever se será possível atravessar a fronteira.

“A fronteira entre o Brasil e a Venezuela é seca. Tem 1.800km. Temos um grande número de venezuelanos que moram do lado de cá, inclusive em abrigos. São mais de 5 mil em Boa vista e Pacaraima, vivendo como refugiados. A ajuda pode ser feita do lado de cá”, acrescentou Denarium .

María Teresa Belandria, designada embaixadora da Venezuela no Brasil por Guaidó e reconhecida pelo Itamaraty, afirmou que a entrega de ajuda humanitária ao vizinho sul-americano “continua”, apesar do fechamento da fronteira. “Não tem volta atrás”, garantiu.

Frases

"Fica fechada total e completamente, até novo aviso, a fronteira terrestre com o Brasil”

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela

“Seria prematuro e fora de propósito os EUA realizarem uma intervenção militar na Venezuela”

Hamilton Mourão, vice-presidente do Brasil