Correio braziliense, n. 20367, 24/02/2019. Mundo, p. 16
Maduro rompe com a Colômbia
24/02/2019
Venezuela » Em dia marcado por violentos confrontos na fronteira, com mais de 200 feridos, o presidente chavista corta as relações diplomáticas com Bogotá e expulsa os diplomatas. Comboios de ajuda humanitária ficam retidos
A ajuda humanitária não passou, mas a face mais violenta do impasse político na Venezuela chegou às fronteiras com o Brasil e a Colômbia, onde manifestantes contrários ao presidente Nicolás Maduro enfrentaram as forças de segurança — à distância de metros dos marcos de divisa —, ergueram barricadas e incendiaram veículos e postos aduaneiros. Embora tenham sido registradas três mortes na região fronteiriça brasileira (leia abaixo), a violência foi mais intensa nas pontes que ligam o território venezuelano à cidade colombiana de Cúcuta, com saldo de ao menos 285 feridos. E teve resultado político dramático: discursando para milhares de simpatizantes, em Caracas, Maduro anunciou o rompimento das relações diplomáticas com a Colômbia e expulsou todos os diplomatas do país vizinho.
“Decidi romper todas as relações políticas e diplomáticas com o governo fascista da Colômbia, e todos os seus embaixadores e cônsules devem partir da Venezuela em 24 horas. Fora daqui, oligarquia!”, proclamou o presidente chavista. A Colômbia é o segundo país com o qual o governo de Caracas rompe relações desde que o líder oposicionista Juan Guaidó foi proclamado presidente interino pela Assembleia Nacional, em 23 de janeiro. No mesmo dia, Maduro anunciou o rompimento com os Estados Unidos, em resposta ao reconhecimento imediato de Guaidó pelo presidente Donald Trump. Colômbia e Brasil estão também entre os primeiros dos 50 países que hoje reconhecem o presidente interino.
Empenhado em se contrapor à mobilização dos adversários em torno da ajuda humanitária, no dia marcado por Guaidó para a entrada dos donativos, o presidente chavista promoveu na capital uma grande manifestação de apoio — e elegeu o mandatário colombiano como alvo principal. “Você é o diabo, Iván Duque. Você é o diabo, e você secará por se meter com a Venezuela”, ameaçou. “Vade retro satanás, fora daqui, diabo!” Maduro dirigiu ofensas também ao líder oposicionista, que se deslocou a Cúcuta para acompanhar a operação humanitária. “Estamos esperando pelo senhor fantoche, palhaço, fantoche do imperialismo americano e mendigo”, disparou.
Em reação inicial, o governo de Bogotá reiterou que não reconhece como presidente da Venezuela o chavista, a quem chamou de “usurpador”, e por isso ignora o anúncio. “Maduro não pode romper relações diplomáticas que a Colômbia não tem com ele”, tuitou a vice-presidente Marta Lucía Ramírez. O chanceler Carlos Holmes Trujillo lembrou que Guaidó “convidou os funcionários diplomáticos e consulares colombianos para que permaneçam em território venezuelano”, e advertiu o governo de Caracas a garantir a sua segurança. “A Colômbia culpa o usurpador Maduro por qualquer agressão ou desconhecimento dos direitos que as autoridades colombianas têm na Venezuela”, afirmou.
Batalha campal
A fronteira entre os dois países, fechada pelo governo de Caracas, transformou-se ao longo do dia em campo de batalha, em especial nas pontes que ligam localidades venezuelanas à cidade colombiana de Cúcuta. Dois caminhões chegaram a passar com remédios e alimentos não perecíveis em direção à cidade de Ureña, onde foram incendiados por grupos paramilitares chavistas — segundo denunciaram políticos oposicionistas. “As pessoas estão salvando a carga do primeiro caminhão e cuidando da ajuda humanitária que Maduro, o ditador, mandou queimar”, denunciou a deputada Gaby Arellano, que disse haver 15 feridos leves por balas de borracha e afetados por gás lacrimogêneo.
“Nossos voluntários corajosos estão formando uma corrente para salvaguardar a comida e os medicamentos. A avalanche humanitária é incontrolável”, assegurou Guaidó. Ele foi acompanhado em Cúcuta por Iván Duque e pelos presidentes do Chile, Sebastián Piñera, e do Paraguai, Mario Abdo, além do secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro. Guaidó saudou a deserção de 23 integrantes da Guarda Nacional venezuelana que cruzaram para o lado colombiano. O presidente interino reiterou a oferta de anistia aos militares que abandonarem Maduro.
Até o início da noite, manifestantes erguiam barricadas com placas de sinalização do lado colombiano da ponte entre Cúcuta e Ureña. Com apoio também de civis colombianos, grupos atacaram e incendiaram um posto de imigração e atiraram pedras contra as forças de segurança venezuelanas, que responderam com gás lacrimogêneo e balas de borracha.
Frase
“Você é o diabo, Iván Duque. Você é o diabo, e você secará por se meter com a Venezuela”
Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, dirigindo-se ao mandatário colombiano
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Conflito e mortes às portas do Brasil
24/02/2019
Confrontos entre manifestantes venezuelanos e a Guarda Nacional Bolivariana irromperam ontem no posto de fronteira com o Brasil aonde haviam chegado, entre o fim da manhã e o início da tarde, com um carregamento de oito toneladas de ajuda humanitária transportado da capital de Roraima, Boa Vista, até Pacaraima. Frustrados com a impossibilidade de receber os donativos, já que a fronteira foi fechada na noite de quinta-feira pelo governo de Caracas e os veículos não puderam ingressar na Venezuela, os manifestantes lançaram coquetéis molotov contra um posto da guarda e atiraram pedras contra os militares, que responderam com gás lacrimogêneo e obrigaram o grupo a passar para o lado brasileiro. Choques registrados desde a sexta-feira em cidades venezuelanas próximas à divisa deixaram ao menos três mortos.
Os caminhões tinham sido estacionados no ponto médio entre os postos de aduana dos dois países, a 300m da primeira linha do bloqueio militar venezuelano. Sem permissão para entrar na Venezuela, os veículos foram retirados do local, segundo as normas fixadas pelo governo brasileiro para a operação. A ajuda transportada a Pacaraima terá escolta da Polícia Rodoviária Federal e do Exército até esse ponto. O ingresso na Venezuela terá de ser feito em caminhões venezuelanos dirigidos por motoristas venezuelanos.
Presente em Pacaraima para acompanhar a operação, o chanceler Ernesto Araújo reiterou, mais cedo, que o Brasil não vê possibilidade de conflito armado na região e descarta, por ora, a opção de organizar a distribuição de donativos aos venezuelanos em território brasileiro. “A expectativa é de que, quando o primeiro caminhão chegar, uma luz se acenda e a fronteira se abra”, disse em entrevista coletiva, de manhã, na sede local da Polícia Federal. A embaixadora designada pelo presidente interino Juan Guaidó e reconhecida pelo Itamaraty, María Teresa Belandria, procurava transmitir otimismo: “Vai passar, é claro que vai passar”.
A chegada dos caminhões à cidade foi festejada por venezuelanos, depois de uma noite de confrontos em Santa Elena del Uairén, a cerca de 30km de Pacaraima. A violência se repetiu ontem, com veículos incendiados para formar barricadas e bloquear chegada de reforços militares. Duas pessoas foram mortas a tiros, entre elas um adolescente de 14 anos. Na tarde de sexta-feira, as forças de segurança venezuelanas abriram fogo contra indígenas do assentamento de Kumarakapay, a pouco mais de uma hora da fronteira brasileira, onde manifestantes tentaram impedir a passagem de um comboio. Informações iniciais mencionavam dois mortos, mas foram corrigidas — uma das vítimas está entre os 15 feridos que se recuperam em hospitais no Brasil.
O chanceler Ernesto Araújo e o vice-presidente Hamilton Mourão embarcam hoje para Bogotá, onde participam amanhã da reunião do Grupo de Lima sobre a crise venezuelana.