Valor econômico, v.19 , n.4503, 15/05/2018. Política, p. A6

 

Economistas discutem propostas para o PT, em meio a divergências 

Sergio Lamucci

15/05/2018

 

 

A recuperação do crescimento e do emprego é a prioridade emergencial para economistas que participam das discussões para o programa de governo do PT, envolvendo ideias como o uso do excedente das reservas internacionais para estimular o investimento e a renegociação de dívidas de empresas e famílias. Na visão de Marcio Pochmann, um dos coordenadores do plano de governo do partido, e de Ricardo Carneiro, da Unicamp, a retomada será o principal fator para ajudar a resolver a situação fiscal no curto prazo, ainda que não o único. Uma reforma da Previdência mais ampla em 2019 não faz parte das propostas desses economistas, uma divergência em relação às ideias do ex-ministro Nelson Barbosa, que participa de algumas reuniões e dá sugestões.

À diferença do que ocorre com o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o deputado Jair Bolsonaro (PSL), que apontaram Persio Arida e Paulo Guedes como seus coordenadores do programa econômico, o PT ainda tem um grupo grande de economistas discutindo como será o plano de seu candidato. O partido insiste na candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, mas, preso em Curitiba, o ex-presidente não deverá concorrer, por ter sido condenado em segunda instância.

A fase atual é de sistematização de propostas, a serem discutidas num evento fechado no fim de maio e divulgadas ao público em junho, diz Carneiro, ex-diretor-executivo do Brasil no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Segundo ele, subsidiam o programa as ideias colhidas a partir da plataforma digital "O Brasil que o povo quer" que, com o auxílio de um grupo formado mais de "300 acadêmicos, estudiosos e intelectuais", definiram sete eixos para o debate, como redução da desigualdade e inclusão social, qualidade de vida e desenvolvimento econômico e sustentabilidade.

Para Pochmann e Carneiro, a economia brasileira se encontra estagnada, e é preciso adotar medidas emergenciais para promover a recuperação. Carneiro defende a prioridade a gastos públicos de "maior multiplicador", como os programas de transferências para a baixa renda e os investimentos".

Presidente da Fundação Perseu Abramo, Pochmann diz que a retomada não deve ocorrer apenas pela ocupação da capacidade ociosa, mas também pela volta do investimento, tanto público como privado. Os dois consideram crucial resolver o endividamento de empresas e famílias. Carneiro sugere que isso seja feito permitindo que os bancos usem a parte do compulsório remunerado para refinanciar débitos em atraso.

O uso do excedente das reservas para impulsionar o investimento também faria parte dessa fase emergencial. Carneiro é favorável à criação de um fundo de financiamento da infraestrutura a ser formado com cerca de US$ 30 bilhões das reservas, hoje na casa de US$ 380 bilhões. Segundo ele, isso possibilitaria "ampliar o financiamento reais sem pressionar a dívida pública ou o 'funding' regular dos bancos públicos", como o BNDES. "Esse fundo pode, no seu início, contar com recursos exclusivos das reservas e ter como lastro debêntures de infraestrutura, emitidos pelos novos concessionários de serviços públicos."

Medidas para promover um ajuste fiscal mais duro no curto prazo não fazem parte das propostas dos dois economistas. "Um país que volta a crescer certamente vai resolver em grande medida o problema fiscal", diz Pochmann, acrescentando que a questão não se soluciona "exclusivamente" pelo crescimento. "Mas eu quero chamar a atenção que sem crescimento o problema fiscal não tem saída." Em artigo, Carneiro afirma que a "retomada da economia e da arrecadação será o fator fundamental" para reequilibrar as contas públicas no curto prazo, devendo ser ajudada pela "revisão das desonerações e ampliação marginal da carga tributária, preferencialmente via CPMF".

"Não se faz nem faremos consolidação fiscal no curto prazo numa economia estagnada", diz Carneiro. "Esta será feita necessariamente no médio e longo prazo. A eficácia do gasto público, sobretudo em investimento para ajudar o crescimento, é objeto de consenso, mesmo em ambientes ortodoxos como o do FMI. O contrário também é verdadeiro, ou seja, há efeitos deletérios e permanentes da consolidação de curto prazo."

Ex-ministro da Fazenda e do Planejamento, Nelson Barbosa tem feito sugestões e participado de algumas reuniões, com propostas com diferenças em relação ao que pensam Carneiro e Pochmann sobre a questão fiscal. Uma das ideias de Barbosa é a apresentação em 2019 da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Compromisso, que tenta combinar "flexibilidade com responsabilidade" no front fiscal.

"Eu tenho defendido fazer a reforma da Previdência em conjunto com a reforma da regra do teto de gasto e da regra de ouro [que proíbe a emissão de dívida para pagar despesas correntes], alterando também o abono salarial [que não seria mais obrigatório] e redefinindo os pisos de educação e saúde", afirma Barbosa. Ele propõe "a eliminação do atual teto de gasto e da meta de resultado primário, adotando-se uma nova regra fiscal, com meta de gasto". O ex-ministro também sugere uma reforma da Previdência com aposentadoria apenas pela idade mínima no regime geral de Previdência Social (que engloba os trabalhadores do setor privado e os celetistas do setor público e de estatais), alinhamento ou aproximação das regras vigentes para homens e mulheres e revisão das aposentadorias especiais, entre outros pontos. As regras do setor público e do privado também seriam alinhadas.

"Creio que minhas posições sobre política econômica não refletem a atual abordagem da cúpula do PT", diz Barbosa. O ex-ministro tem divergências maiores com Pochmann e Carneiro na questão do gasto público e convergências maiores na da receita.

Para Pochmann, a Previdência precisa ser considerada "dentro do enfrentamento de privilégios e desigualdades" que existe na sociedade. "O tema não deve ser associado estritamente à questão fiscal, como vendo sendo feito." Tratar o assunto apenas como um problema de contas públicas "divide e polariza o país", diz ele.

Segundo Carneiro, o grupo tem se reunido semanalmente em São Paulo. O economista diz que, além dele e de Pochmann, têm presença mais assídua o ex-prefeito Fernando Haddad, um dos coordenadores do plano de governo, o ex-ministro Aloizio Mercadante, o ex-presidente da Caixa Jorge Mattoso e Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), além de participantes um pouco mais novos, como Pedro Rossi e Guilherme Mello, da Unicamp, Esther Dweck, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-chefe da assessoria econômica do Ministério do Planejamento, William Nozaki, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e Marcelo Manzano, da Facamp e da Unicamp.

Carneiro cita outros nomes que participam ou participaram "várias vezes", como Nelson Barbosa, Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp e da Facamp, o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, o ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal Marcio Percival, José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, Fernando Sarti, da Unicamp, Ernani Teixeira Torres Filho, da UFRJ e ex-superintendente do BNDES, e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Entre os participantes mais frequentes estão ainda Rui Falcão, ex-presidente do PT, e Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, que não são economistas, diz Carneiro. Além de medidas emergenciais, há discussões sobre propostas a serem adotadas ao longo do governo, sobre os temas da desigualdade, produtividade e estabilidade, segundo ele.