Correio braziliense, n. 20366, 23/02/2019. Política, p. 2

 

Apadrinhamento profissionalizado

Rodolfo Costa

23/02/2019

 

 

Governo garante que a indicação política apresentada aos parlamentares na semana que vem será embasada em critérios técnicos. De qualquer forma, essa faz parte de mais uma peça no quebra-cabeça para angariar votos a favor do projeto da Previdência

O fisiologismo venceu: o governo federal está mapeando cargos de livre nomeação vagos em todos os ministérios para acomodar apadrinhados políticos de aliados. A força-tarefa faz parte da estratégia da Casa Civil, responsável pela articulação política com o Congresso, para construir a base de apoio pela aprovação da reforma da Previdência. Para evitar transmitir a imagem do “toma lá da cá”, em que deputados votam com o governo em troca de indicações, o presidente Jair Bolsonaro apresentará a líderes na próxima terça-feira a minuta de um decreto que promete profissionalizar os apadrinhamentos.

A ocupação de espaços na Esplanada dos Ministérios é uma cobrança de parlamentares aliados. Líderes negam, contudo, a pecha da “velha política”. O argumento de deputados é de que, se o Palácio do Planalto quer construir uma base de apoio sólida, deve trazer os partidos para o seio. Para enfrentar o desgaste de apoiar as agendas reformistas, pregam um senso de pertencimento ao governo.

A elaboração dessa engenharia ocupou um bom tempo da articulação política. Sob “fogo amigo” de aliados, que criticaram a morosidade da articulação, os interlocutores do Planalto vêm pedindo calma a fim de atender a todos. Na quinta-feira, o governo deu mais um passo para levar adiante a estratégia. Para discutir o mapeamento de postos vagos, a Casa Civil recebeu, no anexo do Planalto, secretários executivos e assessores parlamentares de ministérios cobiçados, como Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia, Cidadania, e Agricultura, bem como os ligados às pastas da área de Infraestrutura.

A expectativa do Planalto é de que o levantamento dos cargos disponíveis para livre nomeação esteja pronto na segunda-feira. No mais tardar, na terça-feira pela manhã. Neste dia, acompanhado do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e do líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), Bolsonaro apresentará os ministérios com vagas para abrigar os indicados. O presidente também exibirá aos líderes o que o governo tem chamado de “banco de talentos”, o decreto que prevê a profissionalização das indicações políticas. O texto vai estabelecer critérios e requisitos para abrigar os indicados, que deverão ter qualificação para exercer o posto. Nível superior e cursos de especialização terão peso determinante.

Uma vez recomendados, os nomes serão submetidos a avaliações técnicas pela Secretaria de Governo e pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ministérios da Presidência da República. As sugestões também vão passar pelo crivo do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União. A palavra final, no entanto, será do próprio ministro responsável pela pasta a qual o indicado foi aconselhado a exercer função comissionada.

A Casa Civil espera que, uma vez apresentada a engenharia aos líderes, consiga diluir as críticas e tocar adiante a articulação. “Precisávamos de tempo para organizar um mecanismo sem o ‘toma lá da cá’ que, ao mesmo tempo, respeitasse a autonomia dos ministros. A ordem do ministro é intensificar os diálogos após a apresentação do banco de talentos”, explicou um interlocutor de Onyx.

A estratégia do governo foi elogiada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O uso do nome “banco de talentos”, entretanto, foi ironizado. “É (indicação política), só colocaram outro nome: banco de talentos. Será que no outro modelo as pessoas não tinham talento? As pessoas também tinham talento antes”, comentou ontem. “Mas acho que tem que fazer esse banco de talentos. É um nome bacana, né? O parlamentar na base quer prestigiar aliados. Todos os partidos têm talentos para indicar e isso que o governo está apresentando é a possibilidade de o parlamentar se ver prestigiado, especialmente em sua base eleitoral”, ponderou, otimista de que a reforma possa ser aprovada até julho.

Emendas

Às lideranças, Bolsonaro detalhará outras medidas de olho no aprimoramento da relação com os partidos. Uma delas é a liberação de emendas impositivas, recursos que o governo é obrigado a executar para aplicação em obras e serviços nas áreas da educação e saúde. A previsão é de que as verbas sejam disponibilizadas até abril, em torno de R$ 3 milhões para cada deputado, valor apontado pelo próprio presidente à bancada do PSL, em reunião na quarta-feira.

Outra estratégia é dar atenção aos parlamentares. Ministros e interlocutores da Casa Civil receberam de Onyx orientação para dedicar horários entre a manhã e o início da tarde para receberem, sem compromisso com o mérito da pauta, deputados e senadores. É um pedido para que os parlamentares possam estar livres, às 16h30, para acompanhar a ordem do dia no Congresso. Tudo com o apoio dos dois principais interlocutores do Planalto no Congresso: Alcolumbre e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O presidente espera que a reunião com os líderes abra o diálogo com as bancadas. O relacionamento entre governo e partidos não é dos melhores e não mudou mesmo com Bolsonaro entregando pessoalmente o texto da reforma em mãos às lideranças e aos presidentes da Câmara e do Senado. A principal sinalização do ambiente ainda conturbado entre Planalto e bancadas é o adiamento da reunião que Bolsonaro teria com os líderes. A previsão inicial era de que o encontro marcado para a próxima terça ocorresse na quinta.

Previdência dos militares

Repercutiu mal entre aliados o fato de a equipe econômica não ter encaminhado a reforma da Previdência dos militares. A articulação política do governo avisou ainda na quarta-feira que o clima não era propício para manter a agenda, e, por isso, optou pela postergação. O adiamento deu ao governo cinco dias para elaborar uma justificativa e dar detalhes aos líderes. No entanto, sofrerá pressão até interna. O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), correligionário de Bolsonaro, defende que a equipe econômica agilize o envio da reforma dos militares em um prazo de 10 dias, e não 30, como disse o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho.

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Maia é uma saída

23/02/2019

 

 

Sob o argumento de que a demora do governo para liberar cargos e emendas pode se refletir no placar de votações, deputados pressionam o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) para que ele consiga convencer o presidente Jair Bolsonaro a “destravar” pelo menos as nomeações. Nem mesmo o anúncio de que nos próximos dias o Executivo criará uma plataforma virtual, na qual deputados e senadores da base aliada poderão fazer indicações para o segundo escalão, serviu para acalmar os parlamentares. Nos bastidores, muitos deles tratam com ironia o novo modelo para selecionar quem ocupará as vagas, batizado no Planalto de “banco de talentos”.

“Isso vai virar um show de calouros”, provocou o deputado Jhonatan de Jesus (RR), líder do PRB na Câmara. “O problema é que esse governo não tem traquejo político e é muito enrolado”, afirmou o líder do PP, Arthur Lira (AL). “Se for para ministros escolherem as pessoas, nem precisa nada. Se vai para a subjetividade do ministro, tudo vai continuar do mesmo jeito.” Em conversas reservadas, deputados dizem que, se o endurecimento das exigências para nomeação valesse para todos, o ex-chefe da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebianno — demitido na segunda-feira — e o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, não teriam sido escolhidos. Os dois são alvo de investigação sobre financiamento irregular de candidaturas.

Embora não tenha bom relacionamento com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, Maia é amigo do ministro da Economia, Paulo Guedes, conta com a simpatia de militares, como o chefe da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, e está ganhando a confiança de Bolsonaro. Nos corredores da Câmara, o presidente da Casa tem sido tratado como “primeiro-ministro” e é o interlocutor do governo entre os parlamentares. A ameaça de derrubar no plenário projetos importantes, se o governo não ceder, é feita a portas fechadas por congressistas descontentes e atinge até mesmo a reforma da Previdência, classificada pela equipe econômica como prioritária para o ajuste das contas públicas.

“O DEM tem três ministérios e a nossa preocupação é fazer com que o governo dê certo, porque, se não der, quem sofrerá as consequências somos nós”, afirmou o deputado Elmar Nascimento (BA), líder do partido e do “blocão”. No seu diagnóstico, é natural que Maia e até mesmo o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), também do DEM, façam a ponte do Congresso com o Planalto. “O presidente Bolsonaro precisa ter na política a mesma sensibilidade que teve na economia, quando deu carta branca ao ministro Paulo Guedes para tocar a reforma da Previdência”, disse Elmar.