Valor econômico, v.19 , n.4503, 15/05/2018. Especial, p. A12

 

Economia verde beneficia criação de empregos no Brasil, aponta OIT

Assis Moreira 

15/05/2018

 

 

A transição do Brasil para a economia verde, com menos intensidade de carbono e recursos naturais, vai gerar amplas possibilidades de novos empregos que superarão a inevitável perda de postos de trabalho no país.

A conclusão é de estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com base em três cenários sobre a promoção de uma economia mais respeitosa do ambiente de agora até 2030.

Dados aos quais o Valor teve acesso mostram que a grande maioria dos setores da economia brasileira vai se beneficiar: de 163 setores econômicos analisados, 137 terão crescimento de postos de trabalho, enquanto 26 vão eliminar empregos.

O setor com maior potencial de criação de empregos nesse contexto é a construção civil e produção de eletricidade alternativa. Os ganhos se propagam em todos os setores econômicos.

O primeiro cenário da OIT se baseia em medidas que um país tomar para produção e consumo de energia pela implementação do Acordo de Paris, que visa limitar o aquecimento climático a 2 graus Celsius.

No caso do Brasil, a estimativa é de que novas práticas sustentáveis nesse caso vão gerar 440 mil empregos em termos líquidos a mais na economia em 2030 em comparação com a manutenção das tendências atuais.

De um lado, serão fechados 180 mil postos de trabalho, principalmente na produção de eletricidade baseada em combustíveis fósseis e no cultivo de cana de açúcar.

Ao mesmo tempo, serão criados 620 mil novos postos de trabalho, dos quais pelo menos 500 mil podem vir com serviços relacionados a menor demanda energética nos prédios, com construção ou renovação que dá mais atenção à eficácia dos recursos.

A indústria com maior potencial criador de emprego como percentagem de posto de trabalho no setor é a da produção de eletricidade eólica, com 79,6%.

O segundo cenário leva em conta a transição para uma agricultura mais sustentável. Globalmente, novas práticas podem causar perda de 1,9% da mão de obra no setor.

Nas Américas, haveria eliminação de 2 milhões de empregos. A OIT não fornece o dado por país, por causa da pouca precisão de certas cifras individuais.

Mas a avalição é de que o Brasil, Argentina, Uruguai e Canadá, nas Américas, serão pouco afetados, até porque já praticam em boa parte a agricultura de conservação (AC), que utiliza um conjunto de técnicas agrícolas que protege o solo da erosão, melhora a fertilidade do solo, aumenta a sua rentabilidade e contribui para a proteção ao ambiente.

A estimativa é de que 70% da terra arável no Brasil já está sob esse tipo de cultivo. A agricultura de conservação exige 20% a mais de insumos para proteger a colheita, em comparação à agricultura convencional, mas utiliza 24% a menos de mão de obra, 40% a menos de energia e tem rendimento 21% maior.

O terceiro cenário coloca foco numa gradual conversão para uma "economia circular", que integra atividades como a reciclagem, reparação de mercadorias, locação e reutilização, substituindo o modelo tradicional de extração, produção, utilização e eliminação.

Também nesse caso a OIT não detalha estimativas por país. Mas se sente segura para estimar que o crescimento do emprego vai ser liderado pela América Latina e Caribe, com 10 milhões de novas vagas de trabalho. Boa parte pode ser no Brasil, o maior mercado da região, como em maior gestão de detritos, por exemplo.

"A estimativa é positiva sobre o Brasil porque o país tem cadeia de valor, faz extração de ferro, reciclagem etc", diz o economista Guillermo Montt, um dos autores do relatório.

No Brasil, a quantidade de empregos que dependem de um ambiente saudável e estável, os chamados "serviços ecosistêmicos" - o que inclui purificação de ar e água, renovação e fertilização de solos, proteção contra condições climáticas extremas etc -, chega a 20 milhões de pessoas, ou 23% do emprego no país.

A alta prevista das temperaturas vai provocar estresse térmico, sobretudo na agricultura, e causará sérios problemas de saúde. Esse estresse térmico vai provocar uma perda de 1,28% das horas trabalhadas de agora até 2030 no Brasil, por causa de doenças - comparado a 2% na média global -, segundo a entidade.

O Brasil foi um dos 27 países que teve estudo mais detalhado, com ajuda de especialistas locais. Para Montt, da OIT, comparado aos 27 países, a constatação é de falta de estratégia nacional e intersetorial no Brasil. Ou seja, há uma dispersão de esforços. Tampouco se percebe do exterior uma tomadas de decisão para antecipar a necessidade de certas qualificações para a transição verde.

"Em termos de competência para uma economia verde o Brasil esteve mais na ponta há cinco anos do que hoje", diz Catherine Saget, principal autora do relatório. "É preciso preparar melhor a transição, até porque o Brasil é um país que tem tudo a ganhar".

A França e a Coreia do Sul são considerados exemplos, tanto pela estratégia incluindo trabalhadores e empresas como pelos altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

O relatório da OIT destaca dois programas brasileiros, vinculando proteção social e proteção ambiental. O primeiro é o Bolsa Verde, que ajuda famílias a proteger a floresta. O segundo é o Renovação, projeto de São Paulo que ajuda, por exemplo, trabalhadores de canaviais a se adaptar a outros setores.