Título: Cenário externo: pior mas menos arriscado
Autor: Castelar, Armando
Fonte: Correio Braziliense, 29/08/2012, Opinião, p. 17

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Setembro terá momentos cruciais para a crise internacional. Para ficar nos principais, pode-se citar a decisão da Suprema Corte alemã sobre a participação do país nos mecanismos de resgate da Área do Euro, a revisão da situação grega pelos credores públicos, um possível resgate para a Espanha e, talvez, novos programas de liquidez pelos bancos centrais americano e europeu.

Esses momentos decisivos ocorrerão em meio a uma piora da situação econômica global. É para isso que apontam as previsões para o segundo semestre de 2012: uma desaceleração do crescimento mundial liderada pelo setor industrial. O PMI global calculado pelo JP Morgan retrocedeu sucessivamente em maio, junho e julho, com quedas especialmente pronunciadas em novas encomendas de exportação, que fecharam em 47,2 e 46 em julho, respectivamente, abaixo de 50, indicando retração do nível de atividade.

A perda de dinamismo se dá em países ricos e em desenvolvimento. Não obstante, o foco está na Europa, onde políticas fiscais restritivas e quedas na confiança de consumidores e empresários têm impactado o nível de atividade. Dos 26 países com PMIs acompanhados pelo JP Morgan, seis dos sete piores resultados são europeus (a Austrália é a única exceção). A piora de desempenho industrial atinge a Alemanha, a Inglaterra e a França, que só não tiveram piores resultados que Grécia e Espanha.

Parece descartada, a esta altura, uma retomada mais forte do nível de atividade no segundo semestre, como se chegou a cogitar meses atrás, expectativa que agora ficou para 2013. As previsões mais recentes do FMI são de que o PIB global no 4º trimestre do ano ficará apenas 3,4% acima do mesmo trimestre em 2011. Para 2013, a previsão é de que a Espanha e a Itália sofram nova contração do PIB, como neste ano. Para os Estados Unidos, o fundo projeta leve aceleração do crescimento ano que vem, como também antecipado para a média dos países emergentes. O risco de que essas projeções sejam revistas para baixo é considerável.

Ainda assim, o cenário econômico global melhorou consideravelmente desde o fim de julho, com a disposição sinalizada pelo Banco Central Europeu (BCE) de retomar, em maior escala, suas compras no mercado secundário de títulos soberanos da Área do Euro. Isso, desde que antes os países em dificuldade peçam ajuda a algum dos fundos governamentais de estabilização financeira, cujos empréstimos vêm associados a condições de ajuste e reformas, que o BCE não tem condição de exigir. O BCE chegou a sinalizar, inclusive, estar disposto a abrir mão de qualquer senioridade vis-à-vis os investidores privados em caso de calote desses governos.

O apoio que esse discurso recebeu dos políticos, inclusive alemães, ainda que não do Bundesbank, e a sinalização do governo espanhol de que poderá se candidatar a esse tipo de apoio deram grande alívio aos investidores, levando a altas pronunciadas nos ativos de risco e a queda recorde nos yields dos papéis espanhóis de dois anos. Basicamente, a leitura do mercado é que por essa via fica afastado, pelo menos por hora, o cenário de ruptura da Área do Euro, que vários analistas vinham prevendo ainda para este ano.

A questão fundamental, porém, é que o BCE pode comprar tempo, mas não resolver sozinho a crise da dívida soberana dos países da periferia europeia. Uma solução para essa crise só virá a partir do momento em que o PIB nominal desses países volte a crescer, em especial acima da taxa de juros paga por seus títulos. A perspectiva de novos ajustes fiscais aponta, porém, no sentido contrário, para novas contrações do nível de atividade, alta no desemprego e aumento do risco político.

A saída da crise não deve vir, portanto, da própria Europa, mas dos Estados Unidos, onde, a despeito dos fracos indicadores de curto prazo — do nível de atividade e do mercado de trabalho, em especial — está em curso um processo de ajuste estrutural, que passa pela redução progressiva do endividamento das famílias e a recuperação, por mais tímida que ainda seja, do setor imobiliário. Neste, os preços dos imóveis começam a se recuperar e o número de lançamentos já chegou ao fundo do poço e vem subindo. Infelizmente, o processo ainda deve consumir um par de anos até ter força suficiente para tirar a economia americana da situação atual. O final da crise continua distante, mas setembro pode dar sinais de que já está pelo menos à vista.