Correio braziliense, n. 20367, 24/02/2019. Cidades, p. 21

 

O pomar do Pros

Alexandre de Paula

Ana Viriato

24/02/2019

 

 

 

 

Eleições » Prestação de contas do partido garante que a legenda gastou R$ 5,7 milhões “em recursos estimáveis”, com 33 candidatos que tiveram somados apenas 11,9 mil votos. Pelos menos oito que disputaram o pleito negam ter recebido a verba do diretório nacional

Forlangov talvez soe como um nome estranho para o eleitor. O policial militar de 40 anos Erivelto Forlan, que concorreu a uma vaga na Câmara Legislativa pelo Pros, porém, deveria ser conhecido por quase 1 milhão de eleitores brasilienses — ou seja, um terço da população do Distrito Federal. Isso porque a legenda alega, na prestação de contas, ter confeccionado 939,9 mil santinhos para o candidato. Ao todo, foram R$ 184 mil em material gráfico, que inclui também adesivos e botons. Mas Forlangov teve um desempenho pífio nas urnas: recebeu apenas 336 votos.

Assim como ele, outros 32 candidatos a distrital da sigla não chegaram a obter sequer mil votos em 2018, mas receberam, de acordo com as prestações de contas, milhões de reais em material gráfico para a campanha. A fartura dos itens, custeados por recursos públicos dos Fundos Partidário e de Financiamento Especial de Campanha, é tamanha que seria possível, por exemplo, estampar por três vezes todos os 1,7 milhão de automóveis da capital com os 6 milhões de adesivos que a legenda diz ter confeccionado.

Confrontados com os dados apresentados pelo partido ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), candidatos da última corrida eleitoral ouvidos pelo Correio garantem que caciques da legenda inflaram os números. O apoio com propaganda impressa, segundo eles, foi muito mais modesto — boa parte do material chegou poucos dias antes do pleito e a quantidade era significativamente menor do que a declarada à Justiça.

A situação os leva a acreditar que dirigentes partidários embolsaram o valor atestado para custeá-los. “Não recebi essa quantidade (R$ 184 mil em material). Não tinha conhecimento disso e não me lembro de ter visto isso na prestação. É muito estranho e quero saber do partido qual a razão”, relata Forlangov.

O material de campanha descrito pelo diretório nacional do Pros na prestação de contas dos 33 chega ao custo de R$ 5,7 milhões. O valor inclui pouco mais de R$ 500 mil em gastos com advogados, contadores e despesas de pessoal. Para concretizar o repasse médio de R$ 172 mil em propaganda impressa a cada candidato, o partido teria utilizado uma brecha na legislação eleitoral, que dispensa a apresentação de comprovantes e recibos na transferência de valores em material de campanha. Essas transações são apresentadas como “receitas estimáveis em dinheiro”.

Os 33 candidatos, juntos, conquistaram o pífio apoio de 11,9 mil eleitores. Considerando somente os R$ 5,7 milhões em recursos estimáveis, portanto, cada voto teria custado aos cofres públicos R$ 479. O número é mais de 10 vezes superior aos R$ 43,90 investidos por Robério Negreiros (PSD), que teve o maior gasto por eleitor entre os 24 que assumiram uma vaga na Câmara. A cifra milionária (R$ 5,7 milhões) ainda é cerca de seis vezes maior do que os R$ 870 mil investidos pela sigla na candidata a governadora Eliana Pedrosa, líder das pesquisas durante mais da metade da campanha de 2018.

A gráfica responsável pela impressão de materiais é do próprio partido — o que se comprova pelo CNPJ estampado em alguns dos santinhos — e fica em Planaltina de Goiás (GO). O Pros é comandado nacionalmente por Eurípedes Júnior, que, conforme os relatos de candidatos, teria ciência das supostas irregularidades e se beneficiaria delas. Em outubro,  ele foi alvo da Operação Partialis, deflagrada para combater o desvio de recursos públicos na aquisição de gases medicinais em Brasília e no Pará. De acordo com a Polícia Federal, os envolvidos no esquema desviaram R$ 2 milhões em contratos com o setor público.

Adulteração

Ao Correio, candidatos destacaram diversas inconsistências nas prestações de contas do partido, fato negado pela presidência da sigla (leia mais na página 22). Ex-presidente da Associação de Moradores de Vicente Pires e Região, Gilberto Camargos, 55 anos, tentou uma vaga na Câmara Legislativa pelo Pros e se surpreendeu com os valores indicados pela direção da legenda. O documento elaborado pelos contadores registrava mais de R$ 150 mil em materiais gráficos. Camargos se recusou a assinar, pois garante não ter recebido mais do que R$ 10 mil em propaganda impressa.

Às pressas, elaborou uma nova prestação, entregue em janeiro deste ano, que inclui uma declaração em que justifica o atraso e detalha a suposta tentativa de fraude cometida pelo partido. O documento, datado de 31 de janeiro, está disponível no sistema do TSE.

Alguns dos concorrentes, em outra vertente, dizem ter aprovado as prestações de contas sob pressão. Eles contam que representantes do Pros argumentaram que a recusa em assinar os papéis poderia gerar complicações sérias na Justiça Eleitoral.

Outros afirmam ainda ter confiado no partido e referendado a declaração sem conferir os valores. É o caso de Adriana Lourenço, 49. Cega, ela relata que assinou a prestação de contas sem saber o conteúdo real. Integrantes do Pros não disponibilizaram a versão digital, que poderia ser ouvida por meio de recursos de acessibilidade, tampouco descreveram a íntegra da documentação. “Eu confiei neles, mas, depois, outras candidatas tiveram esse problema e eu imaginei que, se tinham feito com elas, também teriam feito comigo”, diz.

A datilógrafa Amazônica Brasil, 54, foi uma das candidatas que conversaram com Adriana sobre a adulteração. “Sou servidora pública, estava em processo de aposentadoria. Deixar de fazer a prestação poderia me prejudicar, fiquei com medo”, conta. Ela e Adriana dizem ter se sentido sem saída. “O que fazer? Negar e depois ter que procurar advogado e contador para fazer a declaração às pressas? Não temos recurso para isso. E ficaria sempre a nossa palavra contra a deles”, pontua Amazônica.

O ex-senador Hélio José — conhecido também como Hélio Gambiarra — a convidou para se candidatar, de acordo com a datilógrafa. Ela e Adriana contam que não foram mais atendidas por ele — que supostamente saberia do esquema — depois de reclamar dos valores incomuns. O ex-senador ganhou destaque na capital após o vazamento de um áudio em que diz que poderia nomear “uma melancia” para cargos de confiança.

O servidor público Venceslau Guimarães, 43, teve 690 votos nas eleições do ano passado. Apesar da tímida votação, contou com cerca de R$ 674 mil transferidos pela sigla, tudo em recursos estimáveis. Em tese, gastou quase R$ 1 mil por voto. Tinha à disposição, segundo a prestação de contas, mais de 200 mil adesivos e meio milhão de santinhos, por exemplo.

O Pros declarou investimento de R$ 177 mil com materiais gráficos e o restante, em despesas de pessoal (“a especificar”). Procurado pelo Correio, Venceslau diz não se lembrar de valores exatos e não ter notado montante tão alto. “Eles me mandaram material e diziam que colocaram gente para trabalhar para mim em outras regiões. Mas eu não tinha controle disso, não tenho como saber se o custo foi esse ou não”, justifica. “Mas, de fato, tive, sim, gente trabalhando para mim porque minha votação foi em várias regiões”, completa.