Correio braziliense, n. 20366, 23/02/2019. Política, p. 4

 

Salários altos, alíquota maior

Alessandra Azevedo

Hamilton Ferrari

23/02/2019

 

 

A contribuição dos deputados e senadores à Previdência pode até dobrar com a reforma proposta pelo governo na última quarta-feira. Caso os parlamentares sigam a tradição de aumentar os próprios salários até o teto do funcionalismo, que corresponde à remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (hoje, R$ 39,2 mil), a alíquota poderá saltar de 11% para até 22%.

Como o índice passará a ser calculado por faixas salariais, não mais sobre todo o valor de uma vez, a taxa efetiva seria um pouco menor. Ainda assim, deve corresponder a um incremento de mais de R$ 2 mil no desconto mensal da categoria. As alíquotas serão as mesmas dos demais servidores públicos do alto escalão.
“Se a gente quer criar uma Previdência mais justa, me parece razoável instituir alíquotas progressivas, diminuindo para os que são mais pobres e aumentando para os mais ricos, como está proposto”, considerou Bruno Ottoni, pesquisador do FGV IBRE e IDados.
As novas contribuições afetarão os parlamentares em exercício, que votarão a reforma da Previdência e são responsáveis por sugerir alterações no conteúdo. Caso o texto não mude no Congresso, as novas alíquotas começarão a valer assim que a proposta de emenda à Constituição (PEC) 6/2019, da reforma, for aprovada.
Novo regime
Os futuros parlamentares não terão mais acesso ao atual regime de Previdência da categoria, que é muito mais vantajoso do que os outros. Eles passarão a integrar o Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Para receber mais do que o teto do Instituto Nacional do Seguro Nacional (INSS), precisarão pagar previdência complementar. Como a proposta de reforma da Previdência do ex-presidente Michel Temer sugeria a mesma mudança e não foi alvo de críticas, a equipe econômica acredita que passará sem muitos problemas pelo Congresso.
Caso as expectativas do governo se confirmem, e o texto passe como foi enviado, os parlamentares eleitos em 2022 precisarão completar as idades mínimas de 65 anos (homens) e 62 anos (mulheres) para requerer a aposentadoria. O texto do governo também prevê 25 anos de contribuição, mesmo tempo que será exigido dos servidores públicos.
Hoje, deputados e senadores podem se aposentar aos 60 anos, homens e mulheres, desde que tenham 35 anos de contribuição. A cada ano como parlamentar, recebem 1/35 do salário. Um regime especial que, nas palavras do secretário de Previdência, Leonardo Rolim, “está em extinção”.
Na ativa
Dos parlamentares que já estão em exercício, será cobrado um pedágio de 30% do tempo que falta para se aposentar pelo regime atual — ou seja, para completar 35 de contribuição. Assim, se faltar um ano, eles terão de trabalhar mais quatro meses. Já na transição, será exigida a idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 para homens.
Enquanto nos corredores alguns deputados reclamam das alterações, integrantes da Frente Parlamentar do Livre Mercado pretendem propor uma emenda para endurecer ainda mais a regra de transição. Para “dar o exemplo”, eles estudam sugerir um pedágio de 50%, como o que será cobrado para os trabalhadores da iniciativa privada que estão perto de se aposentar por tempo de contribuição.
Quanto à alíquota, tem surtido efeito o argumento da judicialização adotado pelos representantes de servidores públicos descontentes com as regras propostas. Eles afirmam que aumentar para até 22% é abusivo e pode ser considerado “confisco”.  “É meritório, mas temos de analisar esse ponto, para fazer uma coisa viável, que não perca depois no Judiciário. Vamos estudar com calma a questão da segurança jurídica. Mas, certamente, haverá uma cota de sacrifício”, disse a deputada Bia Kicis (PSL-DF).
Mudanças
Regra atual
» Idade mínima de 60 anos para homens e mulheres
» Tempo de contribuição de 35 anos
» Recebe 1/35 do salário para cada ano como parlamentar
Regra de transição
» Idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres
» Pedágio de 30% do tempo que falta para atingir os 35 anos de contribuição
Regra final
» Novos parlamentares irão automaticamente para o RGPS
» Regime atual será extinto

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Criação de quase 8 milhões de empregos

23/02/2019

 

 

Após a melhora no mercado de trabalho no ano passado, a equipe econômica do governo alerta que a taxa de desemprego pode voltar a bater recordes caso a reforma da Previdência não seja aprovada. Uma nota informativa da Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia, diz que a taxa de desemprego pode chegar a 15,1% em 2023 sem mudanças nas regras de aposentadoria e pensão no país.

Por sua vez, a aprovação da reforma poderia fazer esse índice cair a quase metade: 8,0%. Isso porque as alterações nas regras poderiam propiciar a criação de quase 8 milhões de empregos até 2023 — uma média de 1,33 milhão por ano. Esse potencial seria crescente, segundo as estimativas do governo.
Sem a reforma, a piora no mercado de trabalho seria efeito da recessão na economia brasileira, que também afetaria a renda per capita no país. Segundo a SPE, o custo da manutenção das regras atuais seria sentido pelos cidadãos.
Na ausência de reforma da Previdência, cada brasileiro receberia, em média, R$ 2,5 mil (o equivalente a 2,6 salários mínimos) a menos por ano nos próximos cinco anos. Esse custo (que usa como referência o PIB per capita a preços de 2018) tende a se elevar com o passar dos anos. “Quanto mais a reforma da Previdência fosse postergada, maior seria o custo para a população brasileira”, diz o documento. Na ausência de reforma, cada brasileiro chegaria a 2023 R$ 5,8 mil mais pobre do que no cenário com a reforma aprovada.
Taxa de juros
Sem a reforma da Previdência, a taxa de juros subiria drasticamente para 18,5% em 2023, prevê a SPE. Já com a aprovação das medidas, a taxa Selic poderá chegar em torno de 5,6% ao ano em 2023.
O diagnóstico, sem as mudanças nas regras previdenciárias, prevê um cenário catastrófico para a dívida bruta do governo, que entraria em trajetória explosiva. Isso porque o principal canal de transmissão por meio do qual a deterioração fiscal reduz a atividade e a renda é a variação da taxa de juros, que impacta o endividamento público. No cenário sem reforma, os indicadores fiscais piorariam consideravelmente: o resultado primário do setor público consolidado continuaria permanentemente deficitário. Já com a reforma, diferentemente, são gerados superavits a partir de 2021.
Na ausência de reforma, a dívida bruta do Governo Geral seguiria em trajetória explosiva, ao passo que, no cenário de reforma, sem considerar receitas extraordinárias, ela começaria a declinar a partir de 2021.
Dramático
O diagnóstico é feito pela SPE em documento que mostra um quadro dramático para o Brasil na ausência da reforma. O texto foi preparado para mostrar a importância da aprovação da PEC da Previdência, enviada na quarta-feira para o Congresso Nacional.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Povo fala

23/02/2019

 

 

Daniele Borges, 30 anos, servidora pública
“A alíquota do funcionário público vai aumentar com a reforma. Penso que o ajuste devia ser com o salário. Isso não vai nos prejudicar?”
Resposta:  na realidade, serão criadas alíquotas de contribuição, começando em 7,5% para quem recebe até um salário mínimo e superando 16,79% para aqueles que recebem mais de R$ 39 mil mensais. Ou seja, as alíquotas serão vinculadas ao salário, exatamente como você propôs. Na prática, a reforma desonera os que possuem os menores rendimentos e institui uma contribuição por faixa salarial, nos moldes do Imposto de Renda, sendo mais justa e igualitária.

André Costa, 30 anos, funcionário público
“Quem trabalha no serviço braçal e precisar interromper a atividade por alguma doença, vai ser aposentado como?”
Resposta:  em caso de invalidez, o valor da aposentadoria corresponderá a 60% do salário médio de contribuição, com adicional de 2% por ano de contribuição que exceder 20 anos. Em caso de invalidez decorrente de acidente de trabalho, doenças profissionais ou do trabalho, o cálculo do benefício não muda. Segue considerando 100%, levando em conta a média dos salários de contribuição.

John Lennon Teixeira, 34 anos, atendente de foodtruck
“E se a pessoa não aguentar trabalhar até a idade mínima? O que pode acontecer?”
Resposta: é importante desmistificar essa ideia de “trabalhar até morrer”, “não aguentar” etc. As pessoas estão vivendo mais e com mais qualidade e saúde. E essas estimativas serão elevadas, ou seja, no futuro, as pessoas viverão mais do que estimamos hoje. Logo, nada mais natural do que elas trabalharem mais, para a própria sustentabilidade do sistema previdenciário. Essa ideia de trabalhar até morrer está associada ao passado, quando as pessoas, de fato, morriam mais cedo. Devemos rever os nossos conceitos, modificando o conceito de que uma pessoa com 62/65 anos não será ativa nem laboralmente capaz.

Camila Almeida, 22 anos, engenheira civil
“Tenho nove meses de contribuição. Será que ainda vou conseguir me aposentar antes de morrer?”
Resposta:  com certeza. A expectativa de sobrevida aos 60 anos em 2059, quando a Camila terá 62 anos, está estimada em 25 anos. Ou seja, hoje, estimamos que as pessoas com idade em torno 60 anos em 2059 viverão por mais 25 anos. Além disso, vale destacar que as estimativas de sobrevida têm sido elevadas nos últimos anos, dada a melhora na qualidade de vida e os avanços na saúde. Esses progressos não serão interrompidos, logo, podemos projetar com segurança que a sobrevida em 2059 será ainda maior do que estimamos hoje.

Valdinei Santana, 50 anos, mestre de obras
“Tenho 20 anos de contribuição e pretendo me aposentar daqui a 10 anos no sistema atual. Se a reforma da Previdência for aprovada, eu vou ter de trabalhar mais 19 anos?”
Resposta: por 19 anos, não. Será preciso trabalhar por mais 15 anos, cinco a mais do que o desejado por você. Em 2034, terá acumulado 35 anos de contribuição e 65 anos de idade, portanto, terá atingido os critérios de contribuição e idade mínima requeridos para a aposentadoria.