Valor econômico, v.19 , n.4503, 15/05/2018. Opinião, p. A10

 

Dilemas monetários e metas de inflação

Ricardo Barboza

15/05/2018

 

 

Alan Blinder é um dos maiores especialistas em política monetária no planeta. Seu último artigo no Wall Street Journal levanta três perguntas que todo Banco Central deveria estar apto a responder. Primeiro, o estado corrente da economia prescreve política monetária expansionista ou contracionista? Segundo, a política monetária está efetivamente estimulando ou contraindo a economia? Terceiro, se o Banco Central mudar a taxa de juros, o que deve acontecer com a atividade e com a inflação?

Se um Banco Central não é capaz de responder a essas três perguntas, ele estará em maus lençóis. Na visão de Blinder, essa é precisamente a posição do Banco Central americano hoje. Na minha visão, essa discussão cai como uma luva também para os dilemas do nosso Banco Central. Senão, vejamos.

Começando pela primeira pergunta, os economistas costumam respondê-la por meio da comparação da inflação com a meta e do PIB efetivo com o PIB potencial. A inflação corrente está bem abaixo e a inflação esperada levemente abaixo da meta. Já sobre o hiato do produto, qual seria o seu tamanho?

Segundo um simples filtro estatístico, o hiato seria de -3% na última leitura disponível. Segundo cálculo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o hiato seria de -4,4%. Segundo cálculos de Bráulio Borges, pesquisador do Ibre/FGV, o hiato estaria em -5,2%. Segundo os cálculos da Instituição Fiscal independente (IFI), o hiato seria de -7,2%. Segundo os cálculos do Banco Central, nada sabemos a respeito, pois, ao contrário do Federal Reserve, que divulga uma estimativa de taxa natural de desemprego (equivalente do produto potencial), nenhuma informação aqui é divulgada.

Há poucas dúvidas, portanto, que o produto corrente se encontra abaixo do potencial. A questão é o tamanho dessa ociosidade. Se ela for muito grande, isso deveria provocar forças desinflacionárias adicionais em uma economia cuja inflação se encontra abaixo do piso do intervalo de tolerância do regime de metas. Nesse cenário, caberia ao Banco Central realizar estímulos monetários adicionais para aquecer o nível de atividade. Mas o que significa dar estímulos monetários?

Entramos na segunda questão de Alan Blinder. A Selic está em 6,5%, mas para saber se este nível de juro estimula a economia, precisamos proceder em duas etapas. Primeiro, calcular a taxa real de juros, que desconta da taxa Selic a inflação esperada. Segundo, analisar a distância entre o juro real e a taxa de juros neutra (ou estrutural) da economia. Se a taxa de juros real se encontra abaixo da taxa neutra, a política monetária exerce um efeito estimulativo na economia.

A taxa real de juros está um pouco abaixo de 2,5%. A taxa neutra, por sua vez, é uma incógnita. Primeiro, porque ela é uma variável não observável (ou latente no jargão da estatística). Segundo, porque é variante no tempo, ou seja, flutua ao sabor da dinâmica de seus elementos determinantes. Terceiro, porque seus elementos determinantes estão em processo de ajuste no Brasil. Por exemplo, as políticas fiscais e parafiscais recentemente em curso têm efeitos baixistas sobre o juro neutro.

Segundo estimativas que fiz com meu colega Maurício Furtado, a taxa real de juros teria ficado abaixo da taxa neutra somente a partir de setembro de 2017. Coincidência ou não, neste mesmo mês o Banco Central passou a mencionar o seguinte parágrafo nas atas do Copom: "O Comitê entende que a conjuntura econômica prescreve política monetária estimulativa, com taxas de juros abaixo da taxa estrutural". Essas estimativas, aliás, conversam com a pesquisa conduzida pelo Banco Central em 2017, junto a 82 instituições participantes do Focus, que apontavam uma taxa neutra entre 4% e 5%.

Mas, como dito anteriormente, a taxa neutra pode ser hoje substancialmente menor do que as estimativas mais usuais indicam e a política monetária pode não estar sendo tão estimulativa quanto se imagina. As diversas surpresas negativas tanto na atividade quanto na inflação sugerem que essa hipótese não é absurda. O gráfico, por exemplo, mostra que nos últimos 20 meses, o Banco Central observou um IPCA abaixo de sua própria projeção em um total de 19 vezes.

Passando para a última pergunta, quando o BC reduz a taxa Selic (tal como vem fazendo desde outubro de 2016), deveríamos esperar que a atividade aquecesse e que a inflação aumentasse. Mas, tal como argumentei em artigo recente no Valor, a política monetária pode estar operando com potência reduzida, por razões diversas. O nível de incerteza é elevado, o mercado de crédito não está operando como se esperaria e a estrutura a termo tem forte inclinação. Além disso, há questões relacionadas à alavancagem das empresas e setores ainda afetados pela Operação Lava-Jato, que impedem um maior embalo da atividade (e da inflação), tal como mostraram Gilberto Borça Jr e Letícia Magalhães em artigo recente no Valor.

Diante disso, não é cristalino que o Banco Central deveria interromper o processo de queda da Selic em 6,25% com a inflação ainda tão abaixo da meta e com núcleos cadentes. É verdade que o câmbio tem colocado novos temperos nesta discussão, mas numa economia com forte ociosidade e com um Banco Central crível, o repasse deve ser baixo. Por fim, ainda que não saibamos qual o verdadeiro tamanho do hiato e nem onde está a taxa neutra, sabemos que estamos errando sistematicamente previsões, mesmo para prazos muito curtos, onde há muito mais informação disponível.

Dentro do balanço dos riscos que hoje existem - e não são poucos -, talvez o mais relevante seja a possibilidade de uma inadequada interrupção do processo de flexibilização monetária. A meta de 2017 já foi perdida e a de 2018 está bem distante. Que pelo menos em 2019 a gente alcance o objetivo.